A busca da terra prometida por Deus e pelos
homens[1]gerou uma nova forma de articulação camponesa, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST, e de recuperação das áreas que não cumpriam
a função social[2], as ocupações massivas[3].
O surgimento do MST e das ocupações coletivas redundou em
aspectos aparentemente conflitantes, mas que se harmonizaram na realidade da
luta pela terra no Brasil.
De um lado, ultrapassou-se a fase em que as
ocupações eram realizadas quase que individualmente. Acompanhados de suas
famílias ou, raramente, em pequenos grupos de duas ou três famílias, camponeses
adentravam a mata e lançavam suas lavouras em terras públicas, ali permanecendo
o tempo que a sorte lhes permitisse, sobrevivendo do que logravam obter das
plantações, da coleta e da caça. Até que um dia eram descobertos pelos
pistoleiros a mando de alguém que se intitulava possuidor da terra e o encontro
terminava quase sempre na expulsão ou em choupanas queimadas e cadáveres
insepultos devorados por animais, ossadas incorporadas ao húmus da floresta, vez
ou outra descobertos, agora, quando a “civilização” chega àquelas paragens.
Se o pequeno número de ocupantes favorecia seu
ocultamento na mata, e se esse ocultamento possibilitava uma sobrevida como
resultado do desconhecimento da ocupação pelos grileiros, tinham também em si a
raiz de sua derrota pela incapacidade de resistir à força do latifundiário e
pela garantia do acobertamento de sua violência. Esse tipo de ocupação, ademais,
tinha a característica de mascarar os dados reais da luta pela terra, eis que
esses pequenos conflitos resolvidos pela morte no fundo da mata não chegavam ao
conhecimento da sociedade, ficando quase sempre limitados aos próprios grileiros
e matadores e às autoridades que os acobertavam.
O surgimento do novo movimento camponês deu visibilidade
aos conflitos: não se as podia esconder as ocupações massivas, nem era possível
agredi-las tão facilmente. Essa maior visibilidade, contrastando com o silêncio
tumular – diga-se – anterior, permitiu muitas vezes que se atribuísse à presença
do MST numa determinada região o surgimento dos conflitos pela terra, quando, na
verdade, ela apenas era responsável pela retirada do véu que os encobria.
Essa nova fase da luta camponesa se iniciou exatamente no
período em que a sociedade mais fortemente manifestou seu repúdio à violência e
à tortura, e também esse fator algemou as mãos do latifúndio limitando o direto
exercício da violência que praticava anteriormente, obrigando-o a lançar mão de
seus agentes no aparelho policial, tendo sido esse, principalmente, o motivo que
fez com que, na segunda metade da década de 80 a repressão às demandas
camponesas fosse feita pelo exército privado do latifúndio, mas já em
substituição pelo organismo policial, reservada à polícia local uma primeira
ação, em geral sem muita preocupação com a legalidade, com vistas a impor aos
camponeses o medo do Estado protetor do latifúndio.
Depois, quando ineficaz esta ação policial atemorizadora,
o que ocorria quase sempre nas condições do atuar coletivo dos trabalhadores,
foi ganhando corpo a intervenção do Ministério Público e do Poder Judiciário,
num primeiro esforço para dar contornos legais à repressão contra os camponeses,
adequada aos novos tempos que se apresentavam como "democráticos" e submetidos
ao "império da lei".
Ao longo de vinte anos, houve no Brasil, um
aprofundamento e alargamento desse processo, com a busca incessante por parte do
estatado de mecanismos mais adequados ao exercício da repressão aos movimentos
sociais. O qual não cessou, um instante sequer, de buscar articular fórmulas que
ultrapassam os marcos da lei e outras que se mantém dentro de suas lindes.
A eficácia apenas parcial das articulações da violência
direta do latifúndio com aquelas dos organismos estatais – policial, do
Ministério Público e do Poder Judiciário -, fez surgir uma terceira fase, aquela
em que estamos no momento, em que se busca, mais que tudo, uma deslegitimação do
movimento camponês e o estabelecimento de uma repulsa social contra ele,
apresentando-o já não apenas como violento, mas, principalmente, como agente de
corrupção.
Não se trata, repita-se, de substituição de uma fórmula por outra,
mas do surgimento de novas fórmulas que se vão articulando com as antigas,
ganhando procedência sobre estas, sem que nenhuma delas seja, porém,
abandonada.
