Entrevistas
Colômbia ampliará presença militar dos Estados Unidos em seu território, aumentando instabilidade na região
Por Dafne Melo e Luís Brasilino Do Brasil de Fato
Colômbia (mais) militarizada CONJUNTURA
O SEGUNDO SEMESTRE começou quente na América Latina. Após o golpe de Estado em Honduras, foi a vez da Colômbia de Álvaro Uribe atrair as atenções após anunciar a instalação de sete bases militares estadunidenses em seu território. Entretanto, enquanto no primeiro país uma possível ingerência dos Estados Unidos é fonte de insatisfação dentro e fora de Honduras, no segundo caso ela encontrou o apoio de alguns e o silêncio de outros.
O rechaço veio apenas da parte dos presidentes Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e, principalmente, Hugo Chávez (Venezuela). O peruano Alan García apoiou o colega colombiano, enquanto outros líderes – Fernando Lugo (Paraguai), Tabaré Vázquez (Uruguai), Cristina Kirchner (Argentina) e Luiz Inácio Lula da Silva – mantiveram-se diplomáticos, insistindo no diálogo. Um encontro especial, no fim deste mês, em Buenos Aires (Argentina), deverá ocorrer somente para tratar do tema.
O acordo entre os Estados Unidos e a Colômbia é de fato preocupante, afirma o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira. Ao todo, os Estados Unidos deverão utilizar sete bases (construirão três e usarão quatro já existentes). Ainda que afirmem que será usado para operações militares de combate ao narcotráfico e para reabastecer aviões de carga, é certo que o verdadeiro objetivo é manter a vigilância no território. Até mesmo os documentos oficiais do governo estadunidense confirmam essa tese, defendendo a autonomia dos voos que partem da Colômbia e o aumento de verbas para ações militares “não especificadas”.
A seguir, leia a entrevista, concedida por correio eletrônico, com Moniz Bandeira.
Brasil de Fato – A instalação das bases pode iniciar uma corrida armamentista na região? Luiz Alberto Moniz Bandeira – A presença de bases militares dos Estados Unidos na América do Sul não é novidade. Já houve na Bolívia, no Peru ainda funciona o Joint Peruvian Riverine Training Center, na região de Ayacucho – epicentro da guerra contra o grupo Sendero Luminoso (1980-2000). O primeiro contingente de 70 soldados da Task Force New Horizons começou a operar em maio de 2008 sob o pretexto de realizar tarefas humanitárias. Esse número foi para 350 entre 1° de junho e 31 de agosto.
Em outubro, pilotos, tripulantes da U.S. Army CH-47D “Chinook” e soldados da Task Force New Horizons fortemente armados estavam a dar apoio, com helicópteros pesados, a mais de 990 militares americanos, operando nessa região (575 km a sudeste de Lima), onde os EUA negociavam com as Forças Armadas do Peru a instalação de uma base militar, no contexto dos entendimentos para firmar o tratado de livre comércio (TLC), celebrado em dezembro de 2007.
O interesse dos EUA em instalar uma base em Ayacucho, uma zona equidistante das áreas dominadas pelas Farc, na Colômbia, e dos conflitos sociais na Bolívia, é facilitar a mobilização de seus contingentes em toda região da América do Sul. Os Estados Unidos contam ainda com uma base naval em Iquitos, norte do Peru, em uma região estratégica da Amazônia, na qual dispõem de equipamento fluvial, como lanchas de combate. Há outras bases em Santa Lucía e sobre o rio Nanaí. No Equador, existe a base aérea de Manta, que agora vai ser fechada e transferida para Palanquero, em Puerto Salgar, 120 milhas ao norte de Bogotá.
O que essa investida na Colômbia traz de novo? O que é novo e preocupante é a inusitada ampliação. Essa base aérea, em Puerto Salgar, pode albergar mais e 2 mil homens, possui uma série de radares, além de cassinos, restaurantes, supermercados, hospital e teatro. E a pista do aeroporto, a mais longa da Colômbia, tem 3.500 metros de longitude, 600 metros maior que a de Manta, e permite a partida simultânea de até três aviões. Assim, terão um ponto de apoio, no centro da Colômbia, ainda melhor que Manta, com a instalação de três bases militares nas localidades de Malambo (costa do Caribe), Palanquero (próxima a Bogotá) e Apiay (Amazônia), na região fronteiriça com o Brasil.
