Entrevistas com o NPC
Vito Giannotti: Mídia dos trabalhadores para mudar o mundo
Por Rudson Pinheiro / Sisjern
O escritor italiano Vito Giannotti, 65 anos, no Brasil há mais de 40 anos, é um personagem importante das lutas dos trabalhadores brasileiros no século XX. Ainda na Itália, teve seu primeiro contato com o Brasil ao ler Geografia da Fome, clássico de Josué de Castro. O livro foi determinante na personalidade de Giannotti, como o revelou ele próprio, nesta entrevista. [03. 04.2009]
Ainda jovem, optou pela profissão de metalúrgico. O potencial transformador de tal categoria fazia com que as organizações de esquerda, estrategicamente, pusessem alguns de seus quadros para seguir a profissão. Com Vito foi assim. No sindicalismo, descobriu uma de suas maiores paixões: a Comunicação Sindical. Tornou-se um estudioso da questão, e publicou mais de 20 livros, a maioria sobre esse tema. Escreveu também sobre a CUT, que ajudou a fundar; sobre a Força Sindical, a central neoliberal, como ele define; e sobre a história das lutas dos trabalhadores. Na década de 80, apaixonado, mudou-se para o Rio de Janeiro. Lá, na década de 90, fundou, junto com mais 11 pessoas, o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), órgão especializado em comunicação sindical e popular.
Vito Giannotti esteve em Natal nos dias 03 e 04 de abril passado. Concedeu essa entrevista ao Sisjern, em que fala sobre sua trajetória, sobre a CUT, a crise econômica, a América Latina, o socialismo, o sindicalismo, seus livros e, claro, sobre comunicação sindical. O resultado está nas próximas linhas. Sisjern. O sr. chegou ao Brasil na década de 60. Alguma razão em especial? Vito Giannotti. Não. Eu tinha vinte e poucos anos e encontrei dois brasileiros em Roma que iam voltar para o Brasil. Estávamos no começo da ditadura, mas não foi associado com esse fato não. A América Latina tinha um grande chamarisco. Era o continente da Revolução Cubana, Fidel Castro, os barbudos, Che Guevara. Eu tinha muita simpatia pela América Latina. Sisjern. Como foi a experiência como metalúrgico? Vito Giannotti. Tinha saído de uma faculdade de Filosofia, Sociologia, nem me lembro bem, em Roma. Sisjern. Cursou quanto tempo? Vito Giannotti. Um ano. Eu tinha viajado por alguns países e descobri, junto com alguns amigos naquela época, Mao Tsé-Tung, a Revolução Cultural chinesa. Estudávamos os textos de Mao e víamos que tínhamos que centrar a nossa atividade nos trabalhadores das fábricas, na luta operária, e aí tive que decidir virar operário. Integrei-me na produção, como era a frase que se dizia na época. Tive que ser metalúrgico porque era a categoria que mais poderia provocar uma mudança. Fiz vários cursos e passei a ser um operário metalúrgico, lógico com a minha herança, que não tinha nascido operário, na Itália. Sisjern. Tinha uma função específica? Vito Giannotti. Em 25 anos, fui torneiro mecânico e torneiro ferramenteiro. Trabalhei em mais de 20 fábricas em São Paulo, na maior concentração operária, onde tinha uma direção pelega ligada à ditadura, inimiga dos trabalhadores. Éramos oposição, e organizávamos os trabalhadores clandestinamente. Houve as consequências lógicas: prisões. Fui preso pelo exército, pelo Dops, pela PF, o que era a coisa mais normal a qualquer um que se opunha à ditadura. Tive de mudar muitas vezes de emprego porque era dedurado sistematicamente pela direção do sindicato ao qual fazíamos oposição e, depois, a polícia também já dedurava nas fábricas, chamando-nos de subversivos. Perdi uns 15 empregos ou mais, não de maneira natural, mas foi a lógica da ditadura. Sisjern. Certamente o Sr conviveu com o hoje presidente Lula, bem como com outras pessoas que marcaram época no ABC, como o operário Santo Dias, assassinado pela polícia. Vito Giannotti. Convivemos em reuniões a partir de 1976/1977, quando começou a nascer o que se convencionou chamar de Novo Sindicalismo. Eram