Por NPC Altamiro Borges diz que não é novidade imprensa estar do lado do capital
Por Camila
Marins, Daniel Hammes, Katarine Flor e Tatiana Lima
O filósofo italiano Gramsci dizia que, em momentos de crise das instituições
burguesas, a imprensa ocuparia o lugar do partido das classes dominantes. “Ele
já falava isso no início do século, e com o passar do tempo essa situação foi
se agravando. Hoje a mídia é muito, muito poderosa. Por isso o tema do curso do
NPC está corretíssimo”. Essa é a opinião do jornalista Altamiro Borges, um dos
palestrantes do 15° Curso Anual do NPC. O jornalista é autor do livro Ditadura da Mídia, em que trata do monopólio da comunicação do Brasil pelas grandes corporações. Ele esclareceu aos entrevistadores como
a mídia comercial criminaliza sistematicamente os movimentos sociais e as lutas
dos trabalhadores, omitindo, por exemplo, as causas das manifestações de rua. Miro,
como é normalmente conhecido, falou também sobre a importância da radiodifusão comunitária
e da imprensa sindical e alternativa no combate à mídia do capital. Ao comentar
sobre o caso recente MST X Cutrale, o jornalista citou Brecht: “diz-se da
violência do rio que tudo arrasta, mas ninguém diz das violentas margens que o
comprimem”.
Ouvimos
você falar sobre a criminalização dos movimentos sociais pela mídia comercial. Pode
explicar como isso acontece?
Bem,
a mídia que nós temos hoje é um partido do capital, como bem diz o tema do
Curso do NPC. Em relação a tudo que tem a ver com luta dos trabalhadores, a
mídia tem basicamente duas atitudes: ou ela omite, o que se torna naquilo que
Sérgio Gomes, da Oboré, chama de “não notícia”. Ou então divulga, mas criminalizando,
agredindo. Por exemplo: numa greve de trabalhadores, ou o repórter não
pergunta, ou a manipulação na edição esconde os motivos da greve; qual a
postura do patronato na negociação; quais os reais problemas da categoria etc.
O que se fala, normalmente, é que a manifestação vai congestionar o trânsito...
Essa é uma maneira de manipular: não mostrar as causas da luta. Assim, a mídia
tenta colocar a sociedade contra quem se manifesta por melhores condições de
trabalho, sendo que essa sociedade é formada por trabalhadores. Qualquer luta
que se dê, passeata de moradores contra a precariedade de saneamento, por
exemplo, está apenas “congestionando o trânsito”. Essa criminalização é
corriqueira, tentando colocar a sociedade contra os movimentos sociais. Hoje
ocorre um processo mais intenso desse ataque, com um objetivo mais preciso: asfixiar
financeiramente as entidades, já que elas normalmente dependem de um apoio público,
o que é natural. A mídia comercial fez isso recentemente em relação ao
Congresso da UNE. A Veja, Estadão, Globo, Folha de S.Paulo foram
pra cima dizendo que o encontro tinha apoio da Petrobras. Mas essa mesma mídia,
essas empresas recebem dinheiro de publicidade dos órgãos federais. O dinheiro
público só pode ir para eles então? Na sequência veio um ataque violento contra
as centrais sindicais. Há três semanas, editoriais da Folha e do Estadão e uma matéria
da Veja mostravam que no movimento
sindical só tem ladrão, bandido...
E em relação ao MST?
Pois
é, os maiores ataques recentes são contra o MST. Pegam esse incidente que
ocorreu na Cutrale, que a meu ver foi um erro, e tentam transformar o MST em um
grupo de terroristas, de vândalos. Essa mídia só não explica que o maior vilão
nesse caso é o José Cutrale, o dono da fazenda, que tem 30% do mercado de suco
do mundo. Aquela terra é grilada, é pública. Quem invadiu aquela terra foi a Cutrale,
plantando naquela terra ilegalmente pés de laranja. Então os bandidos não são
bem os trabalhadores rurais, como querem fazer acreditar. É assim que se faz a
criminalização das lutas sociais: transformam o bandido em mocinho, e quem luta
por justiça social em bandido.
