Entrevistas
Jonas Valente fala sobre Confecom, as proposta do governo e a democratização da mídia
Por IHU Unisinos
Começa, no próximo dia 14, a Conferência Nacional de Comunicação,
fruto de uma luta dos movimentos que defendem a democratização da
comunicação que já dura muitos anos. A IHU On-Line conversou, por
telefone, com Jonas Valente, do Intervozes, sobre as propostas que o
governo pretende discutir, assim como os eixos centrais que devem fazer
parte das discussões que serão realizadas neste evento. "A constatação
clara, que existe por parte de todos os segmentos, é a necessidade de
ter um novo marco regulatório, ou seja, precisamos modernizar a nossa
legislação", opinou.
Jonas Valente é jornalista, mestrando em Políticas de Comunicação na
Universidade de Brasília. Já trabalhou no Movimento Nacional de
Direitos Humanos, na Agência de Notícias Carta Maior e, atualmente, é
integrante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social,
entidade que luta pela comunicação como direito humano.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como você avalia os principais pontos das propostas do governo federal para discussão durante a Confecom? Jonas Valente - Em primeiro lugar, eu avalio que o conjunto de
propostas do governo é bastante interessante. Havia uma expectativa
sobre o que o governo apresentaria e até calcado num histórico de
posições um pouco mais recuadas, e o que a gente viu foi um conjunto de
proposições que se aproximam de uma agenda histórica pela
democratização da comunicação. Vou dar um exemplo concreto: tem uma
demanda histórica pela regulamentação da complementalidade entre os
sistemas público, privado e estatal. O governo está propondo garantir a
distribuição dos canais de rádio e televisão da seguinte forma: um
terço para o sistema estatal, um terço para o sistema público e um
terço para o sistema privado. Acho que essa é uma proposta bastante
ousada e importante. No ponto sobre a produção de conteúdo, há um
conjunto de mecanismos de fomento para produção alternativa, para
estimular programas alternativos para jovens que abordem o direito das
mulheres. Há bastante atenção nas propostas do governo na questão de
gênero na mídia, seja a exploração da imagem da mulher na mídia, seja a
garantia de que as próprias mulheres, organizadas ou não, tenham
condições de produzir o seu próprio conteúdo.
Também a constatação clara, que existe por parte de todos os
segmentos, é a necessidade de ter um novo marco regulatório, ou seja,
precisamos modernizar a nossa legislação. Em segundo lugar,
regulamentar as emissoras públicas estaduais, isso é uma demanda do
Fórum de TVs públicas que o governo abraça aqui. Outra coisa importante
das propostas do governo é o debate sobre a Internet, afastando-se um
pouco da linha policialesca que é proposta principalmente no projeto do
senador Azeredo, que vem a ser conhecido como AI-5 digital e propondo,
muito em consonância com o ministério da Justiça, criar um marco civil
para a Internet. Há uma pressão de vários países do mundo para que você
trate e criminalize o livre compartilhamento de dados e arquivos. No
que tange às concessões, por exemplo, há aí uma proposta interessante
que avança em relação ao que o Ministério das Comunicações vinha
defendendo, que é fazer cumprir o artigo 54 da Constituição, proibindo
que políticos eleitos possam constar entre os detentores e acionistas
de veículos de comunicação. Isso é bastante importante.
Outro ponto relevante é coibir a prática de aluguel de espaço na
programação. Um desvio muito sério que pega um bem público, que é o
espectro eletromagnético, e o utiliza de maneira abusiva. Outro ponto
importante nas propostas do governo é a descriminalização das rádios
comunitárias que hoje estão tentando se regularizar, mas não conseguem
por causa da burocracia do Ministério das Comunicações. A
regulamentação mais fina da publicidade de bebidas alcoólicas é um
debate bem polêmico que está se dando no Congresso Nacional, e é uma
questão a ser discutida. O tema das verbas de publicidade oficial fará
parte da programação da conferência. Esta é uma política que a
secretaria de comunicação do governo já vem promovendo, ou seja, de
desconcentrar a aplicação dessas verbas que, em todos os governos,
sempre ficou muito centrada no meio televisivo e, nesse espaço, ou seja
a Globo e grandes redes dos principais jornais. Aqui vemos um desejo do
governo de avançar ao encontro dos esforços da secretaria para uma
política mais democrática.
Outro ponto: a manutenção de equipamentos públicos que sejam tanto
de produção quanto de difusão, formação, capacitação, interligados em
rede, além da utilização de telecentros. Em resumo, é um conjunto de
propostas muito interessantes. Agora, temos que saber se essas
propostas estão bem amarradas internamente no governo. Além disso, há
um outro conjunto de pontos que o governo não apresenta e precisam ser
dialogadas, como, por exemplo: há uma demanda na sociedade civil para
ampliação da participação no sistema, tanto federal quanto estadual.