Da repressão que se quis fora dos marcos legais,
verifique-se, a título de exemplo, que embora se tivesse buscado o apoio
policial para a violência contra o MST, as armas dos pistoleiros não foram
abandonadas. Nos Estados de Pernambuco e Pará, principalmente, ainda hoje grande
número de trabalhadores sem-terra caem vítimas das balas dos pistoleiros a
serviço do latifúndio.
No Estado de Pernambuco:
Em Junho de 1997 pistoleiros atacaram um acampamento de
trabalhadores sem terra, no Engenho Camarazal, ferindo cinco trabalhadores e
matando Pedro Augusto da Silva e Inácio José da Silva. O Estado Brasileiro foi
denunciado perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos por garantir
até hoje a impunidade dos criminosos, entre os quais são apontados policiais e
pistoleiros;
Em Agosto de 2006, dois dirigentes do MST em Pernambuco,
Josias Sales e Samuel Barbosa, foram assassinados por pistoleiros no município
de Moreno.
No dia 06 de julho deste ano (2009) os Sem Terra João Pereira da
Silva, de 39 anos, José Juarez Cesário da Silva, 21 anos, Natalício Gomes da
Silva, 36 anos, José Angelino Morais da Silva, 43 anos e Olímpio Cosmo Gonçalves
foram mortos por pistoleiros quando participavam da construção das casas no
Assentamento Chico Mendes, Agreste de Pernambuco. Além dos cinco mortos, um
outro trabalhador sem terra, Erionaldo José da Silva, ficou ferido.
Em Julho de 2000, José Marlúcio da Silva, 47, foi morto
com um tiro no peito disparado por policiais que reprimiram uma manifestação de
trabalhadores sem-terra em Recife. Também nesse caso o Estado vem cuidando de
garantir a impunidade dos matadores.
No Estado do Pará:
No dia 17 de abril de 1996, um destacamento da Polícia
Militar do Estado do Pará, sob o comando do Coronel Mário Colares Pantoja
assassinou 19 trabalhadores rurais sem terra que faziam uma marcha pela reforma
agrária, no que ficou conhecido como o Massacre de Eldorado de Carajás. O Poder
Judiciário do Pará garantiu a impunidade de todos os policiais envolvidos, com
exceção do Coronel Pantoja e do Capitão Raimundo José Almendra Lameira que,
embora condenados encontram-se ainda hoje em liberdade.
Em março de 1998, os trabalhadores rurais e dirigentes do
MST Onalício Araújo Barros e Valentim Serra, conhecidos como “Fusquinha” e
“Doutor”, foram assassinados, por pistoleiros que atuavam em parceria com
policiais militares. Depois de executarem uma operação de reintegração de posse,
junto com policiais militares, alguns deles participantes do Massacre de
Eldorado de Carajás, pistoleiros seqüestraram Onalício e Valentim e os
assassinaram, lançando os corpos na estrada. Até hoje o inquérito se encontra
paralisado, numa forma de exercício da garantia estatal da impunidade aos crimes
do latifúndio.
No dia 2 de fevereiro de 2005, pistoleiros e fazendeiros
assassinaram Irmã Dorothy Mae Stang em Anapu, no Pará. Três pistoleiros foram
condenados pelo crime, sendo que dois deles já se encontram em liberdade. Nenhum
dos fazendeiros foi condenado.
Não apenas no Pará e em Pernambuco, porém, segue o
exercício direto e através de policiais da violência contra a população
camponesa.
No sul do Brasil, no Paraná, são grandes empresas multinacionais
como a Syngenta que organizam a morte dos trabalhadores, o que levou a que
pistoleiros a serviço da empresa, agindo sob título de “empresa de segurança”,
no dia 22 de outubro de 2007, matassem o dirigente sem-terra Valmir Mota de
Oliveira, o Keno. Os pistoleiros da Syngenta estão sendo protegidos pelo Estado.
Os trabalhadores sem terra que reagiram ao crime estão sendo processados.