reuniões entre sindicalistas que já estavam em alguns sindicatos e membros de oposições. Estávamos juntos muitas vezes com Lula e todas as figuras que estão aí. Fui da direção da oposição metalúrgica junto com Santo Dias e, no dia da morte dele, era ou ele ou eu quem ia fazer um piquete na Silvania. Acabou indo ele porque eu fui para o palanque da Rua do Carmo fazer um discurso. Estávamos em greve. Como eu era mais experiente do que ele como orador, eu fui pro palanque e ele ficou no piquete. Ele morreu e eu anunciei a morte dele no palanque. Sisjern. De quais grupos o sr participou? Vito Giannotti. O primeiro engajamento meu foi na Ação Popular (AP), quando passei dois anos como pescador, em alto-mar, em Vitória/ES. Depois fugi do ES, indo para SP, onde fui metalúrgico. Aproximei-me da Política Operária (Polop). Convivíamos, como movimento de oposição, com todas as organizações políticas, pois todas tinham militantes destacados nos metalúrgicos de São Paulo. Sisjern. E com o fim da Polop? Vito Giannotti. Depois, quando estouraram as greves, nós tentamos criar uma organização política mais ampla, nacional. Não conseguimos e acabamos, vários de nós, no PT. Entrei neste partido em 1985. Tentamos várias organizações. Em 1974, por exemplo, quando fiquei alguns meses preso no Dops, nós tínhamos criado uma organização chamada Movimento Popular de Libertação (MPL), que teve vida curta, um/dois anos. Foi uma das tantas organizações que se criaram e onde atuei, sempre buscando dar alguns passos e contribuir para o fim da ditadura militar e para a construção de uma perspectiva socialista para o país. Sisjern. E a mudança para o Rio de Janeiro? Vito Giannotti. Eu era da direção da CUT/SP. Ainda no primeiro mandato, encontrei uma pessoa extremamente interessante no Rio, pela qual me apaixonei, e que, por acaso, era jornalista da CUT/Rio, e eu era um fanático por comunicação sindical, já naquele tempo. Casei e estou até hoje no Rio. Sisjern. Seu primeiro livro foi escrito em 1970... Vito Giannotti. Pequeno livreto sobre história das lutas dos trabalhadores. Escrito, rodado e distribuído clandestinamente. Era o auge da ditadura e do extermínio da esquerda. Sisjern. De lá para cá, foram vários livros. Em geral sobre Comunicação Sindical. O sr acha que a comunicação sindical feita no Brasil tem assimilado a importância de aprimorar os códigos dos seus leitores/ouvintes/telespectadores, de forma a melhor cumprir seus objetivos? Vito Giannotti. A comunicação sindical deu grandes passos desde o fim da ditadura até hoje. Deram grandes passos, mas acho que ainda há muito a fazer no conteúdo, na pauta, na forma. Existem sindicatos que têm uma pauta muito rica, que discutem desde, obviamente, os interesses da categoria, mas chegam a discutir questões mais amplas, mais ligadas à sociedade. Agora, a maioria dos jornais sindicais é de uma inutilidade quase absoluta, porque só tratam do seu próprio umbigo da categoria. Essa é a crítica que Raimundo Pereira, o grande animador, fundador do Opinião, do Movimento, do Retrato do Brasil, sempre fez à imprensa sindical. Estes, não fazem a disputa de hegemonia que poderiam fazer, pelo volume que eles têm, pelo dinheiro que eles têm, pela capacidade de atingir milhões de trabalhadores. Com isso, quem faz a festa é a Rede Globo, é a mídia burguesa. Um grande problema da imprensa sindical, do ponto de vista da linguagem, é que ela, na maioria das vezes, se preocupa principalmente com conteúdo, ou seja, falar dos interesses da categoria, dos salários, das condições de trabalho, do plano de carreira, etc. E acha que isso é suficiente. Não há nenhuma preocupação com a linguagem, com a forma. O conteúdo é, obviamente, mais de 50% da importância do jornal sindical, mas se a linguagem for errada o conteúdo não serve para nada. Se você me trouxer uma mensagem, um texto do Engels ou de Jesus Cristo, de quem quer que seja, escrito