Prato cheio para a sociologia e/ou a
psicologia das relações humanas este golpe fascista na Honduras, país onde
morei, numa das tantas paradas "dos meus diários de motocicleta sem
motocicleta" nos longínquos e ainda golpistas anos 80, onde, trabalhando
num restaurante de um exilado uruguaio em Tegucigalpa, observava diariamente os
"contras" e os marines americanos circulando impunemente na
cidade, planificando a derrubada da revolução nicaraguense de 1979.
Pois é, o país que foi o trampolim para
a queda da última experiência castrista/guevarista do continente e base também
em 1954 da invasão da Guatemala para a derrubada, promovida pela CIA, do
governo progressista de Jacob Arbenz - onde um jovem Ernesto Guevara iniciou a
última etapa da sua transformação em Che - não podia dar-se ao luxo de permitir
a ascensão de mais um presidente progressista, amigo de Cuba e próximo da Alba
(Aliança Bolivariana das Américas). Ou seja, mais uma intromissão nos planos do
contra-ataque da direita no continente (vide Venezuela 2002, Bolívia 2007,
etc.) que vê seus privilégios de classe ameaçados por uma crise mundial fruto
da ambição desenfreada dos seus exorbitantes lucros.
Mas o que me provoca indignação é a
postura discursiva enganosa do mais novo fantoche do establshiment
norte-americano, o popular Obama e o seu discurso “progre” de conciliação e a
sua advertência – leve – e diplomática aos golpistas hondurenhos. Isto não pode
nos levar a confusões sobre qual é e sempre será – como sempre foi – o foco da
economia ianque – e os seus aliados europeus e hoje também asiáticos: a
exploração pura e simples do planeta em beneficio de uma sociedade consumista,
idiotizada e omissa como a norte-americana e os seus imitadores genuflexos
espalhados pelo mundo. (Em tempo: a tradução brasileira do titulo do livro de
Michael Moore, “Stupid White Men” para “Uma nação de idiotas”, foi uma
verdadeira piada de “bom gosto” do editor).
Com o extremo cuidado de não afetar os
“ganhos morais” - depois da tenebrosa era Bush - ao redor do mundo durante e a
partir da sua histórica assunção, através da aceitação de um novo imperialismo
vendido como mais brando, não podemos nem devemos nos iludir sobre as reais motivações
que ativaram esta desproporcionada reação dos empresários locais – manobristas
dos interesses das grandes firmas transnacionais com assento nos EUA - através
dos seus gestores legislativos no Senado e na Assembléia Legislativa.
A aproximação do presidente Zelaya à
Venezuela bolivariana de Hugo Chávez, onde massas relegadas por séculos ao
esquecimento hoje são protagonistas de um processo social surpreendente e sobre
as quais constroem até hoje o american way of life as classes
latino-americanas acomodadas, foi o estopim do golpe
militar/empresarial/político de um país historicamente acostumado a ser base de
contra-revoluções naquela área geográfica.
O pretexto: um plebiscito popular que o
presidente Zelaya convocou para rever os mecanismos eleitorais da Constituição
e outras reformas. Com certeza, a elite hondurenha imaginava o resultado
negativo para os seus interesses comerciais, que um pouco de liberdade e ganhos
sociais recentes estavam criando no seu latifúndio centenário. Convocação
que, aliás, é urgente e fundamental em nossos países para modificar este
arremedo de democracia burguesa e marqueteira numa verdadeira democracia
popular e participativa. O que está por trás disto é a mesma lógica monopolista
norte-americana que respondeu com o golpe contra Jacob Arbenz nos anos 50,
quando este ousou tocar nos interesses de uma das principais empresa
monopolistas do Tio Sam, a United Fruit Company, promovendo a reforma
agrária no “pátio traseiro do Império”.
Portanto, que o exemplo heróico nas
ruas das massas venezuelanas em 2002, recolocando SEU presidente no poder,
diante do golpe midiático organizado pela CIA e a oligarquia local, sirva hoje
de espelho aos patriotas hondurenhos para reconquistar seu destino de
liberdade. E, utilizando as armas que a mídia hegemônica mundial nos
proporciona, que o clipe de Michael Jakson, que está percorrendo o mundo nestes
dias, desde o morro de Santa Marta no Rio e o Pelô do Olodum na Bahia: They
don’t care about us (“Eles não ligam para nós”) seja o fundo musical da
revolta popular latino-americana para repelir este início dos contra-ataques em
curso dos exércitos golpistas a serviço das multinacionais. Que o luto pelo
ídolo pop se estenda também a estas práticas que nunca deveriam ter retornado da
profunda noite do esquecimento. Mas este, sim, sem nenhum tipo de lamentações.
* Carlos Pronzatoé poeta e cineasta/documentarista