Em Minas Gerais, no dia 29 de outubro deste ano (2009), a
Freira Dominicana Geralda Magela da Fonseca, conhecida como “Irmã Geraldinha”,
foi ameaçada de morte por fazendeiros da região do Vale do Jequitinhonha,
pertencentes à família Cunha Peixoto, por apoiar as demandas do MST. As ameaças
a Irmã Geraldinha repetem aquelas feitas a Irmã Dorothy Stang antes de seu
assassinato e repetem outras que foram feitas contra trabalhadores sem terra
posteriormente vitimados no chamado
Massacre de Felisburgo.
Em 20 de novembro de 2004, 18 assassinos encapuzados,
coordenados pelo latifundiário Adriano Chafik, foram ao acampamento Terra
Prometida, em Felisburgo, região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais e
atiraram contra homens, mulheres e crianças. Cinco camponeses Sem Terra Iraguiar
Ferreira da Silva, Miguel José dos Santos, Francisco Nascimento Rocha, Juvenal
Jorge Silva e Joaquim José dos Santos foram mortos. Mais 13 pessoas, incluindo
crianças, foram baleadas e cem famílias foram desalojadas.
No Rio Grande do Sul, no dia 21 de agosto, a Brigada
Militar (polícia militar estadual) matou o trabalhador sem terra Elton Brum da
Silva durante a desocupação de uma área no município de São Gabriel. Embora
houvesse informações que o disparo fora realizado pelo comandante do 2º RPMon de
Livramento, Ten. Coronel Flávio da Silva Lopes, a Brigada Militar foi eficaz em
não deixar provas.
Da repressão que o suporte do latifúndio disse se
realizar dentro dos limites legais, quer a repressão policial, quer aquela de
que se incumbiram os agentes do Ministério Público e do Poder Judiciário das
comarcas do interior, fregueses de cama e mesa do latifúndio, foram se
frustrando ante uma advocacia popular que se foi organizando e estreitando laços
com as organizações camponesas, e encontrou formas técnicas de exercer seu
papel, derrotando passo a passo as fórmulas jurídicas que foram buscadas para
impedir o reconhecimento da legalidade da demanda pela reforma agrária.
O processo de criminalização dos movimentos sociais, nome
que, entre nós damos às ações de agentes estatais, como de políticos e da mídia,
visando a reprimir os movimentos sociais e seus militantes como criminosos ou
criar condições para que tal repressão se exerça, não cessou, porém, e nem tem
como cessar porque o que buscamos, de nosso lado, é o cumprimento das normas
constitucionais que determinam a realização da reforma agrária, enquanto buscam
os latifundiários e seus apoiadores impedir a realização do mandamento
constitucional.
Por esse motivo, mais recentemente, e principalmente a
partir do atual governo, as forças do latifúndio tem dirigido seus esforços
para, sem deixar de matar, prender e torturar trabalhadores sem terra, produzir
uma estigmatização do MST, que resulte num abandono por seus apoiadores e,
simultaneamente, a destruição de sua articulação.
O meio utilizado para isso tem sido a articulação dos
diversos elementos, promotores de justiça e magistrados vinculados ao
latifúndio, parlamentares e agentes contratados da mídia.
Em dezembro de 2003, primeiro ano do governo do
Presidente Lula, e com vistas também a atacar a atuação do governo e evitar o
cumprimento de seus compromissos de candidato com a reforma agrária, a bancada
ruralista no Senado e Câmara dos Deputados instalaram uma Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito declaradamente destinada a investigar as atividades do MST e
de organizações e pessoas que o apóiam.
Dois anos depois, em dezembro de 2005, o relatório final da
Comissão foi rejeitado por uma maioria de descontentes com o diagnóstico
aprofundado da situação agrária de nosso país e as diversas sugestões
apresentadas para que a Constituição brasileira fosse cumprida. Os dissidentes
apresentaram um relatório que, mais do que o próprio MST, buscou criminalizar
organizações da sociedade civil que apóiam a reforma agrária, chegando ao cúmulo
de pretender que as ocupações de terra fossem tipificadas como crime de
terrorismo, com o que terrorismo no Brasil seria identificado como ocupação de
terras, já que não existe, entre nós, esse tipo penal.
Já em 2006, a bancada ruralista no Senado, propõe a
instalação de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito, que foi instalada em
março de 2007 e ficou conhecida como CPI das ONGs, com o objetivo declarado de
pressionar as entidades que apóiam o MST.