em árabe, não serve pra nada. Não interessa se não for escrito numa linguagem compreensível. É inútil. Só que, na imprensa sindical, essa compreensão não é universal. Existem os que se preocupam com isso e outros que acham que isso é bobagem. Outra grande coisa é a forma. Hoje existem muitos jornais sindicais extremamente bonitos. Depois da internet, ficou mais fácil. Mas existem outros jornais feios, que o trabalhador vê e não tem nenhum incentivo de lê-los, mesmo que o conteúdo seja maravilhoso. Mas muitos sindicalistas e, consequentemente, muitos jornalistas sindicais acham que a forma é secundária. Não é. Sisjern. Suas pesquisas sobre comunicação sindical abordam bastante os operários. No entanto, a classe trabalhadora é composta também por trabalhadores com um pouco mais de instrução formal, letrados, doutores, etc. A Comunicação Sindical, para estas categorias, deve ser diferenciada? Vito Giannotti. Claro. Uma coisa é fazer um jornal para engenheiros, outra coisa é fazer para pedreiros. Há temas diferentes, há interesses diferentes. Não é só o interesse do salário que é comum a todos, há o interesse cultural. Um pedreiro nunca na vida irá a um filme num shopping. Um engenheiro vai. Num sindicato de engenheiro falam de filme, do último filme que ganhou em Cannes. Num sindicato de pedreiro nunca falarão em Cannes nos próximos 400 séculos. Sisjern. Talvez de 2 Filhos de Francisco... Vito Giannotti. Claro!!! Agora, para todos, engenheiros e pedreiros, eu tenho de apresentar um tratamento político das questões. Falar da crise econômica, do Obama, da ONU, fazendo o meu comentário político. Eu posso até concordar com Obama ou mandá-lo para o inferno, esta é outra questão. Mas vou falar, seja pro engenheiro, seja pro pedreiro. Agora, a grande questão é a linguagem. Tenho duas lições da Globo. Uma de 1994 e outra de 2005. A de 1994, o livro História Real dos Repórteres da Folha de São Paulo, dizia que o jornal deu uma aula a FHC, que era candidato na época: “Durante muitos anos, a Globo pesquisou uma forma nacional de falar e um repertório que fosse entendido pelo empresário e pela empregada doméstica". Em 2006, depois da campanha Lula X Alckmin, teve toda uma discussão na mídia brasileira, na internet principalmente, sobre a tentativa da emissora de ajudar a vitória de Alckmin. A Globo, para limpar a barra, convidou cinco doutores da USP para visitar suas instalações. William Bonner os recebeu e os acompanhou. Vez por outra da boca dele saíam frases do tipo "não, não temos que nos preocupar muito com os Homer. O telespectador brasileiro é um Homer” e falava isso numa brincadeira e outra. Essa era a fala que os doutores da USP ouviram. Horrorizados, já de suas casas, começaram a enviar e-mails dizendo que a Globo tratava o telespectador brasileiro como um Homer, aquele pai da família Simpson que é um perfeito cretino, alienado e idiota. Na internet rolou durante 15 dias essa discussão. Carta Capital, a revista mais inteligente do Brasil, cedeu espaço para a Globo dar sua versão. William Bonner escreveu: “Devemos ser claros para o doutor que tem a formação acadêmica mais refinada e para quem não teve educação nenhuma”. Ou seja, é perfeitamente possível escrever para um pós-pós-pós-doutor e para uma pessoa sem escolaridade – sem considerá-la um Homer, claro. Em vez de pronunciar “irreversível”, que um pós-doutor tira de letra, deve ser dito “que não voltará atrás”. A pessoa que não tem escolaridade nenhuma vai entender tão bem quanto o pós-doutor. Sisjern. No início dos anos 90, 12 pessoas, entre as quais o sr, fundaram, no Rio de Janeiro, o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). Quais os objetivos? Eles vêm sendo alcançados? Vito Giannotti. A comunicação sindical precisava melhorar. No conteúdo, na forma, na linguagem, na periodicidade, em tudo. Havia muita vontade, muitos jornalistas, muitos dirigentes sindicais