Comunica%E7%E3o Alternativa
Na diversidade, encontrar a essência da nossa luta
Reflexões e inquietações provocadas pelo 15º curso do Núcleo Piratininga
Por Laudenice Oliveira
Durante
o 15º Curso do Núcleo Piratininga, que aconteceu no Rio de Janeiro, no
início de Novembro, vários debates vieram à tona e muitos outros foram
continuidade do que já se vem falando há anos. O núcleo
do debate é a comunicação e quem tem a sua hegemonia. Fato já
diagnosticado por todos e todas: quem tem é a classe dominante, a
burguesia, quem comanda o capital.
Constatação
que nesse fórum constituído pelo NPC (Núcleo Piratininga de Comunicação) não há discordância. A comunicação que a sociedade tem
acesso é a que a burguesia media diariamente. A que queremos que a
sociedade tenha acesso é limitada a pequenos grupos organizados, além
de ser fragmentada nos seus diversos aspectos. Em especial no seu
aspecto político organizativo.
Se
formos analisar os conteúdos passados diariamente pelas diversas mídias
para “informar” a população brasileira, ela não titubeia. Elas não
divergem na sua essência. Algumas são mais clarividentes, outras
camuflam mais para garantir uma credibilidade diante de setores que
ainda ficam no muro sobre ser de esquerda ou de direita, ser moderno ou
atrasado, ser liberal ou conservador.
Neste
mundo precisamos ser de um lado ou do outro. O muro serve apenas para
dividir esses dois espaços, não é arquibancada. Da arquibancada apenas
se xinga, se berra, se esperneia e até se chora de emoção. Contudo, é
no campo onde o jogo acontece e a estratégia para vencer
o adversário já foi desenhada anteriormente entre os jogadores e o
técnico. Se foi a mais correta ou não, o final do jogo vai dizer pelo
resultado apresentado.
Mas,
voltando a essência dos conteúdos da mídia burguesa. Aqui não há
vacilo. A estratégia é criminalizar os movimentos sociais e a pobreza,
é exaltar a beleza que é viver em um mundo capitalista. Um mundo que
não foi feito para pobres, negros, índios, favelados, sem-terra,
sem-teto ou sem tudo. Inclusive, se essa gente não existisse, esse
mundo burguês seria mais interessante e mais bonito.
A
estratégia é fazer a sociedade compreender que quem está errada é essa
gente toda. Quando acontece ocupações no campo ou na cidade, as
reportagens têm o mesmo perfil. Às vezes dá a impressão de que as redes
de TVs, os jornais, os repórteres se combinam para fazer a cobertura e
dizer as mesmas coisas, veicular as mesmas imagens, pegar os mesmos
depoimentos. A tática é dizer para quem está na arquibancada, ou que
ficou em casa e não foi assistir ao jogo, que não se deve fazer
ocupações, por diversos motivos. Entre eles, porque não devemos querer
o que é “dos outros”: defesa da propriedade privada; porque esse tipo
de atitude é violenta: precisamos cultivar “nossa cultura de paz”; porque
é contra a lei: rico não cumprir lei é normal, pobre não pode porque é
desmoralização e dá cadeia; e, pode acontecer o pior: a morte. É
importante cultivar o medo. A morte atemoriza o ser humano e muitas
vezes o inibe na efetivação de uma ação.
Por
outro lado, é importante também, mostrar a beleza e a prosperidade, que
se você for competente, batalhador, correr atrás vai ter tudo aquilo
também. Você, sozinho. Não em grupo. Em grupo não funciona, porque tem
sempre alguém conspirando contra você. Sozinho você pode ser bem
sucedido, ganhar muito dinheiro e nas férias vai poder comprar aquele
pacote para curtir as praias do Nordeste num resort maravilhoso. É
importante enfatizar que coisas boas e bonitas, você só vai ter acesso
se for competente, qualificado e esforçado.
Todos
os dias em nossas casas esses dois mundos se cruzam e se instalam na
cabeça do nosso povo. Alimenta-se o imaginário popular. Fortalece os
princípios capitalistas e o poder hegemônico continua inabalável. As
crianças começam a aprender isso com a Xuxa e os seus desenhos
animados, na adolescência fortalece com o Faustão e suas
videocassetadas, na fase adulta consolida com o Fantástico e o Jornal
Nacional. E os adultos, também, de vez em quando folheiam uma Veja ou uma Folha de São Paulo para poder ser chamado de formador de opinião.
Mas, e os contra-hegemônicos?
Somos nós dos movimentos sindical e social, que nos dispomos a realizar
essa tarefa. Nesta premissa não há contradição. Todos e todas
concordamos que queremos construir uma outra comunicação. Todos e todas
concordamos que podemos construir um mundo melhor. E queremos.
Portanto, comecemos mudando a nossa comunicação, já que é neste
ambiente que estamos atuando. Como diz o Vito Giannotte, saiamos do
nosso umbigo. Como sair dele?
Neste
universo popular, político, sindical há diversos umbigos. Uns mais
fundos, outros mais rasos, outros para fora, alguns com pirceng. É um
mundo biodiverso, porém cada um no seu bioma. Cada um preocupado em
achar a melhor espécie que se adapte ao seu ecossistema para bem
produzir e fertilizar seu solo. Como entende que o universo precisa ser
preservado no seu conjunto, considerando as suas complexidades? Eis a
questão.
As palestras oferecidas durante o curso do NPC e algumas intervenções
de companheiros e companheiras nos deixam diversas inquietações. As dos
palestrantes e das palestrantes, porque nos trazem elementos para
refletir sobre a nossa luta e nos colocam diante de uma realidade que
parece uma fantasia. A impressão que temos é de que ainda
não sabemos nada. Como ir contra a hegemonia do capital se sabemos tão
pouco sobres as tecnologias de comunicação e outras mais, sobre os
acordos políticos, sobre as negociações, sobre o universo virtual,
sobre as organizações setorizadas da burguesia para manter o status
quo? Como ser um Gramsci ou um Che neste mundo globalizado?
Por
outro lado, a inquietação em relação a algumas intervenções de
companheiros e companheiras é de que o conjunto da nossa luta ainda não
foi compreendida. De que o combate não é entre nós. É uma luta de
classes e que nela precisamos tomar posição e nos despir dos nossos
ranços. Precisamos entender que a classe trabalhadora, a qual dizemos
fazer parte, não é só aquela de carteira assinada, com salário mensal e
tíquete alimentação. É toda essa gente que o capitalismo reproduz a
cada dia e que se ofende porque ela existe. Que quer escondê-la em becos e bueiros a qualquer custo.
Como
fazer com que a minha luta localizada ressoe na luta maior? Como
revolucionar um cenário, um mundo que já parece tão definido? E,
como a nossa comunicação tão fragmentada e com perspectivas políticas
diversas, muitas vezes contraditórias e agora em crise, vai se
constituir em um elemento estratégico para as mudanças!? São tantas as
perguntas e para algumas até achamos as respostas, mas ficamos na
dúvida de onde está o parêntese para marcarmos o xis da
questão. Uma coisa, entre tantas outras, acho importante destacar: o
15º Curso do Núcleo Piratininga trouxe muitas reflexões e nos deixou
inquietos e inquietas. E, esta inquietude é importante, porque mexe com
a gente, tira de um estado estático, nos joga para fora, para um mundo
que precisa das nossas mãos para operar mudanças. De preferência,
significativas.
Com críticas e contribuições de Najla Passos e Rogério Almeida
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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