No último dia 13 de janeiro, o mundo acordou com uma calamidade de
dimensões assustadoras: 1/3 da população de um país, três milhões de
pessoas desabrigadas, mais de 100 mil mortos, cerca de 40 mil mulheres
grávidas sem a menor perspectiva de um teto para abrigar seus filhos e
filhas. A comunidade internacional se movimenta a passos lentos no
sentido de responder o quanto antes a essa tragédia: o terremoto do dia
12 de janeiro no Haiti.
Como explicar que a longínqua China envie alimentos que chegam mais
rápido que os dos EUA, que está a menos de uma hora de voo de Porto
Príncipe? Como explicar que os mais de dois mil fuzileiros navais sejam
os primeiros “bens” dos EUA a aportarem nesta ilha caribenha?
Cuba, Venezuela e a própria Comunidade do Caribe (Caricom)
imediatamente enviaram seus médicos, pessoal qualificado para desastres
dessa dimensão. O avião da Caricom não pode aterrissar no aeroporto
Toussaint Louverture, assim como o avião da Força Aérea Brasileira.
Tiveram que aportar em Santo Domingo, na República Dominicana, uma vez
que os fuzileiros navais dos EUA tomaram o controle do aeroporto e dos
portos haitianos.
Cabe a pergunta: como se fecha portos e aeroportos logo após uma
tragédia dessa dimensão em que a comunidade internacional está se
mobilizando para o envio de medicamentos, comida e roupas? Fechar
portos e aeroportos não compõe uma estratégia de guerra? Assim sempre
soubemos.
Desde 2004, o Haiti está ocupado pelas tropas militares da ONU
através da Missão de Estabilização do Haiti – Minustah. Desde então,
várias organizações nacionais e internacionais têm se posicionado pela
retirada das tropas. Após seis anos de permanência no país, pouquíssimo
fizeram para a reconstrução do Haiti.
Sabemos que o comando militar dessa missão está sob responsabilidade
do Brasil. Por depoimentos já veiculados na mídia, soubemos que as
tropas brasileiras estão fazendo do Haiti um campo de treinamento. Como
já escrevemos em outros artigos, esses treinamentos servem ao processo
de militarização de diversas periferias urbanas. Não é a toa que há
treinamentos dessas tropas em favelas do Rio de Janeiro. Elas vão ao
Haiti e depois retornam à cidade carioca, como foi o caso da ocupação
do Morro da Providência pela Guarda Nacional, em 2008.
Nesse momento de catástrofe, nos perguntamos: que papel está tendo a
Minustah? Onde estavam seus soldados nos primeiros dias da tragédia? Os
relatos que nos chegam do Haiti são de que a população pobre ficou
absolutamente abandonada.
Com o crescente papel dos EUA no processo de militarização da ajuda
humanitária no Haiti, nos perguntamos o que faz o Presidente Obama,
achando pouco enviar soldados que podem chegar ao número de 14 mil,
mobilizar Bill Clinton e George W. Bush para serem os coordenadores do
esforço de reconstrução do Haiti.
Como explicar que em um país tão pequeno e tão pobre do Caribe, dois
ex-presidentes da maior potência de guerra do mundo – os EUA – sejam
designados a cuidar de sua reconstrução? O que está por trás de tudo
isso? Em nossa opinião, são estratégias de vários tipos de
militarização de nossos países da América. Estamos vendo, ao vivo e em
cores, em nome da ajuda humanitária, um país ser ocupado militarmente
após uma catástrofe monumental.
Assim, temos que fortalecer o grito de retirada das tropas militares
do Haiti. Não se faz ajuda humanitária com tropas militares. O povo
haitiano, através de suas organizações e movimentos sociais, precisa
ser apoiado para que sua voz fale mais alto no processo de reconstrução
do país.
Desde última segunda- feira, (18/01) foi constituída no Brasil a
Frente Nacional de Solidariedade ao povo haitiano formada por
movimentos sociais do campo e da cidade, por centrais sindicais,
pastorais sociais, movimento negro, de mulheres, enfim, um espectro
amplo de organizações da esquerda brasileira. A tarefa central é
trabalhar a ajuda direta junto a organizações sociais haitianas e pela
retirada das tropas militares. Muito trabalho existe pela frente. A
reconstrução do Haiti vai ser lenta. Mas, não esqueçamos a dívida
histórica que todos temos com este país. O Haiti foi a primeira nação
do mundo a abolir a escravidão. Será que é esse o seu pecado?
* Sandra Quintela é economista, é integrante do
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS)/ Rede Jubileu
Sul. Artigo publicado originalmente no correio da revista Caros Amigos.