Memria - Outras Memrias
Adeus à Mercedes Sosa, a Pachamama cantora
Por Carlos Pronzato
Tinha que ser um domingo, quando tudo parece
se deter e por algumas horas o mundo fica mais reconcentrado no que realmente
importa: os afetos, os que estão e os que se já se foram. E em um domingo se foi a
voz da América Latina, a voz que sustentou punhos em alto, que acompanhou
levantes, que impulsionou esperanças, que balançou as faixas nas passeatas, que
empunhou as armas da libertação deste continente dolorido. “ La Negra Sosa
”, como era carinhosamente conhecida, foi muito mais do que uma cantora
única, com um timbre de voz inconfundível e uma interpretação que a elevava a
co-autoria das músicas que apresentava mundo afora. Foi o ícone, a assinatura
melodiosa de uma época que, sem a sua voz, perderia muito do seu significado
histórico/político. Sabemos que o Che Guevara carregava na mochila nos seus
últimos dias na Bolívia, um exemplar do Canto General de Pablo Neruda.
Sabemos de estudantes, operários, e intelectuais que iam para as lutas ou para
os calientes debates dos anos 60, 70 e 80 munidos dos seus livros “de
combate” e as suas músicas de vanguarda revolucionária. Pois bem, a voz de
Mercedes Sosa acompanhou, como um espírito constante e eficaz, como um anjo da
guarda mestiço, uma Virgem dolorosa do sul, uma mãe dos humildes, uma necessária
Pachamama cantora, cada momento, cada caída e cada alegria nessa
persistente luta pelos direitos humanos, impulsionando sempre a História através
do seu canto de outra dimensão que quando tomava o microfone baixava à terra
para fazermos sentir que éramos algo mais que simples homens, motores da máquina
capitalista. O prodígio da sua voz, e seu escolhido repertório do melhor que o
continente produziu em termos de composições que afundaram suas raízes na terra
americana, continuará ressoando em cada recanto do mundo e especialmente, nesta
nossa Abya Yala, do Atlântico ao Pacífico, do rio Bravo à Terra do Fogo,
até o fim dos tempos, porque essa voz, esse som do âmbito do inexplicável, só
pode vir de algum lugar de onde agora Mercedes Sosa, continuará cantando assim:
“Tantas vezes me mataron, tantas me morí, sin embargo estoy aqui,
resucitando...”.
Carlos Pronzato é poeta e
cineasta/documentarista: www.lamestizaaudiovisual.blogspot.com
Núcleo
Piratininga
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