Outros Temas Rio protesta com humor no Grito dos Excluídos
Por Raquel Júnia
Foto: Fabio Caffe/ Imagens do Povo
Da
sorridente bailarina vestida de rosa até a faixa da Campanha O petróleo tem que ser nosso - última da
passeata - era possível medir um quarteirão inteiro da Avenida Presidente
Vargas.A bailarina do grupo de teatro
Tá na Rua abriu o desfile do Grito dos Excluídos 2009 no Rio de Janeiro,
rodopiando uma enorme bandeira vermelha.
O grupo de
teatro animou o tradicional protesto do dia 7 de setembro.Cerca de 30 artistas encenaram o já
corriqueiro episódio do “choque de ordem”, a principal bandeira política do governo
do prefeito da cidade do Rio, Eduardo Paes (PMDB/RJ). Assim como acontece nos
locais que recebem o “choque”, os artistas vestidos de guarda municipal
reprimiam a cacetetes, nesse caso de espuma, atores fantasiados de ambulantes e
moradores de rua.
Uma
bateria animava os passos dos manifestantes. Cerca de 800 pessoas de movimentos
sociais, partidos políticos, sindicatos e outras organizações de trabalhadores
tomaram a avenida após o desfile militar sob o lema “A vida em 1º lugar – a
força da transformação está na organização popular”.
Parte do
público permaneceu para acompanhar o Grito. Um garotinho vestido com um
conjunto camuflado acompanhava o som da bateria com a cabeça, outras crianças miravam
assustadas aquele exército de pessoas com roupas de cores vibrantes. E alguns
adultos até pensavam alto ao ler as bandeiras dos movimentos sociais: “ah, com
isso eu concordo!”.
“Assim
como todos os anos, o Grito dos Excluídos é um questionamento em relação à
independência. Que independência é essa se o povo não tem saúde, não tem
reforma agrária?, explica o membro da coordenação do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra no Rio, Marcelo Durão. O MST foi um dos
movimentos que participaram do ato.
Foto: Ratão Diniz/ Imagens do Povo
Concentração
Uma fila enorme de tanques
de guerra, caminhões do corpo de bombeiros e cavalos aguardava o momento do
desfile nos arredores da Avenida Presidente Vargas. Lá na frente, na pista
lateral, já se via um aglomerado de bandeiras. Era a concentração para o Grito.
Pelo
menos cinco carros da Polícia Militar compunham um cordão de isolamento entre
os manifestantes e o desfile “oficial”. A bateria já dava ritmo aos diversos
gritos dos excluídos. Quando a PM e a Guarda Municipal do Rio desfilaram na
avenida a vaia foi alta. Participantes do Grito ressaltaram que a Guarda
Municipal é quem executa o “choque de ordem”, e a Polícia Militar faz parte da
política de segurança do governo Sérgio Cabral (PMDB/RJ), que viola sistematicamente
os direitos, inclusive o direito de viver, sobretudo dos moradores das favelas
da cidade. “Polícia assassina!”, gritavam alguns dos manifestantes.
Diversos
Gritos
Ao final do desfile militar,
os manifestantes se posicionaram na pista principal. Juntos estudantes,
trabalhadores desempregados, pescadores, trabalhadores rurais, moradores de
ocupações urbanas, quilombolas, sindicalistas começam a fazer o coro.
Deise de
Souza participa do Grito pela primeira vez. Ela faz parte do grupo Homens do
Mar, uma organização de pescadores do município de Magé, região metropolitana
do Rio. Ela explica que foi ao protesto denunciar a situação dos pescadores do
município. Segundo Deise, obras da Petrobras na Baía de Guanabara estão
impedindo a atividade pesqueira na região. “Lá
é pobre de profissão e agora não existem mais peixes para pescar”, reclama
Deise, que está fazendo um “biscate” na pensão da irmã para ajudar no sustento
da família. Ela, o marido e os filhos sobreviviam da pesca.
Marta
Pereira, também pescadora, conta que as redes de pesca são constantemente rasgadas
pelas embarcações das empresas contratadas pela Petrobras para executar as
obras e que os pescadores estão sendo ameaçados.“Deixe
a Baía de Guanabara limpa, deixe a gente sobreviver”, gritaram Deise e Marta.
Moradia
Já!
Assim
como as pescadoras, Eliney Santos, participa do Grito pela primeira vez. Ele é
morador da ocupação Rosi Paz Barreto, no bairro de São Cristóvão, no Rio.
Eliney e outros moradores de ocupações participam da Frente Internacionalista
dos Sem Teto (Fist), uma das organizações presentes no Grito.
Na
ocupação Rosi Paz Barreto moram 36 famílias. Eliney conta que a moradia faz
parte de uma lista de despejo a ser cumprida pelo “choque de ordem”.“Viemos
gritar pela garantia de nossas moradias e de todas as ocupações da cidade e
também para apoiar os outros movimentos sociais”, disse Eliney.