Você diz que houve um erro
nesse caso recente do MST. Onde exatamente erraram?
O
dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht tem uma poesia belíssima que diz mais
ou menos assim: “ diz-se da violência do rio que tudo arrasta, mas ninguém diz
das violentas margens que o comprimem”. Sabemos que a opressão contra o
assentado é muito violenta, a polícia pressionando, o juiz enrolando, o jagunço
com arma na mão humilhando... tem horas que essa raiva explode mesmo! As
margens são tão opressoras que uma hora o rio transborda. Mas temos que fazer
um esforço para tentar evitar esse tipo de coisas, porque é um prato cheio para
os grupos midiáticos que criminalizam constantemente o Movimento. Mas ainda
assim há um problema de manipulação, porque a mídia transforma em principal um
ato que é individual, não é de ninguém da direção do MST. Uma ação que não foi
planejada, que ocorreu num momento de raiva. A imprensa não divulgou que a
fazenda invadiu a terra, que o dono tem mais de cem processos trabalhistas na
justiça, que vários microprodutores de laranja foram prejudicados por ele...
Por que não deu isso? Esse é um dos padrões de manipulação da opinião pública.
Essa criminalização também
acontece muito em relação ao movimento das rádios comunitárias. Queria que você
falasse um pouco sobre a importância dessas emissoras, e a atual situação de
perseguição...
Essa
é uma das incoerências da mídia no seu discurso, porque sempre falam em liberdade
de expressão, de imprensa, mas isso é falsidade. Só defendem a liberdade de
empresa. Quando os golpistas de Honduras fecharam a Globo lá, que não tem nada
a ver com a daqui do Brasil, a mídia ficou quieta, não fez nenhum
pronunciamento. Lá está tendo censura, estão prendendo, matando jornalistas, e
eles não falam nada! Outra falsa premissa é a de que defendem a livre
concorrência. Ué, mas as rádios comunitárias não significam isso? Então o que
eles defendem é o livre monopólio. Nesse caso das rádios comunitárias, eles
fazem pressão violentíssima sobre o governo, tem até propaganda na TV e nas
rádios para criminalizar e fechar essas emissoras, com o falso argumento de que
derrubam avião. Se derrubassem, o Osama Bin Laden teria tido outra estratégia
nos Estados Unidos, não é mesmo? (risos). O que eu acho é que é necessário ter uma
regulamentação para ter espaço para todo mundo, e não ser algo caótico, o que
já ocorre com as rádios comerciais. Acredito que as rádios comunitárias são um
fator fundamental de civilização, porque são elas que estão em contato mais
direto com a comunidade, com seus problemas, e faz o coletivo ser protagonista.
Tem um exemplo que me deixou impressionado! A Rádio Favela, de Belo Horizonte,
já ganhou dois prêmios. Um porque tirou as crianças da rua, e outro por ter
tirado crianças do tráfico. Isso porque são elas que falam diretamente a
comunidade. Por isso as grandes empresas midiáticas vão pra sempre para cima,
porque, ao contrário do que pregam, não gostam de concorrência. Querem o
mercado só para elas.
Você falou que na Venezuela
e na Bolívia o povo venceu a mídia. Como isso poderia acontecer no Brasil?
Bem,
cada país é um país. Na minha opinião, não existe transposição de experiência.
Cada um tem sua realidade, sua história, sua formação social. Nos casos
específicos da Venezuela e da Bolívia, os processos políticos foram
radicalizados, e isso permitiu um despertar mais rápido para o que era a mídia
manipuladora, e para a necessidade de se construir uma mídia outra,
contra-hegemônica. As burguesias desses países são racistas, anti-indígenas,
extremamente arrogantes. Acho que chegam a ser até burras! No Brasil não. A
burguesia brasileira é muito esperta, sempre se antecipa.