querendo acertar, e precisávamos ajudar a acertar. Então nos juntamos – jornalistas, diagramadores, ilustradores, professores, historiadores – e decidimos investir nesse campo. Criamos o NPC e damos cursos pelo Brasil afora. E melhorou muito a comunicação sindical. Estamos aguardando estudantes que venham a fazer teses a respeito. Sisjern. O senhor acha que a pauta da comunicação sindical conseguiu penetrar na academia ou é vista com preconceito? Vito Giannotti. Muito pouco. Na década de 90, depois da década de mais greves, de lutas sindicais e operárias no Brasil, se criou um Núcleo de comunicação sindical na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Entre os alunos, Luis Momesso, Bruno Fuser, etc... Os professores que se formaram lá depois espalharam essa idéia de investimento na comunicação sindical. Bruno Fuser chegou a criar um curso de comunicação sindical na PUC de Campinas. Momesso sempre investiu nisso na UFPE. A profa. Desiree criou um curso de comunicação sindical e popular no MS. Houve esforços, mas, mesmo assim, a comunicação sindical não teve grande investimento ou grande ascensão. Hoje em dia há muito pouco. Na UEL, tem o prof. Rosinaldo que investe nisso. Ele quer criar uma disciplina específica. Existem cursos chamados de comunicação popular, comunicação comunitária, mas são extremamente fracos. Investe-se pouco neste campo o que é um erro, porque é um campo. A comunicação comunitária-popular-sindical é um campo grande que existe aí e pode ser expandido. Pode se criar dezenas de jornais sindicais, populares e se exigir financiamento público, exigir que seja reconhecido como um instrumento de democratização da comunicação. Então, há um campo muito grande de trabalho, só que se investe muito pouco. Existe a ilusão de que um jornalista que sai de uma faculdade de comunicação está pronto para trabalhar no sindicato. Não necessariamente está. Está pronto para trabalhar na mídia comercial, empresarial, mas para trabalhar num sindicato há um caminho a ser percorrido. Sisjern. Um de seus livros, Força Sindical, a Central Neoliberal – de Medeiros a Paulinho, aborda a estruturação desta central, aliada de Fernando Collor. Como o sr avalia hoje esta central, considerando, inclusive, o próprio refluxo neoliberal? Vito Giannotti. Está exatamente igual a quando foi criada. Nasceu no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, do Medeiros, de gente que veio da esquerda e depois a renegou – Medeiros, por exemplo, foi formado na URSS. Gente que aderiu ao sindicalismo burguês, patronal, empresarial. Combinava perfeitamente com a visão neoliberal que estava sendo implantada na década de 90 com o Collor. A Força Sindical foi a perfeita central sindical do neoliberalismo e continua sendo porque o neoliberalismo não acabou. Pode estar sendo contestado em alguns de seus princípios, devido à grande crise econômica, mas continua suas práticas e continua seu projeto e tem uma central nas suas mãos, que é a Força Sindical. Há outras centrais que são da mesma laia da Força Sindical, que nasceram no mesmo campo. Hoje em dia, o campo das centrais sindicais está muito mais confuso do que em outras épocas. Hoje, a Força Sindical é a mais legítima central sindical neoliberal, mas existem centrais que não são tão legítimas, mas são tão liberais quanto a Força Sindical. A NCST é a velha central pelega, o velho peleguismo que sempre existiu e continuará existindo. Sisjern. O sr co-organizou um livro chamado “Para onde vai a CUT?”, no começo dos anos 90, além de outros sobre esta Central. Naquele momento, os que ali escreveram já assinalavam mudanças perigosas no rumo da CUT. A CUT pelegou? Vito Giannotti. Na história do Brasil, foi a melhor central que existiu por longo tempo, procurando seguir seus princípios de fundação. Ela foi muito boa no início, e pouco a pouco, depois de seis anos, começou a ter problemas. Houve todo um processo