Menu NPC
 
 Conheça o NPC
 Quem somos
 O que queremos
 O que fazemos
 Equipe
 Fotos do NPC
 Fale conosco
 Serviços do NPC
 Cursos
 Palestras
 Agenda
 Clipping Alternativo
 Publicações
 Livros
 Cartilhas
 Apostilas
 Agendas Anuais
 Nossos Jornais
 Dicas do NPC
 Dicionário de Politiquês
 Leituras
 Documentos
 Músicas
 Links
 
 
Memria - Outras Memrias
Hidelgard Angel: Feridas que não se curam voltam a sangrar

Por Hidelgard Angel
 - irmã de Stuart Angel, "desaparecido" em junho de 1971; cunhada de Sônia Maria Angel, "desaparecida" em novembro de 1973; filha de Zuzu Angel, assassinada em abril de 1976)

Pressionado pela opinião pública e movimentos sociais, o regime militar sancionou, em 28 de agosto de 1979, a Lei da Anistia, embora não fosse aquela que todos clamavam: ampla, geral e irrestrita.

É para lembrar de seus jovens estudantes e professores mortos e desaparecidos, que lutaram pelo retorno da democracia, que a Universidade Federal do Rio de Janeiro, através do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos, presta uma sentida, comovente e necessária homenagem a eles, neste 30º ano da Lei da Anistia, na manhã chuvosa daquela quarta-feira.

Eu sei que cabe a mim sentar à mesa principal, representando os familiares de nossos mártires, mas não imagino que irei falar. É de improviso, então, que enfrento o microfone, lembrando da carta a mim escrita pelo historiador Hélio Silva, nos idos dos anos 70, referindo-se às cruzes pesadas que eu, irmã, filha e cunhada de mortos pelo regime, carregava. E falo da honra sofrida de estar ali representando tantas outras cruzes, de tantas famílias. Lembro que, quando criança e, mesmo, depois, quando adolescente, nunca me ensinaram na escola que houve torturas terríveis nos cárceres da ditadura de Vargas, fato histórico ignorado pelos livros.

E as feridas que não se curam sempre voltam a sangrar. "O país que sepulta os erros do passado tem grande chance de cometê-los de novo". A frase não é minha, é do irmão do desaparecido Kleber Lemos da Silva, ao receber a placa dedicada a ele, um dos mortos homenageados.

Esta também é a tônica do discurso do ministro Paulo Vannuchi, dos Direitos Humanos. Enfatizando que o Brasil está em pleno combate pelo direito à verdade e à memória — o que em vezes anteriores não logramos êxito — o ministro recapitula fatos passados, desde o genocídio indígena, no nascimento do Estado brasileiro, que não é ensinado nos livros escolares, em que, ao contrário, glorificam os bandeirantes. O reitor Aloisio Teixeira fala que os negros não foram sacrificados porque houve guerra entre europeus e africanos, foram dizimados por causas econômicas, como foram os índios e como foram e são, a cada dia, trabalhadores e camponeses. Na dissertação de Vannuchi, sempre insistindo no direito à verdade e à memória, ele cita a Revolta da Chibata, tão bem cantada em música de Blanc e Bosco, e passa também pelos porões do Estado Novo.

Um discurso emocional, de quem viveu de tão perto aqueles episódios, na militância estudantil, é o do ministro Juca Ferreira. Ele lembra um dos companheiros mortos, José Roberto. A mão do microfone treme, a voz embarga, os olhos molham, Juca silencia, faz uma pausa e prossegue no exercício triste de contabilizar perdas. Revela que, movidos por seus ideais, eles eram muito livres —"era como se para nós a Ditadura não existisse!" — sabiam o risco que corriam e, exatamente por isso, colocavam, a vida a essa disposição. E clama: "O termo desaparecido tem que desaparecer, temos que trabalhar pela consolidação democrática!".

Mas a luta continua, como bem insiste Vannuchi, para quem "os adversários são muitos, os adversários não são fracos". E o que querem os adversários? Que os arquivos da Ditadura, escurecidos e manchados pelo sangue coagulado por mais de três décadas, não sejam jamais abertos e revelados. Querem o silêncio. Desprezam o direito à verdade e à memória. Que lhes toque o coração o depoimento da mãe de Frederico Mayr, única mãe presente — as outras já morreram ou não se locomovem mais : “Eu me considero uma felizarda por depois de 20 anos ter recebido o corpo de meu filho e dar um enterro digno a ele". Bem como o desabafo do irmão de Flávio Molina: "Só 34 anos depois, Flávio foi enterrado. Se tivéssemos esses ”arquivos ocultos“, não precisaríamos ter vivido tantos anos de angústia, não precisaríamos esperar tanto". A mãe de Flávio morreu um ano antes de o corpo de seu filho ser encontrado e devolvido à família...

A presidente do Chile, Michelet Bachelet, médica, certa vez lembrou que só as feridas lavadas cicatrizam. Mas nossos grandes jornais fazem editoriais atentando para a "inoportunidade" de se reabrir essa ferida brasileira. Que lástima! Que qualidade de brasileiros! Enquanto o governo brasileiro não tiver coragem, essa história não será contada, esses arquivos não serão abertos, essa ferida não será ungida, a História se repetirá...


Núcleo Piratininga de ComunicaçãoVoltar Topo Imprimir Imprimir
 
 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge