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Governo e mídia
Por Mino Carta Publicado em 16/10/2009
Depois de definir como patifes os jornalistas que não trabalham para
ele e de processar os diários La Repubblica e L’Unità,
Silvio Berlusconi acaba de abrir fogo contra a imprensa estrangeira. Na
qual também figuramos, modestamente, pois costumamos falar do premier
italiano como caricatura ambulante. Claro está que Berlusconi se refere a
publicações bem mais ilustres: The Economist, Times,
Financial Times, New York Times, Wall Street
Journal, El País, e outras de alto porte.
Este
é apenas um capítulo de uma “questão midiática” que se alastra pelo mundo,
provocada por relações conflituosas entre governos e mídia. Barack Obama
nada tem a compartilhar com Berlusconi, mas não deixa de ter seu papel no
enredo, tanto mais de destaque por ser ele quem é. O presidente dos
Estados Unidos toma em relação à Fox News uma atitude inédita,
capaz de tornar-se exemplar aos olhos de outros governantes.
Agredido (o verbo cabe) diariamente pelo noticiário mais
reacionário do país, frequentemente com recurso a invencionices,
falsidades e mentiras, Obama anuncia sua decisão de passar a considerar a
Fox News como partido político igual à oposição republicana, o
que, na prática, implica portas fechadas para os profissionais da
emissora, mais um braço do poder de Rupert Murdoch. É hora do
espanto?
Os Estados Unidos orgulham-se de uma tradição
democrática antiga, garantida inclusive pela atuação de uma imprensa livre
como poucas. Não faltará quem passe a clamar, não somente em terra
americana, contra o assalto à liberdade de expressão. Por ora, surpreende
a falta de reação dos jornalões nativos. Obama é, porém,
Obama.
A drástica medida reveste-se, de todo modo, de uma
peculiaridade interessante. Ou inquietante? A depender de quem a encara.
Por exemplo, o presidente Lula, que como Obama não apresenta a mais pálida
semelhança com Berlusconi, teve a mídia nativa alinhada contra ele desde a
campanha eleitoral de 2002, salvo raras exceções.
Concentram-se a
seu desfavor editorialistas, colunistas, editores, repórteres. Exército a
serviço de um partido político, compacto no momento de desfechar
ofensivas. A arma empregada nem sempre foi a mera opinião, à qual cada um
tem direito. Pelo contrário, também no caso houve invencionices,
falsidades e mentiras. Sem falar das omissões e das interpretações
desprovidas de apoio na verdade factual.
Poderia o governo
Lula enxergar um exemplo válido no revide de Obama? Sabemos que o nosso
presidente jamais tomaria a decisão do colega americano, mesmo se
concordasse com ela entre o fígado e a alma. Quem sabe haja outros graúdos
globais dispostos a se comoverem. Diferente foi a saída do casal Kirchner.
Levaram o Parlamento argentino a aprovar uma lei pela qual se impede o
monopólio midiático por parte de quem quer que seja. Ninguém pode ser dono
de tudo.
Aqui o alvo flagrante é o grupo de El
Clarín, ferrenho opositor, e cujo monopólio é discutido há mais de 30
anos. O casal cuida dos seus interesses, está claro, mas a lei, similar a
outras em vigor em vários países do chamado Primeiro Mundo, é altamente
democrática. Inútil seria esperá-la do Congresso brasileiro,
desinteressado em uma democracia, digamos assim, ortodoxa. Mais cômoda a
democracia sem povo, ou, por outra, a do privilégio. Aí ficamos em
família.
Os jornalistas brasileiros teriam de se empenhar por
uma lei similar, garantia de um efetivo pluralismo, em proveito de sua
profissão e das suas chances de praticá-la em situação de verdadeira
liberdade. Ocorre ser este, no entanto, o país onde os profissionais
chamam o patrão de colega e o sindicato lhes fornece carteirinha. Não
conheço outro onde a mídia feche de um lado só, desde o instante que minha
memória alcança. Talvez Obama dissesse: eis aí um partido político. Mais
consistente, mais sólido, mais determinado, aliás, de quantos no Brasil se
apresentam como tais.
Algo me intriga e me sugere falar ainda
da Itália, um país que teria de envergonhar-se ao eleger
Berlusconi. O jornal Corriere della Sera revelou em
primeira mão as mais recentes aventuras donjuanescas do premier,
patrocinadas por um empresário corrupto. Furo de reportagem, como se diz
na linguagem das redações. O resto da mídia foi atrás e deu amplo
seguimento ao assunto.
Que aconteceria no Brasil? Sempre que
CartaCapital antecipou-se na divulgação de informações exclusivas
e relevantes contou com o silêncio imponente da margem oposta. Muitas
vezes, publicamos hoje o que o resto da mídia apresenta como novidade
meses e até anos depois. Esqueçamos, porém, as ofensas sofridas em quinze
anos de vida, acusados desde 2003 de governistas, porque, a despeito de
amiúde crítica do governo, CartaCapital empenhou-se em frequentar
a verdade factual.
Trato, tão somente, de aproveitar a
oportunidade para informar que, no momento oportuno, definiremos a nossa
escolha em relação ao pleito do ano próximo, como, de resto, se dá em
países democráticos dotados de uma imprensa livre, ainda que sujeita,
eventualmente, às pressões do poder. Enquanto isso, o resto da nossa mídia
fingirá, com a desfaçatez useira e sua inesgotável aposta no alheamento
popular, equilíbrio, isenção, equidistância.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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