Entrevistas
Professor Dennis de Oliveira fala sobre livro que trata da violência da mídia
Por Camila Souza Ramos Revista Fórum
A
violência decorrente dos padrões de ser humano impostos pela mídia que
representa os interesses hegemônicos é tema de uma coletânea de artigos
que foi reunida no livro “Mídia, cultura e Violência - Leituras do Real
e da Representação na Sociedade Midiatizada”, do Centro
Latino-Americano de Comunicação e Cultura (Celacc) da ECA/USP. O livro
partiu de discussões em torno dos impactos do filme “Tropa de Elite” e
acabou reunindo análises interdisciplinares sobre a violência
potencializada pela mídia. O professor Dennis de Oliveira,
coordenador do centro de estudos e organizador do livro, conta que os
textos, além de despertarem o leitor para uma visão crítica da mídia,
também pretendem apontar para “a ideia de que somente com uma ação
social coletiva é possível modificá-la”.
“Tomamos alguns
referenciais, como Foucault, Marx, a Teoria Crítica, Gramsci. São
autores que a gente acha que estão ficando meio em desuso na academia,
mas são importantes para a gente resgatar a discussão que falta na
academia, principalmente nos cursos de Jornalismo e Comunicação”,
critica Dennis. Para o professor, a visão tecnicista e
acrítica cada vez dominam mais a formação dos profissionais em
comunicação e fazem com que o recém-formado reproduza a lógica violenta
da mídia hegemônica por uma postura “cético-cínica, e não
transformadora”. Em entrevista, Dennis ainda defende
o controle social sobre as mídias audiovisuais como forma de trazer a
público a questão da produção da lógica da violência pelos canais de
comunicação de massa. Leia abaixo a entrevista na íntegra. Revista Fórum: Como você define o termo “violência midiática”? Dennis:
A gente associa o termo violência à agressão física. A discussão da
violência midiática parte do pressuposto de que a violência física que
acontece no cotidiano é produto da violência simbólica, e a violência
midiática é um dos elementos dela. A palavra violência significa
destruir o outro, negar a existência do outro. Na medida em que a mídia
parte do pressuposto de que você tem determinadas concepções de ser
humano que são aceitáveis e outras não, entendo isso como uma violência
midiática. Porque ela transmite para a sociedade que existe uma
concepção de ser humano que é adequada e outras que ou se submetem a
uma situação de subalternidade, ou tem que ser destruídas. No meu texto
eu cito o caso da agressão dos meninos da Barra da Tijuca que agrediram
uma empregada doméstica e argumentaram que fizeram aquilo porque
acharam que ela era prostituta. Primeiro que o ato em si parte do
pressuposto da legitimidade de negar a alteridade. Meninos de classe
média vêem uma mulher negra, que não tem o biotipo de quem trabalha no
bairro, então ela só pode ser destruída. Quando você vê o que a mídia
passa, é a ideia de um padrão de tipo humano, que vai educando cada vez
mais as pessoas de que a concepção de ser humano é só isso. Nas classes
hegemônicas, acabam tendo comportamentos como esse caso da agressão, e
nas classes subalternas, na busca desesperada por ter aquele tipo
ideal, ou se tem uma violência para expressar o descontentamento, ou
para ter acesso a bens de consumo que o aproximariam a esse tipo. Tanto
essa violência fortuita das classes hegemônicas quanto a violência das
periferias é produto da mídia ao eleger um tipo de humano e negar o
outro. A violência também acontece quanto se nega a
possibilidade de negociação. Nas narrativas, sempre tem a história do
herói que vai derrotar o vilão. O problema disso é que um vence e outro
perde, não há uma mediação possível. Então aquele que tem as qualidades
do tipo ideal que a mídia coloca se acha no direito de fazer de tudo
para derrotar o outro. Esses elementos compõem a violência midiática. Revista Fórum: Essa violência midiática é algo intrínseco à mídia ou seu domínio pelo capital é que a torna violenta? Dennis:
Como a mídia tem uma estrutura comercial, o interesse dela é vender. O
tipo físico que ela passa não tem intenção de provocar a violência. Ela
tem o objetivo de eleger esses tipos físicos por interesses
mercadológicos, porque é com esse perfil que você cria um tipo de
consumidor desejável. Como os meios de comunicação vivem da propaganda,
eles precisam fortalecer o ideário consumista e do consumidor de classe
média, média alta. Assim, a mídia se sente totalmente descompromissada
com a questão da violência. Qualquer dirigente de empresa de
comunicação vai dizer que é tratam-se de negócios e, por isso, tem o
direito de ter suas estratégias comerciais que achar adequadas. Por
isso há uma resistência muito grande por parte da mídia a qualquer meio
de regulamentação, como se isso fosse censura. O problema é
que a gente tem que mudar o enfoque disso. A mídia é um espaço público,
as referências que nós temos para o debate público vêm dela. Além
disso, a TV e o rádio são concessões públicas. Apesar de serem empresas
privadas, estão usando o espaço eletromagnético, que é público. A
sociedade tem que ter o direito de construir mecanismos regulatórios
que tentem colocar a mídia numa perspectiva educativa, numa perspectiva
pública, social, e não simplesmente mercadológica. Há uma dificuldade
muito grande de fazer essa discussão. A monopolização que se
intensificou no mundo todo criou um poder corporativo que impede
qualquer tipo de ação e debate público. Há uma lógica mercantil que
atrapalha, e há uma lógica de monopolização que intensifica esse poder
