Por NPC Bia Barbosa defende regulação do setor de comunicação e a produção de meios alternativos
Bia Barbosa, do Intervozes
Por Katarine Flor 25.06.09
Em entrevista ao Boletim NPC, Bia Barbosa, do coletivo Intervozes, falou sobre a
importância de se democratizar os meios de comunicação. Ela afirmou que “a falta de
representação, nos meios de comunicação, da diversidade que está presente na
nossa sociedade, gera todos os tipos de distorções e impede que a gente crie
uma sociedade realmente democrática”. Para ela, é necessário investir em formas
alternativas e comunitárias de comunicação, além de se lutar por uma regulação
do setor de comunicação. “É preciso não confundir ‘liberdade de imprensa’ com ‘liberdade
de empresa’, já que, sem regulação do mercado, vira lei do mais forte”. Confira
a entrevista.
O monopólio
dos meios de comunicação interfere na liberdade de expressão que é um direito
de todos?
Quando a gente fala em liberdade de expressão em
uma sociedade que é mediada pelos meios de comunicação, essa liberdade só se dá
de forma plena se passar pelos meios de comunicação.Como você falou, a gente vive em um cenário
de absoluta concentração dos meios de comunicação. São pouquíssimas pessoas
falando, e 190 milhões somente ouvindo.
Claro que tem uma luta enorme pela democratização.
E tem aumentado cada vez mais a produção de comunicação popular e comunitária
pelos movimentos sociais e comunidades... Mas isso ainda representa um universo
muito pequeno frente ao grande poder dos meios comerciais. Nesse cenário, o
direito à comunicação é violado, pois envolveria o direito de receber uma vasta
gama de informações plurais e de veicular a sua própria visão dos fatos. Isso é
prejudicial à democracia do país, porque quando você tem o poder de emitir
informações, com isso você emite valores, cultura, “visão de mundo” e visões
políticas. É prejudicial para democracia quando isso está concentrado nas mãos de
um grupo muito pequeno - aqui no Brasil são empresas familiares. Porque, além
de não dar voz a visões diferentes que esses grupos emitem, não reflete a
diversidade que o Brasil tem.
A gente liga a televisão e não vê a nossa diversidade
étnica racial, regional, cultural no espaço dos meios de comunicação em massa. O mesmo acontece
com a televisão, jornal, revista, rádio... E a falta da representação dessa
diversidade, que está presente na nossa sociedade, gera todos os tipos de
distorções e impede que a gente crie uma sociedade realmente democrática. Se
não tem os negros falando, se não tem as mulheres produzindo conteúdo, a visão
sobre eles segue estereotipada. Então, a gente tem um cenário de violação
desses direitos.Que é extremamente
prejudicial para a democracia do país.
Como acabar com esse
monopólio nos meios de comunicação e construir uma comunicação mais plural?
Existem duas formas de acabar com esse monopólio. A
gente brinca que no Brasil a gente regula o monopólio do chocolate e da pasta
de dente. Quando a Nestlé quis comprar a Garoto, não pode comprar. Quando a
Kolinos dominou uma parcela muito grande do mercado, teve que vender e fazer
a Sorriso.
Mas os monopólios dos meios de comunicação a gente
não regula. São dois caminhos para a gente combater: por um lado, regular os
monopólios; por outro lado, promover uma pluralidade maior de criação de
veículos, de fontes de informação. É fundamental incentivar rádios comunitárias,
jornais de bairro, TVs comunitárias, canais públicos etc.
Por outro lado, é necessário regulamentar o mercado
da comunicação. Isso não significa nenhuma forma de censura, mas impor regras
para o funcionamento de um mercado que, se não as tiver, vai monopolizar. Nós
vivemos em um sistema capitalista, e a tendência é a concentração da
propriedade. Então, você precisa impor limites, por exemplo, em relação ao
número de emissoras que o grupo pode ter, ao alcance dessas emissoras... Se o
grupo controla um certo percentual da cadeia de televisão, ele não pode
controlar a de rádio. Se ele controla o rádio, não pode controlar o impresso.