Embora essa Comissão ainda esteja em funcionamento, uma
vez mais a bancada de defesa do latifúndio volta à carga neste mês de outubro,
propondo e logrando a instalação de uma terceira Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito, para pressionar o MST, as atividades de apoio a ele e o próprio
governo do Presidente Lula, acusando o MST de apropriar-se de recursos públicos,
através de entidades que estabelecem convênios com o governo.
É que em agosto deste ano o Presidente Lula assumiu o
compromisso de assinar o decreto de atualização dos índices de produtividade.
Estes índices são importantes para o cumprimento do dispositivo constitucional
que fala da reforma agrária, porque é com base neles que se avalia se uma
determinada propriedade cumpre o requisito do “aproveitamento racional e
adequado” sem o que não será atendida a exigência de observância da função
social da propriedade.
Os atuais índices foram fixados em 1980 e tiveram como base o
censo agropecuário de 1975. O estabelecimento de novos índices deverá levar em
conta a média de produtividade das microrregiões entre 1996 e 2007. Como os
latifundiários preferem deixar a terra improdutiva, para tê-la apenas como
reserva de valor ou de poder, muito mal cumprem os índices estabelecidos em
1980, o que torna o latifúndio, do ponto de vista constitucional, alvo de
desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.
Pretende a bancada do latifúndio, assim alcançar o triplo
objetivo de colar no MST a imagem de movimento de corruptos; estabelecer uma
fissura no apoio que a sociedade brasileira e muitos parceiros nacionais e
internacionais brindam às aspirações camponesa, e, finalmente, fazer o governo
recuar em seu intento de promover a atualização dos índices de produtividade das
propriedades rurais.
Essas medidas dos defensores políticos do latifúndio
contam sempre com a mais forte divulgação da mídia, eis que, no Brasil, a
maioria dos donos de jornais são também proprietários rurais ou partilham
interesses com eles.
Com essas atitudes não apenas se visa lograr o
enfraquecimento da demanda pela terra, como a destruição da própria articulação
dos camponeses sem terra brasileiros.
Que este é o objetivo da repressão ao MST vê-se da
atuação coordenada desses mesmos agentes políticos e da mídia.
No Estado do Rio Grande do Sul, ali mesmo onde a Brigada
Militar evoluiu do cerco, prisão e espancamento para o assassinato de
trabalhadores sem terra, o Poder Judiciário viola seguidamente o direito de
manifestação, ordenando à força policial que impeça marchas de trabalhadores.
Num episódio ocorrido no ano passado, o Ministério
Público do Estado do Rio Grande do Sul deixou vazar ata de reunião do Conselho
Superior em que diversos promotores se articulam para usar o poder estatal
contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, acoimando este de violar
a segurança nacional.
Em seguida a isso, o Ministério Público Federal propôs
ação penal contra oito trabalhadores sem terra, acusando-os de crime contra a
segurança nacional, processo que ainda está em curso, no mais claro caso de
criminalização de um movimento social:
“O MST é réu num processo político. (...) A denúncia
oferecida contra os oito militantes do MST na Justiça Federal na comarca de
Carazinho é base de uma ação política, porque os réus são, ali, acusados de
violação aos artigos 16; 17, caput; 20, caput e 23, I, da Lei de Segurança
Nacional”
... “De quatro dispositivos penais utilizados, o
primeiro criminaliza a pertinência a uma organização política; o segundo
criminaliza a ação dessa organização política; o quarto criminaliza a divulgação
de seu ideário, e o terceiro é aquele cujo objetivo é apenas o de intitular de
terrorista a associação política que se quer destruir.
No plano jurídico a
eleição da Lei de Segurança Nacional tem o condão de proibir o exercício da
ampla defesa, uma vez que obriga cada um dos réus a justificar todas as ações de
qualquer integrante da organização a que pertença, podendo - em tese - virem a
ser condenados no Rio Grande do Sul por algum ato que tenha sido praticado por
outro integrante da mesma associação - mesmo sem seu conhecimento - num remoto
vilarejo do Amazonas.
Mas, e é o que nos parece mais importante destacar,
sendo os réus acusados de pertinência a uma organização de que se diz ser
criminosa, é a própria organização que está, na verdade, sendo acusada -
criminalizada - sem que lhe seja dada a possibilidade de defender-se. Quanto aos
réus, são eles na verdade meros peões eleitos aleatoriamente, eis que qualquer
um dos milhares de integrantes do MST poderia ser igualmente adequado para
figurar na denúncia, já que ainda que pessoalmente nada se possa provar contra
eles, o simples fato de admitirem ou ser provada sua filiação já justificaria a
ojeriza do MPF no Rio Grande do Sul.
Tanto assim é que, admita-se a hipótese, ainda que
todos à exceção de um negassem sua adesão ao MST e esta não ficasse provada, o
fato de um único a admitir e por isso ser condenado, já implicaria a existência
de uma decisão judicial estabelecendo que teria ele participado de ‘associação,
partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a
mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o
emprego de grave ameaça’.
O que implicaria dizer que o MST seria uma tal
‘associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por
objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios
violentos ou com o emprego de grave ameaça’.
Resulta, assim, evidente que ademais de se estar
criminalizando o MST como entidade, como movimento social, está-se procedendo
judicialmente de modo a impedir que esse movimento se defenda nos autos do
processo, permitindo-se o MPF e a Justiça Federal eleger os oito cordeiros para
o sacrifício da democracia.”[4]
Essa mesma articulação que integra alguns promotores
de justiça com procuradores da república, trouxe à casa a imprensa latifundista
gaúcha e setores da magistratura, de modo que o Ministério Público ajuizou ações
civis pleiteando o despejo de acampamentos de trabalhadores, a imprensa fez a
defesa da medida e o judiciário a deferiu, liminarmente, o que constitui um
absoluto contra-senso, já que se os trabalhadores ganharem a ação, ao final, já
não haverá possibilidade de retomar os acampamentos. O que denuncia, por si só,
a intenção malvada por detrás da medida.
Essa mesma articulação integrou também o governo do
Estado do Rio Grande do Sul, pleiteando e obtendo o Ministério Público o
fechamento das escolas que atendiam as crianças acampadas e assentadas. Depois
do fechamento, que implicou deixar milhares de crianças sem acesso à educação, o
mesmo promotor responsável pela violação dos direitos humanos daqueles infantes
ameçou processar os pais que não matriculassem e conduzissem as crianças às
escolas distantes às vezes dezenas de quilômetros do local onde se encontram
acampados ou assentados.
RESUMO
Não arrefece, antes se sofistica, a repressão contra as
demandas camponesas.
Na atualidade, os inimigos da reforma agrária que a
Constituição Federal ordena seja feita articulam diversos tipos de ações
repressivas.
Exercitam a violência valendo-se do braço armado do latifúndio
no Pará e em Pernambuco, principalmente, mas também em Minas Gerais, com o rosto
do pistoleiro.
Permitem-se matar com o uniforme das empresas de seguranças
constituídas pelas multinacionais voltadas à produção de organismos
geneticamente modificados, no Paraná.
Juntam no mesmo ambiente os assassinos e torturadores com
a farda da Brigada Militar gaúcha, com os sofisticados meneios do Ministério
Público estadual e federal, a condescendência cúmplice do Poder Judiciário e o
assente cúmplice do Governo do Estado no Rio Grande do Sul.
Voltam-se a estigmatizar como corruptos o MST e seus
parceiros, visando ao rompimento desse suporte, pela palavra dos mais
descredenciados porta-vozes do latifúndio mais arcaico, através de sua
articulação no Parlamento e nos tribunais de contas.
Cada um desses elementos, cada um dos pedacinhos com que
se organiza esse grande quebra-cabeças que é a repressão aos movimentos sociais,
em particular ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Brasil voltado
para a manutenção do desrespeito à Constituição Federal, ao Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais e à manutenção da injustiçã nas
relações agrárias.
[1] A Constituição da República Federativa do
Brasil trata, no Capítulo III, da política agrícola e fundiária e da reforma
agrária. Ali se determina, no art. 184, que “Compete à União desapropriar por
interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja
cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da
dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo
de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização
será definida em lei.”
[2] O Art. 186 da Constituição Federal afirma que “A
função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,
segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes
requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância
das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que
favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
[3] O surgimento
do MST recupera a experiência das Ligas Camponesas, anteriores à ditadura
militar, de realizar ocupações massivas de terras violadoras da função social da
propriedade.
[4] FON FILHO, Aton; FIGUEREDO, Suzana Angélica Paim.
Estratégias de Criminalização Social, in Direitos Humanos no Brasil 2008. São
Paulo: Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, 2008.