para uma parte da CUT mudar os princípios, mudar a prática, e tornar-se uma central que não seria mais a de suas origens. Escrevi um livro em 1991 com o título perigoso CUT Ontem e Hoje. Era o começo de uma discussão interna de mudar determinados princípios, ou levar uma luta ao confronto de classes. Em 1994, escrevi outro livro, que foi Para Onde vai a CUT? O ponto de interrogação já dizia muita coisa. Era um momento de perplexidade, de não saber qual seria o caminho. E já apontava problemas que apareceriam 10 anos depois mas que já estavam presentes em 1994. O único que ainda não existia era a relação com o governo, que foi eleito pelos trabalhadores. Todos os trabalhadores, minimamente decentes, votaram no Lula com esperança. Uma vez que o governo teve seu início, muitos trabalhadores começaram a dizer “ué? E tal coisa? E tal promessa? E a esperança, como fica?” Ou seja, começou a haver uma contradição entre a esperança e a realidade, e aí passou a haver a contradição da CUT, além daqueles problemas históricos que tinha. Qual era o grande problema histórico? Era se a CUT continuaria a ser uma central diferente da Força Sindical. Se seria uma central de luta de classes, de confronto com os patrões, que apontava para o socialismo - porque nos estatutos da CUT, até hoje, tem que a central tem como obrigação lutar por uma sociedade socialista e democrática (está explícito três vezes no estatuto). Então a questão a partir de 1988/89/90 era, sobretudo, se a CUT continuaria a reafirmar seus princípios ou se iria se adequar ao momento de crise ideológica da esquerda, devido à reestruturação produtiva, e ia ser uma central dentro da ordem, que não apontaria mais para uma perspectiva socialista, essa era a questão histórica da CUT. Em 2003, com a vitória do Lula, nasceu outro grande problema, que é o grande impasse de hoje: qual é a relação que temos que ter com o governo? Como deve ser a independência, a autonomia em relação ao governo que a classe trabalhadora elegeu? É uma posição de confronto? Até quando? Qual o limite? Esse é o dilema de qualquer central em qualquer governo de centro-esquerda. Foi o dilema das centrais sindicais francesas com Miterrand e com o Jospim. Foi o dilema das centrais italianas, quando teve aquele período do chamado compromisso histórico, onde os comunistas passaram a fazer parte do governo. Desta crise nasceram divisões na CUT. Pela primeira vez houve rachas internos. Saíram pedaços importantes, com práticas diferentes. Sisjern. A conjuntura gerada pelo Governo Lula fez com que surgissem mais três centrais a partir da CUT: Conlutas, ligada ao PSTU, Intersindical, ligada ao Psol, ambas à esquerda, e a CTB, ligada ao PCdoB. Acabou qualquer possibilidade de unificação das lutas dos trabalhadores brasileiros? Vito Giannotti. Não. Acho que os trabalhadores podem se unificar independentemente das centrais. As que tiverem na mão dos patrões e dos governos evidentemente estarão contra. Agora, haverá os trabalhadores que se unirão, sindicatos que se juntarão, independentemente da central. Alguma central se unirá, pedaços de centrais, regionais de centrais que estarão juntas e outras não. Pra mim, é um enorme processo de reconstrução do movimento sindical. O movimento sindical brasileiro teve seu auge no final da década de 80. De lá pra cá veio caindo, caindo, caindo e hoje está num ponto de crise muito grande. Acho que tem de se construir essa unidade não contra as centrais, mas com as centrais que vierem, efetivamente. Sisjern. É cada vez mais comum às centrais, à exceção da Intersindical e da Conlutas, a atuação conjunta, incluindo aí a própria Força Sindical. O que o sr acha do Imposto Sindical? Vito Giannotti. O Imposto Sindical é uma extorsão aos trabalhadores, inventada pela burguesia na época de Getúlio Vargas. É para tirar da cabeça do trabalhador a idéia de que sindicato é uma organização independente, autônoma, mantida