Entrevistas Com Dênis de Moraes – ‘Brasil tem muito a aprender nas políticas de comunicação’
Por Marcos Pereira Publicado no Portal Vermelho
A
comunicação jamais esteve tão fortemente entranhada na batalha das idéias pela
direção moral, cultural e política da sociedade. Com essa frase na
apresentação de seu livro, o professor Dênis de Moraes sintetiza a importância
do debate sobre políticas de comunicação. O livro reúne ensaios que discutem o papel da
comunicação na luta pela hegemonia política e cultural na sociedade
contemporânea.
A Batalha da Mídia é composto por quatro
ensaios: Imaginário social, hegemonia cultural e comunicação; Cultura
tecnológica, inovação e mercantilização; Governos progressistas e políticas
de comunicação na América Latina; Ativismo em rede: comunicação virtual e
contra-hegemonia.
Leia a entrevista.
Fonte: Portal Vermelho
Dênis de Moraes no lançamento de A Batalha da Mídia
Você já disse que a luta pela democratização
da comunicação é tão importante quanto a luta contra a política
econômica neoliberal. Como você vê a participação de partidos
progressistas e movimentos sociais neste debate? Dênis de Moraes: Boa parte dos movimentos sociais no Brasil vem se
conscientizando da centralidade da luta pela democratização da
comunicação. Basta ver o lugar de destaque conquistado por políticas de
comunicação nas diretrizes políticas de organizações como o MST.
É
vital contrapor-se ao absurdo poderio da chamada grande mídia. Penso
que dois desafios estão postos e, de certa forma, começam a ser
encarados por várias entidades da sociedade civil: maior articulação
nas campanhas reivindicatórias; e intensificação das mobilizações por
uma outra comunicação, o que implica exercer pressão organizada e
sistemática junto aos poderes executivo e legislativo, contrapondo-se
aos fortíssimos lobbies de grupos privados de mídia.
É um processo longo e árduo, pois são grandes os
interesses em disputa (note que número espantoso de parlamentares
brasileiros, direta ou indiretamente, tem vínculos, inclusive de
propriedade, com meios de comunicação privados). Contudo, devemos
fortalecer visões alternativas e exigir políticas públicas consequentes
em favor da diversidade informativa e do pluralismo cultural.
Como deve ser a participação daqueles que lutam pela democratização da comunicação na conferência? A Conferência Nacional de Comunicação, antes, durante
e depois de sua realização este ano, pode ser uma circunstância
extremamente propícia à aglutinação de forças sociais
contra-hegemônicas. Elas podem fazer avançar suas posições na arena de
luta, definindo prioridades convergentes e metodologias compartilhadas
em defesa de seus pontos de vista junto à opinião pública e para
acentuar as pressões junto ao executivo e ao legislativo.
Isso tudo tendo em vista a necessidade de
construirmos neste país, progressivamente, um sistema de comunicação
mais plural do ponto de vista ideológico e mais sensível aos reclamos
da sociedade como um todo, deixando de ser pátio de manobra para
interesses privatistas, mercantis e particulares.
Qual o papel da comunicação comunitária? E qual sua opinião sobre a repressão às rádios comunitárias no governo Lula? A comunicação comunitária sem fins lucrativos, além
de expressar anseios legítimos da base da sociedade, é fundamental para
a disseminação de conteúdos não sujeitos à interferência de grupos
econômicos e aos ditames do rating. Estimula a pluralidade de vozes,
cobrindo um amplo leque de demandas de múltiplos segmentos das
comunidades, e assim se opõe à lógica de exclusão ou de subestimação de
anseios populares que observamos nas agendas e coberturas noticiosas da
maior parte da mídia.
No tocante à radiodifusão comunitária, estou
plenamente de acordo com as medidas defendidas pela Associação Mundial
de Rádios Comunitárias (Amarc), entre as quais destaco: leis contra a
concentração dos meios, a fim de garantir a diversidade e a
pluralidade; políticas públicas que promovam a participação comunitária
tanto na propriedade como na administração dos veículos; compromissos
com os direitos humanos, a democracia e o desenvolvimento social;
regulamentação do direito dos movimentos sociais e comunidades de
utilizarem as tecnologias da comunicação; não-restrição da cobertura
geográfica e do número de emissoras por localidade, além da divisão
igualitária do espectro; supervisão do uso das freqüências por órgãos
independentes, com representantes da sociedade civil; procedimentos
transparentes para outorga de canais, respeitando-se a especificidade
dos meios comunitários; permissão para doações e publicidade sem fins
lucrativos; isenções fiscais e criação de fundo público para estimular
a radiodifusão não comercial; promover a inclusão digital. Quanto à
repressão das rádios comunitárias ao longo dos sete anos do governo
Lula, só posso qualificá-la de profundamente lamentável e triste.
