[Por Celso Lungaretti] Frequentemente recebo mensagens me cobrando
posicionamento tão incisivo contra a ditadura e as torturas do presente quanto
os que eu assumo em relação às dos anos de chumbo.
Quem viveu aquele período de arbítrio e atrocidades, sabe que a barra pesava
muito, muitíssimo mais.
Mesmo assim, é chocante que, depois de tanta luta para trazermos o Brasil de
volta para a civilização, o cidadão comum continue tão impotente para influir
nos destinos do País, a imprensa tão blindada contra versões/interpretações
alternativas e os direitos civis tão impunemente atingidos (ainda mais quando a
vítima é a população carente!).
Assim, a imprensa hoje noticia que a Polícia Militar do Rio de Janeiro vai
impedir pela força a realização de bailes funk nas favelas. Alega que não
consegue coibir o tráfico de drogas sem pisotear o direito dos favelados ao
lazer.
Como motivo imediato, apresenta um episódio que evidencia, isto sim, abuso de
autoridade e incompetência criminosa de sua parte: desencadeou uma operação
repressiva para prender traficantes em meio a um baile no Morro dos Macacos (lá
na Vila Isabel do saudoso Noel) e acabou travando tiroteio com eles, no último
sábado.
Saldo: três mortos e seis feridos. Quem não tinha culpa no cartório pegou as
sobras, como sempre. Caso de uma moradora de 35 anos.
Se o preço para prender traficantes é colocar inocentes em risco, a PM
jamais, JAMAIS!, deve fazer tal
opção.
A intervenção policial em meio a uma multidão de civis só se justifica quando
há violência sendo cometida. Meras detenções podem ser deixadas para depois,
pois a vida dos inocentes é SEMPRE o
valor supremo a ser respeitado.
Só autoridades extremamente tacanhas e despreparadas para atuar numa
democracia podem supor que a proibição do lazer, além de juridicamente
aberrante, traga algum benefício concreto.
“O que radicalizou o funk foi a proibição, nos anos 90, de os clubes terem
festa. O baile foi para dentro da comunidade, e a favela passou a falar para a
favela: as pessoas falam sobre o que vivem. O preconceito é com o funk, como
antigamente o sambista era preso. A favela não pode se expressar”, queixou-se,
com inteira razão, o presidente de uma associação funkeira.
E uma ex-vereadora completou: “O que vão fazer 20 mil pessoas que não têm
direito a lazer?”.
Se depender da PM, ficarão escondidas em seus barracos, pisando em ovos para
não despertar a ira dos fardados, exatamente como os judeus viviam nos guetos em
que os nazistas os confinavam.