Por Mauro Santayana
A terra é o mais grave problema de nossa história social, desde que os
reis de Portugal retalharam a geografia do país, com a concessão de
sesmarias aos fidalgos. Os pobres não tiveram acesso pleno e legal à
terra, a não ser nos 28 anos entre a independência – quando foi abolido
o regime das sesmarias – e 1850, quando os grandes proprietários
impuseram a Lei de Terras, pela qual as glebas devolutas só podiam ser
adquiridas do Estado a dinheiro.
A legislação atual vem sendo sabotada desde que foi aprovado o Estatuto
da Terra. É fácil condenar a violência cometida, em episódios isolados,
e alguns muito suspeitos, pelos militantes do MST. Difícil tem sido a
punição dos que matam seus pequenos líderes e os que os defendem. Nos
últimos anos, segundo o MST, mais de 1.600 trabalhadores rurais foram
assassinados e apenas 80 mandantes e executores chegaram aos tribunais.
Em lugar de uma CPI para investigar as atividades daquele movimento,
seria melhor para a sociedade nacional que se discutisse, a fundo, a
questão agrária no Brasil.
O Censo de 2006, citado pelo MST, revela que 15 mil proprietários detêm
98 milhões de hectares, e 1% deles controla 46% das terras cultiváveis.
Muitas dessas glebas foram griladas. Temos um caso atualíssimo, o do
Pontal do Paranapanema, onde terras da União estão ocupadas ilegalmente
por uma das maiores empresas cultivadoras de cítricos do Brasil. O
Incra está em luta, na Justiça, a fim de recuperar a sua posse. O que
ocorre ali, ocorre em todo o país, com a cumplicidade, remunerada pelo
suborno, de tabeliães e de políticos.
Cinco séculos antes de Cristo, os legisladores já se preocupavam com a
questão social e sua relação com a posse da terra. É conhecida a
reforma empreendida por Sólon, o grande legislador, na Grécia, que, com
firmeza, mandou quebrar os horoi, ou marcas delimitadoras das glebas
dos oligarcas. Mais ou menos na mesma época, em 486, a.C., Spurio
Cássio, um nobre romano, fez aprovar sua lei agrária, que mandava medir
as glebas de domínio público e separar parte para o Tesouro do Estado e
parte para ser distribuída aos pobres. Imediatamente os nobres se
sublevaram como um só homem, e até mesmo os plebeus enriquecidos (ou
seja a alienada classe média daquele tempo) a eles se somaram. Spurio
Cássio, como conta Theodor Mommsen em sua História de Roma, foi levado
à morte. “A sua lei foi sepultada com ele, mas o seu espectro, a partir
de então, arrostava incessantemente a memória dos ricos, e, sem
descanso, surgia contra eles, até que, pela continuada luta, a
República se desfez” – conclui Mommsen. E com razão: a última e mais
completa lei agrária romana foi a dos irmãos Graco, Tibério e Caio,
ambos mortos pelos aristocratas descontentes com sua ação em favor dos
pobres. Assim, a República se foi dissolvendo nas guerras sociais, até
que Augusto a liquidou, ao se fazer imperador, e seus sucessores
conduziram a decadência da grande experiência histórica.
Não há democracia sem que haja reforma agrária. A posse familiar da
terra – e da casa, na situação urbana – é o primeiro ato de cidadania,
ou seja, de soberania. Essa posse vincula o homem e sua família à
terra, à natureza e à vida. Sem lar, sem uma parcela de terra na qual
seja relativamente senhor, o homem é desgarrado, nômade sem lugar nas
sociedades sedentárias.
É impossível ao MST estabelecer critérios rígidos de ação, tendo em
vista a diversidade regional e a situação de luta, caso a caso. Outro
ponto fraco é a natural permeabilidade aos agentes provocadores e
infiltrados da repressão particular, ou da polícia submetida ao poder
econômico local. No caso do Pontal do Paranapanema são muitas as
suspeitas de que tenham agido provocadores. É improvável que os
invasores tenham chamado a imprensa a fim de documentar a derrubada das
laranjeiras – sabendo-se que isso colocaria a opinião pública contra o
movimento. Repete-se, de certa forma, o que houve, há meses, no Pará,
em uma propriedade do banqueiro Daniel Dantas.
É necessária a criação de força-tarefa, composta de membros do
Ministério Público e agentes da Polícia Federal que promova, em todo o
país, devassa nos cartórios e anule escrituras fraudulentas. No
Maranhão, quiseram vender à Vale do Rio Doce (então estatal), extensas
glebas. A escritura estava registrada em 1890, em livro redigido e
assinado com caneta esferográfica – inventada depois de 1940.