[Por Sheila Jacob] Estreou no Festival do Rio
o documentário Dançando com o Diabo,
dirigido pelo cineasta sul-africano Jon Blair e co-produzido pelo jornalista
inglês Tom Phillips, correspondente do The Guardian. A maioria das imagens
foram feitas no Complexo da Coréia, Zona Oeste do Rio de Janeiro, com foco em
três personagens: Leonardo Trovão, inspetor da polícia civil; Juarez “Aranha”,
traficante da Coréia (Zona Oeste do Rio); e o pastor Dione dos Santos. O filme
dá a oportunidade de cada um contar sua versão dos fatos, possibilitando, assim,
seu reconhecimento como seres humanos – ao contrário do que normalmente a mídia
comercial faz, ao transformar a violência em espetáculo e ao criminalizar as
favelas e a população que lá vive.
A música que abre e encerra
o filme denuncia a situação de precariedade em que vivem muitas crianças no Rio,
e no Brasil como um todo. No início alguns dados nos são apresentados: sabemos
que existem mais de 600 favelas no Rio, controladas ou pelo tráfico ou pela
milícia. Também sabemos que a polícia mata mais de mil pessoas por ano. Logo se
percebe, então, que não se defende nem um lado nem o outro, mostrando que são
igualmente vítimas do sistema de desigualdade que impera no Brasil. “Todos temos
o sonho de ser felizes”, diz Aranha, um dos chefes do tráfico mais procurados
pela polícia carioca, assassinado pela polícia em março deste ano. Os
traficantes dizem querer suprir a ausência do Estado na comunidade, e respondem
com seus tiros à violência dos policiais. Estes, por seu lado, falam que têm a
intenção de apoiar a população que vive “sob a ditadura do tráfico” nas favelas;
e, por fim, os pastores, que querem tirar as pessoas do mau caminho e levar a
paz a cada um. “Aqui ou eu danço com o diabo, ou eu caminho com Deus”, diz o
pastor Dione, frase que deu o mote para o título do longa.
As cenas são impactantes.
Mostra-se a violência empreendida tanto pelo tráfico contra quem falsifica a
droga com pó royal quanto a dos policiais que, ao invadir as favelas,
interrompem o cotidiano de moradores, privando-os de seu direito de ir e vir.
Veem-se crianças com olhos arregalados de susto; senhoras fazendo compras no
açougue; jovens chegando da escola ou então jogando bola em um campo de futebol.
Os troncos atravessados na rua constituem-se em barreira para impedir a entrada
do BOPE na favela. “Existem pessoas morrendo nas filas de hospital, enquanto o
Estado investe em armas, em blindados... Está tudo errado”, observa
Aranha.
Outro traficante que presta
depoimento é Tola. Apesar do cordão de ouro e do relógio caríssimo que tem no
pulso, admite não ser feliz. “Estou enjoado dessa vida. Na minha comunidade sou
eu que dou as coisas, enquanto o Governo não faz nada por ninguém. De que
adianta tudo que tenho, se não há paz? Isso não é vida”. Ao mesmo tempo,
mostra-se a emoção de policiais civis, como o delegado Hélio Luz, que enxerga
que essa briga só serve para manter o sistema; ou então o filho de um policial,
que, apesar de ter orgulho do trabalho do pai, diz ter medo que ele leve um tiro
ou então mate um inocente.
O diretor Jon Blair disse,
em entrevista ao BoletimNPC, que uma das cenas mais
emocionantes é o depoimento de Maria de Lourdes da Silva, mãe de Aranha. Ela diz
não ter mais lágrimas por ter chorado muito pela vida do filho, que pegou em
arma pela primeira vez aos dez anos. No final, as cenas dos enterros de um
policial e de um traficante são uma dica de que ninguém lucra dançando com o
diabo. Nem policiais, nem traficantes.
Leia em nossa página a entrevista com o cineasta Jon Blair e com o jornalista Tom Phillips, co-produtor do filme.