Você pode comentar um pouco
sobre o tema do curso, “Mídia hoje como partido do capital”? Um partido não seria
uma coisa, e a mídia outra?
Acho
que o professor Marcos Dantas brincou muito bem. Ele disse que “hoje” a mídia
não é partido do capital não. Ela sempre foi! Essa constatação quem teve foi o
italiano Antonio Gramsci na prisão, quando escreveu Cadernos do cárcere, discutindo cultura e hegemonia. Ele já tinha
percebido que, na crise das instituições burguesas, a imprensa ocupa o papel do
partido das classes dominantes. Ou seja, o papel do capital. Eu acho que isso
se agravou nos últimos tempos. Quando ele escreveu, no início do século, a
imprensa era ainda amadora. Não eram grandes empresas que dominavam. Hoje temos
grandes corporações midiáticas que possuem um poder político muito forte, e um
poder ideológico também muito maior de convencimento, de manipulação, de forjar
comportamentos... Quer dizer, Gramsci, naquele tempo, já tinha percebido o
poder enorme da imprensa, o que foi aumentando com o tempo. Por isso o tema do
curso está corretíssimo.
Você pode dar um exemplo de
como isso acontece?
Por
exemplo, a mídia venezuelana muito descontente com o presidente Hugo Chávez.
Após assumir, ele pegou o dinheiro do petróleo, que ia todo pra fora, e começou
a investir em programas sociais, o que lá eles chamam de “missões”. Então foi
usado para a Missão Bairro Adentro, Missão Robinson, e demais missões de
médicos de família, de alfabetização... A mídia deles percebeu o seguinte: que
a fortuna do petróleo ia para o povo, e não mais para eles. Começaram, então, a
tentar derrubar o Chávez, em todos os espaços. Tinha, por exemplo, um programa
de esporte na Globovision no qual o
locutor falava o seguinte, em relação a um jogador que também se chamava
Chávez: “Lá vai Chávez, bater na bola, e não no povo, como faz o presidente da
Venezuela”... Era assim a transmissão de um jogo! Nesse sentido, a mídia assume
o papel de um partido da direita, do capital. No Brasil, nos primeiros anos do
governo Lula, a mídia foi meio dócil. Já no segundo período do primeiro
mandato, transformaram pessoas manchadas por um passado de corrupção em
defensores da ética. Foi o caso do ACM neto, Bornhausen... Isso é manipulação pura! Para mim, esses grupos
têm uma posição muito explícita, longe da neutralidade, de mostrar pontos de
vista diferentes... Eu acho que no Brasil isso vai se tornar mais explícito em
2010. Acho que a eleição do ano que vem vai ser uma das mais sujas da nossa história,
e a mídia vai provar que é um partido da direita oligárquica brasileira.
Nesse contexto você acha
que os jornais sindicais, populares, comunitários podem ajudar?
Sim.
A imprensa sindical, alternativa em geral, vai ter um papel importantíssimo.
Não precisam optar por um candidato qualquer. Dilma, Marina, Heloisa Helena... O
que precisam fazer é desmascarar essas manipulações! Acredito que a imprensa
sindical tem esse papel, as rádios comunitárias, a internet, com blogs e sites
etc.
Você não acha que falta um pouco de
articulação entre esses meios? A imprensa sindical não fala muito sobre o
próprio sindicato?
Bem, a política é
correlação de forças, não é meu ato de vontade. Pela minha vontade, nós
teríamos um jornal diário da esquerda no Brasil. Mas, para se construir isso,
depende de vários fatores. Tem que se formar a unidade na diversidade. Acho que
no estágio atual nós temos, sim, que almejar isso, mas não é tão fácil de construir
Por exemplo: montar e fortalecer uma boa rede de rádios comunitárias. Nos EUA,
o que teve um papel importantíssimo na eleição do Obama foi a chamada Coalizão
Progressista de Blogueiros. Eles se juntaram para fazer entrevistas juntos,
matérias em conjunto. Essa deve ser uma vontade, e uma conquista nossa.Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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