Direitos Humanos
A luta pela terra continua na Baixada Fluminense
Por Gustavo Mehl Justiça Global
Do
alto de um pequeno monte no município de Paracambi, na Baixada
Fluminense, é possível avistar um extenso pedaço de terra sem
plantação, animal ou vegetação nativa. São muitos quilômetros quadrados
de mato. Entre os morros comidos pela erosão, um bambuzal se destaca.
Dali, no dia 16 de agosto, integrantes do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) retiraram a matéria-prima para levantar o
acampamento Marli Pereira da Silva. Logo começaram a surgir as
primeiras mudas, plantadas pelas cerca de 150 famílias de trabalhadores
rurais acampadas. Mas na quinta-feira, 17 de setembro, a pequena lavoura teve que ser
abandonada. Representantes do proprietário da fazenda Rio Novo chegaram ao local
acompanhados de policiais e de oficiais de justiça que traziam uma ordem de
reintegração de posse expedida pela juíza Regina Coeli Formisano, da 6ª Vara
Federal.
A negociação para a desocupação da área começou
por volta de 7h30. A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do
Rio de Janeiro (ALERJ) intermediou as conversas. Não foi aceita a proposta dos trabalhadores, que
tentaram negociar um prazo para a saída. "Não tínhamos para onde ir e pedimos
uma semana para encontrar um lugar que garantisse as mínimas condições aos
idosos e às crianças. Mas os representantes do proprietário foram
intransigentes", disse Elisangela Carvalho, integrante do MST e coordenadora do
acampamento.
A Fazenda Rio Novo tem mais de 696,6 hectares, o
que equivale a cerca de 700 campos de futebol com dimensão oficial. Em 2007, o
Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) vistoriou a área e atestou
que a terra era improdutiva. O laudo expedido após a vistoria foi o que
incentivou os trabalhadores a ocuparem a terra como forma de pressionar o
Governo Federal e a Justiça para a desapropriação da fazenda. Durante a
negociação do despejo desta quinta-feira, o advogado do proprietário insistiu
que os trabalhadores estariam sendo enganados por representantes do INCRA e que
o laudo era inválido. O advogado chegou a afirmar que o documento só existia
porque o fazendeiro se negou a dar propina a fiscais do INCRA.
A afirmação gerou confusão. O representante do
proprietário não sabia que Pablo Alves Pontes, Chefe do Serviço de Meio Ambiente
e Recursos Naturais do INCRA, estava presente. "Ele vai ter que provar o que
está falando. Isso é um desrespeito com um servidor público", disse Pontes, que
completou dizendo que o processo de desapropriação da área é válido e no momento
se encontra na Diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de
Assentamento do INCRA, em Brasília. "É um processo público, qualquer pessoa que
for à sede do INCRA terá acesso aos autos."
Pontes explicou que a fazenda Rio Novo ainda não
foi desapropriada em função de um mandado de segurança pedido pelo proprietário
da área, mas deixou claro: "Administrativamente, a questão da produtividade está
encerrada: o imóvel é improdutivo, ao menos que o proprietário consiga trazer
aos autos provas que mostrem um erro grave no processo." Para Elisangela, o
trâmite em Brasília está demorando mais do que deveria: "Por um lado,os órgãos
do Governo - inclusive o INCRA - atuam sem agilidade e compromisso; por outro, a
Justiça brasileira muitas vezes parece trabalhar na defesa explícita dos
latifundiários".
Elisangela comentou que a improdutividade da
fazenda é tão evidente que mesmo uma pessoa sem um conhecimento específico pode
constatar a improdutividade da propriedade. O representante do INCRA ressaltou
que todo o procedimento técnico e jurídico foi cumprido, e concordou que o
cenário que se avistava do alto do acampamento Marli Pereira da Silva já
denunciava a improdutividade da fazenda. "Tudo isso é pasto sujo e os morros
estão marcados por processos erosivos. Isto indica que o solo foi explorado de
forma errada e depois abandonado, violando, inclusive, a legislação
ambiental".
A REFORMA AGRÁRIA NA BAIXADA
A Baixada Fluminense já teve um papel de
protagonismo na luta pela reforma agrária e contra o latifúndio no Brasil. Na
década de 1980, fazendas improdutivas foram desapropriadas em municípios como
Nova Iguaçu e Queimados. Os pais de Elisangela participaram do acampamento Campo
Alegre, que em 1984 resultou no assentamento de 600 famílias em Nova Iguaçu. "As
pessoas têm que entender que a ocupação destas terras paradas por trabalhadores
dispostos a produzir vai contribuir com o desenvolvimento e a qualidade de vida
no município de Paracambi e em toda a região", disse. "Estamos voltando a nos
fortalecer. Esse resgate da luta pela terra na Baixada é fundamental."
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