Acordo
para os trabalhadores da Varig
Entre os manifestantes,
também estavam ex trabalhadores da empresa de aviação Varig que exigem o
pagamento dos salários atrasados e outros direitos trabalhistas. Fábio Lobo,
48, comissário de bordo, conta que o último vôo que fez foi para Paris e que na
volta, por telegrama, foi avisado que estava sendo dispensado do trabalho, em
agosto de 2006.
“Eu
tinha cinco meses de salários atrasados, dois 13º atrasados, férias,
contribuição no fundo de pensão da empresa e não recebi nada disso”, disse.Fábio
relatou que recentemente tentou emprego em uma empresa aérea e não o
contrataram alegando que procuravam alguém mais jovem. Apesar da experiência do
comissário, a companhia aérea respondeu que um profissional com menos idade teria
mais flexibilidade de aprender.
Foto: Fábio Caffe/ Imagens do Povo
Carlos
Alberto Souza, trabalhador aposentado da Varig também participou do protesto.
Ele disse que recebia um salário de mais de 4 mil reais, e hoje ganha “exatamente
R$ 496,25”. Carlos Alberto está fazendo figuração em novelas para aumentar a
renda. “A
população toda precisa acordar para o que está acontecendo conosco. Nós também
somos trabalhadores”, gritou Fábio.
Crianças
de acampamento em Paracambi estão sem transporte escolar
Apesar das dificuldades, os
trabalhadores rurais Natanael Alves e Antonio Pereira estão confiantes na
desapropriação de uma fazenda no município de Paracambi, no estado do Rio.
Juntos com mais 150 famílias, os trabalhadores estão acampados na fazenda há
mais de um mês. De acordo com o MST, a propriedade possui inúmeras dívidas e
não cumpre a função social.
Eles
disseram que as crianças do acampamento já foram recebidas pelas escolas da
região, mas que ainda não há transporte escolar para elas. “Todos os dias são
50 minutos caminhando à pé, de bicicleta, para se chegar até a escola”,
relataram.
Natanael
e Antonio contam que a fazenda tem 700 hectares e boas condições de plantio.
“Lá poderemos fazer um cinturão verde para abastecer o Rio de Janeiro, com
hortaliças frescas. Hoje, grande parte do que é consumido aqui vem de outros
estados e não precisava ser assim”, falou Antonio Pereira.
Marcelo
Durão, membro da coordenação do MST, disse que mais de 90 mil famílias estão
acampadas em todo o Brasil. “Precisamos alterar os índices de produtividade e
assentar imediatamente as famílias”, protestou.
Foto: Fábio Caffe/ Imagens do Povo
Marcelo
explicou que o governo federal se comprometeu a expedir uma portaria no dia 3
de setembro com a alteração dos índices de produtividade da terra, o que não
aconteceu. A readequação desse parâmetro é uma das principais pautas do
Movimento na atualidade. A medida pode possibilitar mais terras para a Reforma
Agrária, já que uma propriedade rural precisará produzir mais para ser
considerada produtiva e não ser desapropriada.
“O sol não tira a gente, a chuva também não”
Muitas
outras bandeiras foram agitadas durante o Grito dos Excluídos. “Comunicação
Popular: um jeito diferente de explicar o mundo”, era a frase estampada na
camiseta do bloco de comunicação popular organizado pelo Núcleo Piratininga de
Comunicação.Faixas exigiam “Fora
Sarney”, mais vagas nas universidades públicas, entre várias outras.
“É
preciso gritar todo mundo junto, todos que acreditam em um mundo com outras
relações da sociedade”, chamou Rosineide de Freitas, do Núcleo Socialista de
Campo Grande, zona oeste do Rio. Com
o sol no meio do céu e um intenso calor, o Grito dos Excluídos do Rio chegou ao
ponto final.
“O
Grito foi muito bom. Realizar um ato desses reunindo desde partidos como o PSTU
até o PT, também com as pastorais sociais, os movimentos sociais, depende de um
trabalho de engenharia política muito grande. E numa conjuntura desfavorável,
cada organização foi capaz de aglutinar mais pessoas, aumentar o número de
entidades”, avaliou Tobias Faria, também no Núcleo Socialista de Campo Grande.
“O
sol não tira a gente, a polícia também não, só fica nessa luta quem tiver
disposição”, gritaram os participantes do Grito já no final da manifestação.
Na dispersão da passeata, os rostos, apesar de
cansados, expressavam a alegria do dever cumprido em mais um sete de setembro.
Mais de uma hora depois do fim da manifestação, parte dos gritadores continuava
reunida, conversando, confraternizando, planejando. Afinal, antes do grito do
ano que vem, há muita luta pela frente. Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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