Boicotar a grande mídia, que tanto criminaliza os movimentos sociais, poderia ser uma alternativa? Meritórias campanhas de boicote, isoladamente, por certo
não alcançarão resultados mais duradouros. É preciso desenvolver,
simultaneamente, ações organizadas de denúncia e táticas de pressão
contra os abusos da mídia, ao lado de propostas consistentes e
coerentes para coibir a concentração e a oligopolização dos meios de
comunicação e tentar democratizar o sistema de concessão de canais de
rádio e televisão, entre outras questões relevantes.
Quais são as mudanças legais mais importantes na América Latina na área de comunicação? A ação regulatória do Estado precisa zelar pelo
equilíbrio entre o que deve ser público e o que pode ser privado,
inclusive deixando claro à população que as empresas de rádio e
televisão não são proprietárias dos canais, apenas concessionárias de
um serviço público com prazo de validade.
As disposições regulatórias devem garantir uma
distribuição equitativa entre três instâncias: o Estado (para assegurar
um serviço público e plural), a iniciativa privada (com fins lucrativos
e responsabilidades sociais bem definidas) e a sociedade civil
(movimentos sociais, comunitários e étnicos, universidades, associações
profissionais, produtores independentes etc).
Estabelecer marcos regulatórios democráticos
significa dotar os países de mecanismos legais para coibir a
concentração monopólica e a mercantilização, bem como atualizar normas
para a concessão e a fiscalização das outorgas de canais de rádio e
televisão; discussões sobre conteúdos veiculados e classificações
indicativas, coordenadas pelo poder público concedente; revisão das
cotas obrigatórias para programação nacional, regional, comunitária e
educativa; cotas obrigatórias para exibição de filmes nacionais nas
salas de cinema, entre outros pontos.
Considero, assim, crucial a exigência de marcos
regulatórios e soluções técnicas que respondam às peculiaridades de
cada sociedade, opondo-se à comercialização lucrativa e a subordinação
a gostos internacionais massivo. O que implica recusar o monopólio
privado da mídia e a concepção neoliberal de cultura como negócio
competitivo e rentável. Para isso, torna-se necessário um maior
controle social sobre a mídia, no bojo de um amplo processo de
democratização geral da sociedade.
O que é preciso para fiscalizar as concessões na radiodifusão no Brasil? Em primeiríssimo lugar, vontade política por parte do
poder executivo, que é o responsável pela concessão de canais de rádio
e televisão, e do poder legislativo, que tem prerrogativa de modificar
a legislação de radiodifusão para adequá-las ao interesse público.
Volto a dizer que é indispensável a pressão social organizada e
sistemática sobre ambos os poderes, a fim de que as aspirações
coletivas prevaleçam sobre as ambições lucrativas dos grupos privados
de mídia.
O que poderia ser "copiado" pelo Brasil? E como você analisa a postura do governo Lula diante dos barões de mídia? O Brasil tem muito a aprender com o
conjunto de políticas que estão sendo postas em prática pelos governos
progressistas do Equador, da Bolívia e da Venezuela com o propósito de
diversificar e descentralizar os sistemas de comunicação.
No meu livro A Batalha da Mídia, apresento o
painel de medidas e intervenções democratizadoras em curso naqueles
países, desde modificações nas legislações obsoletas de radiodifusão
até políticas de apoio a mídias comunitárias e alternativas, incluindo
financiamento de infra-estruturas, programas de capacitação técnica e
métodos de gestão para as equipes envolvidas. Isso sem falar na
revalorização da comunicação pública e no impulso à produção
audiovisual independente, bem como no desenvolvimento de programas de
difusão cultural que levam as mais diferentes manifestações artísticas
às áreas populares. Quanto ao governo Lula, pouquíssimo fez, ao menos
até agora, para mudar o adverso cenário da comunicação de massa no
país.
Sobre o autor
Dênis de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 1954.
É doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro e pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales
(CLACSO), sediado em Buenos Aires, Argentina. É professor associado do
Departamento de Estudos Culturais e Mídia e do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense e
pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).