A nova modalidade de influenza é uma moléstia
que ainda não atingiu contingentes mais significativos da população brasileira,
além de bem pouco letal.
Mas, trombeteando dia após dia a mórbida contagem de cadáveres, o noticiário
causa, em leitores pouco afeitos a estatísticas, a impressão de que estejam
diante de uma terrível ameaça.
Longe disto. Em comparação com as grandes pestes do passado, a gripe suína é
refresco.
Vale lembrar, p. ex., que a gripe espanhola matou quase 2% da população
brasileira, no final da década de 1920: aproximadamente 300 mil pessoas.
Pior ainda é se compararmos os dados da gripe suína com outras causas de
mortandade. Aí o que fica evidenciado é a má fé da imprensa.
Vejam o caso da cidade de São Paulo: o número de óbitos ainda não chega a
oito.
Pois bem, em maio eu alertei (ver aqui)
que a concentração criminosamente elevada de enxofre no diesel mata, somente em
São Paulo, capital, 3 mil pessoas ao ano — ou seja, oito por dia!
Mas, como há interesses econômicos de grande monta envolvidos, o assunto é
praticamente banido do noticiário.
Já o terrorismo midiático em torno da gripe suína tem sinal verde porque não
afetou negócios importantes, pelo menos até agora. Só fez diminuir um pouco o
turismo.
Vamos ver se a imprensa manterá o mesmo comportamento leviano caso o público
venha a desertar consideravelmente das salas de espetáculos, comprometendo as
receitas dos cadernos de variedades.
De resto, tenho a satisfação de louvar, mais uma vez, o corajoso trabalho do
ombudsman da Folha de S. Paulo, Carlos
Eduardo Lins da Silva, que ousou neste domingo qualificar o estardalhaço
promovido por seu jornal em torno da gripe suína como irresponsável (ver aqui).
Seu comentário é uma verdadeira aula de ética jornalística. Vale a pena
reproduzir os principais trechos:
“A reportagem e principalmente a chamada de capa sobre a gripe A (H1N1) no
domingo passado constituem um dos mais graves erros jornalísticos cometidos por
este jornal desde que assumi o cargo, em abril de 2008.
“O título da chamada, na parte superior da página, dizia: ‘Gripe suína deve
atingir ao menos 35 milhões no país em 2 meses’. A afirmação é taxativa e o
número, impressionante.
“Nas vésperas, os hospitais estavam sobrecarregados, com esperas de oito
horas para atendimento.
“Mesmo os menos paranoicos devem ter achado que suas chances de contrair a
enfermidade são enormes. Quem estivesse febril e com tosse ao abrir o jornal
pode ter procurado assistência médica.
“O texto da chamada dizia que um modelo matemático do Ministério da Saúde
‘estima que de 35 milhões a 67 milhões de brasileiros podem (…) ser afetados
pela gripe suína em oito semanas (…). O número de hospitalizações iria de 205
mil a 4,4 milhões’.
“É quase impossível ler isso e não se alarmar. Está mais do que implícito que
o modelo matemático citado decorre de estudos feitos a partir dos casos já
constatados de gripe A (H1N1) no Brasil.
“Mas não. Quem foi à página C5 (…) descobriu que o tal modelo matemático,
publicado em abril de 2006, foi baseado em dados de pandemias anteriores e
visavam formular cenários para a gripe aviária (H5N1).
“O pior é que a Redação não admite o erro. Em resposta à carta do Ministério
da Saúde, que tentava restabelecer os fatos, respondeu com firulas formalistas
como se o missivista e os leitores não soubessem ver o óbvio. Em resposta ao
ombudsman, disse que considera a chamada e a reportagem ‘adequadas’ e que
‘informar a genealogia do estudo na chamada teria sido interessante, mas não era
absolutamente essencial’.”