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Pesquisa mostra que Rede Globo mascarou com estratégias técnicas realidade do movimento grevista da década de 70
Com o intuito de obter o grau de Mestre em História, em 1995, Sônia
Maria de Almeida Ignatiuk Wanderley apresentou à banca da Universidade
Federal Fluminense (UFF) a dissertação intitulada A Construção do
Silêncio: A Rede Globo nos Projetos de Controle Social e Cidadania
(1970 / 1980). Tendo por base a análise de diversas reportagens, a
autora procurou estabelecer um paralelo entre o nascimento da Rede
Globo de Televisão, com sua rápida ascensão à liderança da audiência, e
o “projeto de modernização conservadora e de integração nacional”
idealizado em plena ditadura militar.
Como analisar a questão do poder nas sociedades atuais sem levar em
consideração o chamado quarto poder? – interroga a autora, para em
seguida mostrar que a televisão foi o meio elegido pelas forças do
golpe de 1964 como o mais eficiente para “fazer chegar às massas o
modelo de sociedade e de cidadão baseado na modernização autoritária,
associado aos interesses do capitalismo internacional, construído a
partir de uma visão de integração nacional puramente geopolítica e
tendo no consumo sua base de sustentação”.
Sônia considera que, dentre todas as emissoras existentes na época,
a Rede Globo foi a escolhida para representar a euforia típica dos anos
70, em tempos de “milagre econômico”. Segundo ela, essa opção pode ser
facilmente justificada: “nascida da modernização autoritária, a
emissora foi a primeira a responder às especificidades de uma
verdadeira rede nacional, correspondendo às iniciativas
infra-estruturais oferecidas pelo Estado e atendendo ao projeto que os
governos militares propuseram para o país”.
Uma das principais preocupações da pesquisa, segundo o texto da
dissertação, foi escolher uma linguagem que melhor representasse seus
objetivos. Depois de muitas considerações, o jornalismo revelou-se a
melhor das opções. “Tanto do ponto de vista técnico quanto do conteúdo,
esta é a linguagem televisiva que mais capacidade possui de produzir
simulacros do real como se fossem realidade objetiva, na medida em que
a noticia é trabalhada como a representação da realidade, como se fosse
a construção da história do cotidiano”.
Para fundamentar a análise, foram utilizadas basicamente notícias
divulgadas pelo então recém criado Jornal Nacional. Sônia enfatiza no
texto que, em 1971, apenas dois anos depois de seu surgimento, o
telejornal transformou-se na principal fonte de informação de
expressiva parcela da população, criando e modificando hábitos,
atitudes e ideais de vida. “Deixava de ser um programa-sanduíche,
ganhava vida própria e uma audiência fiel que consolidou sua
importância econômica para a Rede Globo”. Com isso, segundo ela,
tornou-se uma reconhecida fonte de recursos publicitários, a maior que
a emissora possuía, momento em que a linguagem e os interesses
mercadológicos passaram a exercer uma poderosa influência nas redações.
“Por trás das notícias, encontramos determinantes econômico-políticas
que irão influenciar a emissão e também a recepção da informação”, diz.
A temática da dissertação recaiu sobre as reportagens veiculadas
pelo Jornal Nacional relativas às greves de trabalhadores, “pela sua
importância no cenário nacional a partir de 1978. Neste ano, abre-se um
ciclo de movimentos grevistas sem precedentes no Brasil, anunciando a
necessidade de mudanças, de modo que se vencesse a profunda crise
econômico-social na qual o país estava mergulhado”.
A autora explica que a possibilidade de radicalização dos
metalúrgicos e dos bóias-frias colocou esses dois grupos como alvos das
principais notícias. Ela analisou 194 reportagens sobre os movimentos
grevistas de metalúrgicos e 53 matérias sobre movimentos de
trabalhadores rurais, entre 1979 e 1989. Através dos dados levantados,
Sônia procura abordar claramente a posição da Rede Globo quanto aos
movimentos grevistas e a forma como seus desdobramentos foram
retratados, sobretudo por meio da televisão. De acordo com o texto do
trabalho, chegou à conclusão de que novos significados haviam sido
criados para as greves. “A Rede Globo utiliza todo seu aparato
técnico-discursivo para descaracterizar a greve como resultante de
conflitos sociais. Na verdade, precisa-se de uma versão que despolitize
os movimentos, respondendo, porém, ao crescente desejo da sociedade por
informações”.
Ela chama atenção ainda para o texto do noticiário, a princípio
assumidamente neutro, mas que viria imbuído de ideologia, alterando e
moldando o conteúdo a ser transmitido a milhões de pessoas. Por isso,
para muitos, devido à imagem que a Rede Globo almejava mostrar, as
greves não passavam de transtornos à ordem pré-estabelecida, à qual
todos estavam habituados. “A rua, a reunião pública e mesmo o sindicato
parecem espaços dos outros, nunca são valorizados pelas imagens. Quando
aparecem no telejornal, normalmente estão relacionados à desordem, à
rebeldia, ao perigo. Espaço onde não cabe o pacato cidadão comum,
aquele que assiste e tem a televisão como sua principal, senão única,
escola de cidadania”.
A dissertação é concluída ao mostrar que prevalece nas notícias não
o olhar do trabalhador sobre a greve, mas um olhar externo, construído
para melhor controlar as possibilidades do movimento. “Retira-se dele a
capacidade de múltiplas significações: tijolos de imagens e sons
construindo o silêncio”, afirma o texto.
Foi exatamente no período destacado por Sônia Maria de Almeida que
Antonio Brasil, professor do Departamento de Jornalismo da Faculdade de
Comunicação da Uerj, trabalhou na Rede Globo. Em entrevista à AGENC,
Brasil explicou que, enquanto esteve na emissora, de 1973 a 1980, a
questão da cobertura das greves era só mais uma das facetas da delicada
relação entre a empresa e os governantes da época.
“A cobertura era sempre tímida, limitada e extremamente seletiva. As
greves aconteciam, tinham que ser reportadas, mas os editores da Globo
não podiam ou não ‘queriam’ desagradar os militares e seus aliados
políticos”. O professor realça também que a objetividade, o equilíbrio
e a imparcialidade na cobertura de greves, assim como na cobertura de
tantos outros assuntos de interesse dos proprietários das empresas
jornalísticas nunca existiu.
Apesar de suas afirmações, Brasil acredita que “a Globo não é
necessariamente a pior, é somente a maior. Hoje, creio que melhorou
muito. Não se pode comparar com a cobertura durante a Ditadura. Mas
ainda é um assunto delicado”, diz.
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