corporativo. Revista Fórum: O que é pior: ter um
monopólio que domina a mídia, ou uma livre-concorrência que privilegia
os interesses comerciais? Dennis: O monopólio é uma
tendência do capitalismo. Hoje seis grupos dominam a mídia no mundo. Em
função dessas tecnologias novas de comunicação, as redes e com a
convergência tecnológica, há um crescimento do monopólio, cada grupo se
associando a outros. Não existe uma concorrência pura e simples. O
problema do monopólio é que se cria um poder não eleito que se sobrepõe
aos outros poderes. Os grupos midiáticos na Venezuela acharam que tinha
poder para derrubar um presidente eleito, como a Globo aqui achou que
podia intervir na eleição. Não que seja melhor a concorrência, mas o
monopólio é um risco à democracia. Nem falo de uma democracia popular,
falo de uma democracia liberal, mesmo. Não tem como ter uma democracia
liberal dessa forma. Revista Fórum: A criação de
mecanismos de controle público da mídia seria suficiente para resolver
a questão da violência midiática? Dennis: Não foi a
mídia que criou a violência, esse é um problema social. A mídia
intensifica. O que queremos pensar é que a mídia pode ter um papel de
contraponto a isso. Tem um valor hegemônico, que é o da violência, e a
idéia é que a mídia não seja somente um instrumento de intensificar
valores instituídos, mas que faça discussão. O controle público é
importante porque traz essa discussão pro campo público, não é mais uma
questão mercadológica. Revista Fórum: No caso da
internet, que tem abertura para tudo, como fica a questão da violência,
já que eu posso negar o outro e o outro também pode me negar? É preciso
controle? Dennis: A internet é um campo muito dúbio,
porque tem a possibilidade de você construir alternativas. Como é uma
mídia barata do ponto de vista da produção e circulação, surgiram
vários sites, blogs alternativos, não tem fronteiras. Quando teve a
questão dos dólares e do dossiê do Serra em 2006, a repercussão da
posição da Globo foi tão grande na internet que até o Ali Kamel teve
que sair a campo para defender a Globo, algo que nunca aconteceu. A
internet permite que qualquer cidadão possa construir um espaço público
de expressar sua voz. Mas lá tudo cabe, e pode servir para disseminar a
violência. De qualquer forma, acho que como a internet permite essa
alternativa, prefiro que por enquanto ela fique sem regulamentação. Tem
a questão da violência sendo disseminada, mas tem como reagir contra
isso. Ao contrário da televisão, que não tem como reagir, já que são
concessões do governo. Revista Fórum: A mídia na América Latina é mais violenta que em outras partes do mundo? Dennis:
Na América Latina, fora do Brasil, tem um monopólio muito maior da
mídia. Essa situação de monopólio mais intenso favorece atitudes mais
agressivas. A atitude das TVs na Venezuela, por exemplo, é lamentável.
As manipulações que acontecem lá, como no golpe contra o Chávez que
aparecem no filme “A Revolução Não Será Televisionada” e as ofensas
diretas contra ele não foram discutidas aqui no Brasil. Foi discutido
quando o Chávez não renovou concessão à Globovision. Mas a ação dessas
mídias lá, que foi uma ação anti-democrática, golpista e ilegal, não
teve repercussão no Brasil. Se por um lado a mídia brasileira não tem
essa postura tão agressiva quanto a mídia latino-americana, por outro
ela tem uma simpatia. O governo de Santa Cruz de La Sierra afirmou que
não aceitava ser governada por “esse índio e negro, Evo Morales”, e
isso saiu em capa de jornal, mas nenhum jornal colocou que aquilo era
um absurdo. Agora quando o Morales fala em mídia estatal, a mídia
comercial fala que é um atentado à liberdade de imprensa e à
democracia. Aqui no Brasil a realidade não favorece a agressividade.
Por ter uma situação complexa de poderes, monopólio e interesses
regionais particulares que mitigam isso, a ação é mais sutil. Em países
menores, em que poucos grupos controlam toda a mídia, a situação é mais
agressiva. Revista Fórum: A mídia dá respostas para essa violência? Dennis:
Nós vivemos uma crise na sociedade, porque é uma sociedade que a
cultura hegemônica na tem respostas pras questões da humanidade. Não
tem respostas pra questão ambiental, pra questão da miserabilidade.
Hoje a sustentabilidade está assentada na concentração de renda, porque
é um sistema que estimula o consumo, mas se todos consumir o que
querem, tudo será destruído. Não tem como todo mundo consumir o padrão
de consumo que se vende. A miserabilidade é a base de sustentação do
sistema. A resposta que se apresenta a curto prazo é a violência, a
destruição do outro. Resolve-se o problema da pobreza matando pobre. O
capitalismo chegou num ponto em que sua produtividade é garantida com o
emprego pequeno de mão-de-obra por causa das tecnologias. Então tem uma
grande parte de homens e mulheres que estão descartáveis, não tem
necessidade para produzir e não tem como consumir. A solução que se
coloca é o extermínio, porque o miserável hoje é um incômodo. O sistema
não pensa em democratizar o acesso a oportunidades, que coloca a
ideologia do sucesso como referência básica. Como a mídia é produto
desse sistema liberal, ela também não tem resposta pra isso. Só se
resolvem os dilemas de hoje com uma radical distribuição de riquezas,
que significa que tem que tirar de quem tem. Isso não será discutido.
Tem um sistema aí que não responde aos problemas da humanidade, e ao
mesmo tempo não conseguimos construir uma alternativa.
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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