livremente pelos trabalhadores. É para criar a idéia de que sindicato é uma repartição pública, é um órgão do Estado Oficial que está aí para amenizar os conflitos. O Imposto Sindical é um grande fator de deformação da cabeça dos trabalhadores, e cito o Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro. São 400 mil trabalhadores na base, porém, apenas dois mil filiados. Para que mais? Não precisa, não querem mais sócios. Por quê? Porque vivem de 400 mil salários vindos do Imposto Sindical, independentemente do sindicato fazer ou não fazer algo de útil para o trabalhador. Essa é a grande deformação político-ideológica na cabeça do trabalhador, provocada pelo imposto sindical. Este é um dos princípios imutáveis da CUT, que hoje não se posiciona a favor, mas que não combate veementemente. Existem cutistas que combatem. O Antônio Carlos Spis, ex-presidente da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e da CUT/SP, num congresso de professores do RJ, semana passada, disse que é um roubo, e eu concordo. Sisjern. No peito de Vito Giannotti, ainda bate um coração cutista? Vito Giannotti. Bate. O coração da CUT dos primeiros cinco anos bate muito forte. Não tenho nada a mudar nos princípios da CUT dos primeiros anos. Sisjern. Há democracia na imprensa sindical, tendo como reflexo a pluralidade que atua na base sindical? Vito Giannotti. Acho que o problema é geral da democracia no Brasil. Temos uma enorme tradição histórica de falta de democracia. Convivemos com a escravidão, tranquilamente, até 100 anos atrás e, depois, com os regimes políticos em que a democracia sempre foi deixada de lado. As elites se divertiam ao ir ao parlamento, fazer um discurso aqui e ali, mas o povo era constantemente excluído de qualquer processo real. Então acho que a nossa tradição é antidemocrática e, na imprensa sindical, como em todas as manifestações da nossa sociedade, a democracia é extremamente falha. As opiniões que saem nos jornais sindicais são as da maioria que ganhou a eleição. A opinião dos que perderam não pode existir no jornal? Quem disse? Está escrito onde? Em que bíblia está escrito isso? Nós temos uma tradição autoritária, como em tudo na nossa sociedade. E as delegações dentro do sindicato refletem as relações sociais. Sisjern. E o JS? Tem lhe agradado? Abra o verbo para este editor que vos fala. Vito Giannotti. O JS precisa melhorar. A primeira coisa é criar vergonha na cara e passar a ser, no mínimo, mensal. Bimestral, o trabalhador não se acostuma a ler, não cria o hábito. As matérias mensais são mais frescas, mais fixas na memória. Outra, o jornal ficará menos entupido, menos atochado de notícia porque se tem que colocar naquelas oito ou dez páginas as notícias de dois meses, tem que encher de letras, de fotos, porque é um volume enorme de notícias. Então, a cada mês o volume diminui pela metade. O jornal sindical tem de servir para fazer um combate político-ideológico, pra armar os trabalhadores, municiá-los, fornecer-lhes argumentos, pra se defenderem da Globo, da Veja, da grande mídia. E como é que vai se fazer isso uma vez a cada dois meses? Não dá. O ideal para um jornal sindical é que seja diário. Porque o Norte é diário, a Tribuna do Norte é diária, o Diário de Pernambuco é diário, o Jornal do Comércio é diário, a Folha de S. Paulo é diária, o Jornal Nacional é diário. E nós vamos responder com 12 miseráveis páginas entupidas de notícias uma vez a cada dois meses? Então pra fazer a disputa de hegemonia, mesmo um jornal diário é pouco. Tem que ter muito mais instrumentos. O JS precisa passar a ser mensal e, depois, quinzenal. E precisa melhorar muito. Como é que vai melhorar? Tudo tem que melhorar. Uma indústria de calçado muda seus modelos, por exemplo. A havaiana de 30 anos atrás era aquela havaianinha azul, branca ou preta, não tinha outra cor. Depois chegou a verde e outra cor. Hoje existe uma loja de havaianas no Rio que deve ter uns 500 tipos de havaianas. Não é que estava errado antigamente, mas a coisa evolui. A mesma coisa o JS. Tem de melhorar a cada dia. Melhorar a imagem, a linguagem, a qualidade das fotos, as cores, tudo. Isso não é ofensa, é um elogio. Significa que se confia na capacidade dos profissionais que trabalham lá, de poder melhorar tudo. Passar do preto e branco para o colorido. Preto e branco não existe mais e o custo é quase o mesmo. Existem sindicatos no Brasil que investem mais de 30% da sua despesa em comunicação, mas tem de ter uma equipe de profissionais bons. Tem de treinar, de melhorar, tem de aperfeiçoar e tem de contratar gente. Sisjern. O sr publicou o livro 100 Anos de Luta Operária. Recentemente, o senhor lançou História das Lutas dos Trabalhadores no Brasil. Como seus demais livros, o texto é de fácil entendimento. Por que essa temática? Vito Giannotti. Começamos a dar cursos de história dos trabalhadores no NPC e depois eu escrevi sete, oito livros sobre a história dos trabalhadores no Brasil e no mundo. Nós vimos que o Jornal do Brasil, um jornal empresarial, me parece que em 1995, organizou um curso de uma semana para os seus jornalistas. Nós achamos fantástica a idéia e falamos: esse é um exemplo a ser seguido. Precisávamos organizar um curso de história dos trabalhadores do Brasil para jornalistas sindicais. Organizamos. Demos esse curso dezenas de vezes em todos os estados do país, para jornalistas sindicais. Aos poucos, descobrimos que os dirigentes sindicais estavam tão interessados quanto os jornalistas, porque os dirigentes sindicais também não sabiam nada sobre história do Brasil. Lembro de alguns cursos onde mais da metade dos participantes, dirigentes sindicais, não sabiam de que no Brasil havia tido uma ditadura. Chocante! Caso queiramos disputar a hegemonia na sociedade, temos que conhecer a história do nosso país; a história de Canudos, de Getúlio Vargas, do Imposto Sindical, a história das lutas, para parar de falar besteira, do tipo que no Brasil não se luta, e que lá fora sim, na Argentina, no Peru e na Bolívia, lá se luta. Essa é a visão que a direita, a burguesia, os patrões, os empresários querem dar. Claro, se convencer o povo que ele é conformista, não luta e não faz nada, ele vai dizer: não posso fazer nada, não vou fazer nada. O que temos que fazer é mostrar nossa história, nossos mortos, nossos marcos, como foram conquistadas as 8h, e não dizer que o 13º foi João Goulart que deu. João Goulart assinou-o depois de 12 anos tendo greves. Em 1947, em Santo André, havia greve exigindo o 13º salário dos Metalúrgicos e dos Químicos. E ainda ouvimos falar: “mas João Goulart deu”. Cuidado! Por que nós temos que estudar história? Para conhecer e disputar a nossa visão na sociedade. Mas fale do livro... Vito Giannotti. O livro veio como tragédia. Nos cursos de história que eu dava, ao final o pessoal perguntava: “qual é o livro que podemos consultar?” “tem um livro que explica tudo isso?” e eu me engasgava e tinha que citar no mínimo 15 livros bons, excelentes, maravilhosos, mas um falava da de Getúlio Vargas, outro falava da Ditadura, outro falava de Canudos, outro falava disso, outro daquilo, tudo picado. Eram livros excelentes, mas não havia para os trabalhadores nenhum livro-síntese, resumido, porque não adianta dar 10 mil páginas. Não vão ler. Eu queria que fosse de 200 páginas, não consegui. Acabou ficando de 500. Aí tive que cortar, cortar, cortar e cheguei a 310. É uma síntese. Não tem nenhuma genialidade no livro. É simplesmente a junção de uns 300 livros que li. O livro é simplesmente útil. Sisjern. Que cenários podem ser gerados no pós-crise? Vito Giannotti. Dois cenários. Primeiro o cenário capitalista, é claro. O capitalismo vai querer solucionar a crise, e não vai morrer. O capitalismo vai viver ainda depois da crise, tranquilamente. Como? Fazendo os trabalhadores