Precisamos saber se o governo vai aceitar e corroborar com esse tipo de
solicitação. Outra demanda que vem muito forte é a criação de órgãos
reguladores participativos como um conselho de comunicação social. E
não o que hoje existe e que está parado, pois é um órgão auxiliar do
Congresso Nacional. Em relação às concessões de rádio e TV, por mais
que haja uma posição do governo sobre o aluguel do espaço e as outorgas
para as políticas, há uma demanda que é muito presente para que se
tornem obrigatórias as audiências públicas nos momentos de renovação
para que os critérios que avaliam ou destinam a renovação dessa outorga
não sejam mais critérios econômicos, mas sim critérios que, em primeiro
lugar, levem em consideração o que a nossa legislação já presume,
especialmente os dispositivos constitucionais que falam em estímulo à
produção regional independente.
Outro ponto importante: no caso das rádios comunitárias, não basta
apenas a descriminalização, o movimento pede também anistia de todas as
pessoas que estão sofrendo processo hoje, pede ampliação dos canais
disponíveis, pede ampliação da potência e dos mecanismos de
financiamento. Sobre isso, não há proposta do governo muito clara.
Outra questão: a criação de mecanismos de controle social das políticas
de comunicação e dos exploradores do serviço. Vamos ter que dialogar
com o governo para tentar sair da conferência com uma proposta forte.
IHU On-Line - Hoje, é possível expandir a banda larga para todos? É
esse tipo de projeto que vai massificar a inclusão digital no Brasil? Jonas Valente - Sim. Quando se debate banda larga você está falando
tanto de acessos coletivos, no caso dos telecentros, como de acessos
individuais, ou seja, garantir que a banda larga chegue na casa do
cidadão. Então, penso que quando se fala em inclusão digital, óbvio que
ela não pode ser resumida ao acesso, pois há o processo de formação e o
de instrumentalização para que o cidadão possa manejar essas
ferramentas, não apenas assistir, mas também produzir conteúdos. O
vetor central da inclusão digital no Brasil passa pelo Plano Nacional
da Banda Larga. Esse é um debate central nessa conferência.
IHU On-Line - Quais os principais dilemas da comunicação no Brasil que devem fazer parte dos debates durante a conferência? Jonas Valente - Em primeiro lugar, a hegemonia absoluta da mídia
comercial. Ou seja, é preciso ampliar massiçamente o espaço da mídia
comunitária privada e sem fins lucrativos. E aí é preciso ampliar o
número de emissoras, fortalecer as empresas estatais, ou seja, é
preciso ter fundo nacional e estadual robustos para a comunicação.
Segundo problema: a concentração de propriedades que existe no nosso
país, nos meios de comunicação, é tanto horizontal - quando um sujeito
tem várias televisões - quanto vertical - quando o sujeito domina
várias etapas da cadeia de produção, programação e distribuição dos
meios de comunicação. Além disso, ela é cruzada, ou seja, um sujeito
tem um jornal, uma rádio e uma TV. Esse é um tema central, porque
quanto mais concentrada for a propriedade, menos plural e diverso é o
sistema de comunicação, o que impacta diretamente na nossa democracia.
Outra questão muito importante é a verticalização da produção em
comunicação. Hoje nós temos um conteúdo concentrado no eixo Rio-São
Paulo. Nós fizemos um estudo no Observatório do Direito à Comunicação,
que é um site que o Intervozes mantém, que verificou que há 60
emissoras em 11 cidades. Verificamos que apenas 10,83% da produção é de
conteúdo produzido regionalmente. Portanto, é necessário estabelecer
cotas para produção regional, para a independente, o estímulo para
produção por segmentos que hoje são invizibilizados pelos meios de
comunicação.
O quarto problema central é o caráter excludente dos serviços de
comunicação que temos hoje que se reflete não apenas na Internet, mas
também na telefonia celular. Apesar de ter 170 milhões de aparelhos no
Brasil, a grande maioria deles são pré-pagos, ou seja, há um baixo
consumo mensal porque o serviço é caro se comparado a outros países.
Isso acontece também na telefonia fixa onde há uma barreira clara na
assinatura básica. Esses são os problemas centrais que precisamos
atacar.
IHU On-Line - Quais os últimos preparativos para a realização da Confecom? Jonas Valente - Neste momento, estamos construindo a metodologia da
etapa nacional para tentar garantir que determinadas decisões, que
foram complicadas no passado, que gerou num conjunto de mais de seis
mil propostas para serem apressadas na etapa nacional. Estamos tentando
construir uma metodologia que permita que haja um debate de qualidade.
Além disso, concretamente, agora é o momento em que os segmentos das
forças políticas estão conversando para avaliar a construção de
mediações. Vamos ver como isso vai se consolidar.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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