Com a instalação dessas bases ganha força o argumento de que a Colômbia pode virar a “Israel” da América Latina”? Não se pode comparar a Colômbia com Israel. As condições econômicas, políticas e culturais são muito distintas. Mas, de fato, a ajuda militar concedida pelos Estados Unidos à Colômbia, desde 2004, deve alcançar, este ano, 2009, o montante de 3,3 bilhões de dólares. Aliás, desde o lançamento do Plano Colômbia, no ano 2000, o Exército colombiano recebeu 4,35 bilhões de dólares e tornou-se o maior e o mais bem equipado, relativamente, da América do Sul.
Com população de 44 milhões de habitantes, a Colômbia possui um contingente militar de cerca de 208.600 efetivos, enquanto o Brasil, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e mais de 190 milhões de habitantes, tem um contingente de somente 287.870; e a Argentina, com 40 milhões de habitantes e um território de 2,7 milhões de quilômetros quadrados, tem um efetivo de apenas 71.655. A Colômbia, com um PIB de 320,4 bilhões (estimativa de acordo com a paridade do poder de compra, em dólar) destina 3,8% aos gastos militares, enquanto o Brasil, cujo PIB é de 2 trilhões, gasta apenas um 1,5%; a Argentina, com PIB 523,7 bilhões, gasta apenas 1,1%.
Em 2005, o Congresso estipulou para a região uma ajuda econômica de 9,2 milhões de dólares e cerca de outros 859,6 milhões para assistência militar. Para combater as guerrilhas, os soldados e policiais cometeram crescente número de assassinatos, abusos de direitos humanos e, durante o período de cinco anos, que terminou em junho de 2006, o número de execuções extrajudiciais aumentou em mais de 50%, com relação ao período anterior.
Como o senhor avalia o posicionamento dos presidentes latinoamericanos em relação às bases? Como vê o esforço de Uribe em dialogar com alguns desses chefes de Estado? Segundo sei, com exceção do presidente Alan García, eles se manifestaram contra, porém entendem que essa é uma decisão soberana da Colômbia. Que mais podem fazer? Não podem intervir na Colômbia. Mas estão isolados, e foi com o objetivo de evitar um isolamento maior que o presidente Uribe visitou alguns países da América do Sul, entre os quais o Brasil.
O orçamento proposto pelo governo dos EUA para os gastos na Colômbia, de acordo com documentos oficiais, mostra uma diminuição de 13% com gastos destinados ao combate ao narcotráfico, enquanto que os gastos militares não especificados apresentam um aumento de 30% – em comparação com o orçamento anterior. O que mostram esses números?
A justificativa do acordo para a instalação das bases militares nos países da América Latina e no Caribe é o combate ao narcotráfico. Mas há um entendimento explícito de que o uso de tais bases “não é proibido para outros tipos de organização do Departamento de Defesa”. É evidente que os Estados Unidos usam estas Forward Operating Location (FOL), instaladas também em Comalapa (El Salvador) e em Aruba/Curaçao (Antilhas Holandesas), para os mais diversos tipos de operação.
Elas têm objetivo estratégico. O estacionamento permanente de tropas e equipamentos bélicos na Colômbia e no Peru, assim como também no Suriname e na Guiana e, antes, no Equador e na Bolívia, dão aos EUA enorme vantagem estratégica para intervir militarmente em qualquer país, se necessário, a fim de defender seus interesses econômicos e ocupar as nascentes do rio Amazonas.
Em realidade, a militarização da Colômbia, com a presença de mais de 1.000 militares e mercenários americanos, empregados pelas firmas empreiteiras do Pentágono na região, e em outros países vizinhos, constitui um desafio para a própria segurança nacional do Brasil, na medida em que ameaça a segurança da Amazônia.
O senhor enxerga qual conexão entre as bases na Colômbia e o golpe em Honduras? Embora sejam coincidentes e, de certa forma, se entrelacem, não há uma conexão direta entre o golpe em Honduras e a instalação das bases na Colômbia. A transferência das instalações militares em Manta para a Colômbia estava prevista desde que o presidente Rafael Correa assumiu o governo do Equador, em janeiro de 2007, pois ele havia anunciado que não renovaria o acordo com os Estados Unidos.