pagarem pela crise. Serão garantidos os lucros do capital de outra forma, arrochando o salário, mandando milhões de trabalhadores para a rua, destruindo e retirando direitos para diminuírem os custos, para garantirem os lucros. Outra solução mágica para o capital, uma guerra. A crise de 1929 precisou da 2ª Guerra para se resolver. O capitalismo voltou a crescer no armamento para a guerra e, depois, na reconstrução das infra-estruturas dos países reconstruiu-se o capitalismo. Então o capitalismo tem solução, sim, para a crise. Há 10 anos o capital queria privatizar todas as empresas, os bancos, tudo. Hoje o capital exige que seja reestatizado para o dinheiro público cobrir o rombo que ele fez. Quantos bancos já foram estatizados nos EUA, quantos bilhões foram dados pra sustentar empresas? Isso é uma intervenção, que é uma heresia para os EUA. E quando a situação ficar mais tranquila eles, os capitalistas, vão exigir que se privatize de novo. Esta é a solução do capital, que inclui até a possibilidade de guerra. E qual é a outra solução? Os trabalhadores. Avançar, mostrar que a solução do capital é essa e nós temos que ter outra: não pagar pela crise. Isso significa greve, movimento, ocupações de fábrica, como na França. Ou os trabalhadores se organizam para isso ou vão ser exterminados alguns milhões de empregos. Há duas soluções. Só que os trabalhadores estão numa situação extremamente difícil. A esquerda está estraçalhada no mundo. Depois da desgraça que tivemos no século XX, depois da derrota do socialismo real, que nós deixamos acontecer, da URSS, Leste europeu, daí por diante. E cadê os PCs? A Itália, pela primeira vez, desde 1945, não tem um deputado comunista no parlamento. Na França, o partido comunista hoje tem 3% dos votos. Na Espanha, o partido comunista quase nem existe mais. Quer dizer, hoje há o enfraquecimento total da esquerda no mundo, que dificulta a proposta de uma alternativa. Sisjern. Mas não tem os PCs originários do socialismo real. A esquerda oficial da Espanha é o Psoe, que governa... Da França é o PS. São equivalentes ao PT, aqui. Neste aspecto, não estão tão fragilizados, embora estejam... Vito Giannotti. Mas a outra esquerda está muito fragilizada. Agora há a possibilidade de, pela base da organização, de novos movimentos, mas não é nada fácil. Acho que a esquerda está num momento muito difícil, mas é o momento de enfrentar ideologicamente, de mostrar a política do neoliberalismo, a necessidade de ter a nossa política e juntar gente, organizar para essas lutas concretas, de confrontos concretos com o capital, que vai querer destruir milhões de trabalhadores. Sisjern. No começo da entrevista o sr falou que quando veio da França para o Brasil tava lendo a questão da Revolução Cultural. O sr mantém aquela leitura? Vito Giannotti. Eu parei de ler sobre a China em 1976, quando a China aceitou a entrada da Pepsi Cola, com Nixon, aquele grande bandido da história, presidente dos EUA. Na Rússia, tinha entrado a Coca Cola. Era um momento de grande luta entre o modelo chinês e o russo, eu falei: realmente a diferença está se resumindo em se é Pepsi ou Coca. Parei de ler sobre a China, morreu Mao, eu não li mais.
Sisjern. Mas o sr acha válida a produção intelectual de Mao? Vito Giannotti. A revolução cultural foi um acerto? A Revolução Cultural é um caso muito complicado. Acho que a produção do Mao é uma grande contribuição ao marxismo mundial, que tem de ser salvaguardada, incorporada. Na revolução cultural tem de vir os elementos mais universais, mais permanentes. Tem muita coisa boa de combate ideológico à burguesia, à direita, ao capitalismo, e teve exageros, acho típicos da China naquele momento. Teve também o problema crônico geral de que nós, em todas as experiências socialistas, todas, não conseguimos conciliar democracia com socialismo e pagamos caro por isso.
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