Entrevistas
‘Propomos uma comissão que investigue a verdade’, diz Stédile
Por Folha de S.Paulo Publicada em 12/10/2009
O integrante da coordenação nacional do MST, João Pedro Stedile, desmente as acusações de vandalismo na área da Cutrale, denuncia as consequências da exploração da empresa sobre os agricultores e cobra a apuração dos fatos. "As famílias acampadas nos disseram que não roubaram nada, não depredaram nada. Depois da saída das familías, e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens que impactaram a população. Propomos a constituição urgente de uma comissão independente que investigue a verdade", afirmou. João Pedro também ressalta as diferenças entre o modelo de produção do agronegócio e da pequena agricultura: enquanto 98% do suco de laranja do país é exportado, o MST reitera seu compromisso com a produção de alimentos que cheguem à mesa do povo brasileiro. Leia a entrevista completa em nossa página.
FOLHA - Independentemente da situação da propriedade [o Incra diz que
está ocupada de forma irregular, o que é negado pela empresa], a ação chama a
atenção pela destruição deliberada de alimentos. Foi um erro destruir aqueles
pés de laranja? JOÃO PEDRO STEDILE - O fato de a área ser grilada,
confirmado pelo Incra, não é algo secundário. Esse é o fato. Um dos princípios
que o MST respeita é a autonomia das famílias de nossa base. A distância, a
população pode achar que derrubar pés de laranja foi uma atitude desnecessária.
A direita, por meio do serviço de inteligência da PM, soube utilizar [as
imagens] contra a reforma agrária, se articulando com emissoras de TV para
usá-las insistentemente. Nunca essas emissoras denunciaram a grilagem nem a
superexploração que a Cutrale impõe aos agricultores.
FOLHA - Ao destruir alimentos, o MST não teme perder o apoio das
camadas mais pobres da população, como das 12 milhões de famílias que dependem
do Bolsa Família para comprar sua própria comida? STEDILE - Cerca de
98% da produção de suco no pais é exportada. Esse suco não vai para a mesa dos
pobres, com ou sem Bolsa Família. Já o nosso modelo para a agricultura
brasileira quer assegurar produção de alimentos, a geração de emprego e renda no
meio rural. Queremos produzir comida e, inclusive, suco de laranja para chegar à
mesa de todo o povo brasileiro. Não para o mercado externo. Mesmo assim, a área
de exploração da laranja [no país] diminuiu em 400 mil hectares nesses dez anos,
pela exploração que a Cutrale impõe aos agricultores.
FOLHA - O presidente Lula chamou a ação de "vandalismo". O MST ainda o
enxerga como aliado? STEDILE - Nós também condenamos o vandalismo.
Usar 713 milhões de litros de venenos agrícolas por ano, que degradam o meio
ambiente, também é vandalismo. Nesse caso, o presidente está mal informado, pois
as famílias acampadas nos disseram que não roubaram, não depredaram nada. Depois
da saída deles e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para
produzir imagens de impacto. Propomos que uma comissão independente investigue a
verdade.
FOLHA - É correto hoje dizer que a conjuntura nacional, principalmente
de estabilidade econômica e de assistência oficial aos pobres do país, é
desfavorável ao MST? STEDILE - Os dados do censo [agropecuário]
revelam que menos de 15 mil latifundiários são donos de mais de 98 milhões de
hectares. A renda média dos assalariados do campo é menor que um salário mínimo.
Diante disso, reafirmamos que é fundamental democratizar a propriedade da terra,
como manda a Constituição, e mudar o modelo agrícola, para priorizar a produção
de alimentos sadios para o mercado interno. Quem acha que a reforma agrária não
é necessária está completamente alheio aos problemas e aos interesses do povo.
FOLHA - Essa conjuntura deixa o MST sem foco? STEDILE - Ao
contrário. Nunca foram tão necessárias essas mudanças. Bancos e empresas
transnacionais controlam a agricultura. E, quando ocupamos uma terra para
pressionar a aplicação da reforma agrária, enfrentamos todo esses interesses. O
Brasil precisa de um projeto que combata as causas da desigualdade social e
garanta o acesso a terra, educação, moradia e saúde a todos, e não apenas a uma
minoria.
FOLHA - Algum nome para as eleições de 2010 anima o movimento?
STEDILE - O MST preserva sua autonomia. Nossos militantes participam
das eleições como qualquer cidadão. Infelizmente, cada vez que chega o período
eleitoral, a direita se assanha para enquadrar as candidaturas contra o MST e a
reforma agrária. Esse pedido de CPI tem apenas motivação eleitoral. O [deputado
Ronaldo] Caiado [líder do DEM na Câmara] confessou que o objetivo da CPI é
provar que o governo repassa dinheiro para o MST fazer campanha para a Dilma
[Rousseff], o que é ridículo.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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