Como disse, o que há de novo no caso das bases na Colômbia é a sua ampliação, muito além do suposto objetivo de combate ao narcotráfico. Isto foi decerto planejado juntamente com a restauração da 4ª Frota no Atlântico Sul, visando a ampliar a presença dos Estados Unidos na região e assegurar o controle de seus recursos naturais, como, por exemplo, a água e o petróleo. O objetivo é restringir a projeção do poder político e militar do Brasil, frustrando iniciativas como a Unasul e o Conselho Sul-Americano de Defesa. Elas não convêm aos Estados Unidos.
Com a instalação e ampliação de bases militares à margem da Amazônia, e a 4ª Frota navegando o Atlântico Sul, à margem das enormes reservas de petróleo descobertas pela Petrobras em águas profundas, nas camadas pré-sal, o Brasil está cercado. A América do Sul está cercada e militarmente marcada como espaço econômico e geopolítico dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos vêm dando apoio ao governo golpista hondurenho? O que mais pode explicar a sustentação do governo Micheletti? O golpe em Honduras demonstrou, claramente, que o presidente Barack Obama não controla o aparelho governamental e não tem condições de promover sequer as tímidas e cautelosas mudanças que pretendia fazer na política exterior do Estados Unidos, conforme anunciou. As resistências são enormes, inclusive dentro do Departamento de Estado. E o presidente Barack Obama está paralisado.
O governo Obama tem condenado repetidamente a situação em Honduras. Por outro lado, existem indícios de participação dos EUA no golpe e na manutenção do governo golpista. Qual é o grau de separação que existe entre as lideranças eleitas para comandar o Executivo nos EUA e a máquina administrativa do país? Até que ponto esta funciona “sozinha”?
O embaixador dos Estados Unidos em Honduras é um cubano-americano, Hugo Llorens, designado em 2008 pelo ex-presidente George W. Bush, de quem fora assessor de segurança nacional (2002-2003), e assumiu o posto pouco antes da eleição de Barack Obama. Pertence à mesma corrente de Roger Noriega, que foi secretário de Estado assistente para os Assuntos do Hemisfério, no governo de George W. Bush, e se manifestou abertamente a favor do golpe em Honduras, da mesma forma que Otto J. Reich, outro cubano-americano, que ocupou o mesmo posto e instigou a tentativa do golpe militar-empresarial na Venezuela em abril de 2002.
Consta que a atual secretária de Estado, Hillary Clinton, tem como assessor John Negroponte, que foi embaixador em Tegucigalpa, entre 1981 e 1985, quando organizou a repressão em Honduras, as atividades dos “contra” na Nicarágua e foi responsável por sucessivas e graves violações aos direitos humanos. Há notícias de que ele, Negroponte, respaldou a articulação do embaixador Hugo Llorens com a oposição política e o Exército, em Honduras, para remover do governo o presidente Manuel Zelaya.
Nesse sentido, quais os limites dessa aproximação dos EUA com Cuba? E quais mudanças que ocorreram na ilha o senhor destacaria a partir da emergência dos novos governos de Obama e Raul Castro? O presidente Barack Obama começou a melhorar a posição dos Estados Unidos vis-àvis de Cuba, mas, no momento, não tem condições de avançar ainda mais, devido à resistência com que se defronta, internamente, e ao fato de que o levantamento do embargo depende de aprovação do Congresso.
Na sua opinião, a crise econômica mundial irá impulsionar os processos de mudanças na América Latina observados nos governos de Bolívia, Venezuela, Paraguai, Equador, Nicarágua e El Salvador? É difícil prever o que ocorrerá. E os processos de mudanças nos países de América do Sul e, em geral, em toda a América Latina não podem ir muito além das possibilidades materiais de tais países, sob pena de possibilitarem, inevitavelmente, um retrocesso.
É necessário ser realista. Bolívia, Venezuela, Paraguai, Equador, Nicarágua e El Salvador estão dentro de uma economia mundial de mercado, a economia capitalista, da qual dependem. O sistema capitalista, o único modo de produção que teve capacidade de expandir-se por todo o mundo, é um todo e não uma soma de economias nacionais. É inviável, por conseguinte, a implantação do socialismo, dentro dos marcos do Estado nacional, em países que nem possuem base industrial, que dependem do mercado mundial capitalista, como, aliás, todos dependem, inclusive os mais desenvolvidos e as potências econômicas.
(Veja outros trechos desta entrevista na Agência Brasil de Fato: www.brasildefato.com.br).
Quem é Luiz Alberto Moniz Bandeira é cientista político, professor titular aposentado da Universidade de Brasília e autor de várias obras, entre as quais Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque), de 2005. Atualmente, reside na Alemanha.
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