Essas medidas existem em vários países, e o Brasil nunca implementou. Nos EUA,
nenhuma empresa de televisão pode ter mais do que 39% da audiência, porque isso
significa o monopólio da audiência. Se uma empresa chega a ter 39% de
audiência, ela tem que vender um percentual da sua rede. E isso acontece nos EUA
que é um país super liberal, e que faz isso para garantir competição no
mercado. Aqui no Brasil nem a competição no mercado a gente está preocupado em
garantir.
De que
maneira os a imprensa alternativa, sindical, rádios comunitárias, entre outras
poucas outras que já existem podem contribuir para o debate sobre a importância
da criação de novos veículos e uma comunicação diversificada?
Durante muitos anos os setores progressistas, para
não falar só da esquerda, não entenderam o quão estratégico era investir em comunicação. Teve
uma época que o movimento sindical tinha uma tiragem conjunta de jornais que
superava o número dos grandes jornais em circulação para a população. Mas não
havia um trabalho coletivo, uma estratégia conjunta de pautas... E isso até
hoje se reflete. Se você pensar, hoje nós não temos no Brasil, como existe em
vários países, um jornal diário, de circulação nacional, que assuma uma linha
editorial de esquerda. Isso seria natural em qualquer democracia. E a gente não
tem.
Os setores progressistas não deram atenção e seguem
não dando atenção ao quão estratégico para transformação de qualquer sociedade
é você investir na comunicação. Por outro lado, existem os interesses políticos
e econômicos de quem não quer transformar essa situação, e que barra qualquer
processo de transformação nesse sentido.
Então, a gente precisa de mobilização social para
conseguir cobrar do Estado brasileiro, independente do governo que esteja lá, o
desenvolvimento de políticas públicas e de uma regulação do setor de
comunicação no Brasil que favoreça o surgimento de novos veículos e de uma
diversidade maior na mídia. Nesse sentido, os jornais alternativos, a imprensa
sindical, os veículos que tem surgido na internet têm que trabalhar de alguma
forma coletiva, reivindicando uma pauta comum da transformação da mídia.
O momento atual é propício para isso, com a realização
da Conferência Nacional de Comunicação. Se a gente conseguir unificar um
discurso da sociedade civil, dos movimentos sociais, da imprensa alternativa, da
imprensa de esquerda, para fazer essas reivindicações no campo da Conferência, a
gente certamente vai aumentar as chance de transformação neste cenário. Mas, se
seguir cada um preocupado com seu público, com a sua pauta, com seu umbigo, vai
continuar um monte de gente isolada, enquanto, do outro lado, os empresários
estão muito articulados para impedir qualquer avanço.
A TV Brasil
está em um bom caminho para a construção de uma TV pública? E qual é o papel da
sociedade neste processo?
Acho que pode funcionar, e o Brasil precisa que
funcione. A gente precisa garantir um caráter público da TV Brasil, com a
criação de espaço de participação popular em todos os processos. Desde a gestão
até a definição do conteúdo. Um local em que a população possa dizer o que ela
quer, o que espera dessa televisão pública. Temos um desafio muito grande,
porque muita gente no Brasil não assistiu a TV Brasil. Tem cidades que ela
ainda não é transmitida, e outras em que só é disponível pra quem tem
assinatura de TV a cabo. Tem o desafio de a emissora ser transmitida em todo
território nacional, ser assistida e mostrar para a população que é possível
fazer televisão de um outro jeito. Uma emissora de televisão com
responsabilidades em relação às demandas sociais, e que respeite os direitos
humanos. Que funcione com base no interesse público, e não no interesse
privado. A nossa expectativa é que a população brasileira, tendo acesso a esse
tipo de conteúdo, perceba a importância disso e se mobilize para consolidar a
criação de um sistema público no Brasil.
Quais são as
suas perspectivas para a Conferência Nacional de Comunicação? Acredita que vai
chegar a um resultado favorável?
A Conferência é uma possibilidade de “ouro” para se
levar esse debate até a sociedade. Os processos de conferência são mecanismos
de participação popular, que estão sendo cada vez mais apropriados pela
sociedade civil organizada nas mais diferentes áreas. O fato de a gente fazer
uma conferência de comunicação e mostrar que a população pode opinar sobre a
comunicação e as políticas que ela quer sobre o país, para mim isso em si já é
uma transformação muito grande diante do que a gente vive historicamente.
Agora, vamos ter um forte embate com os empresários,
que já estão muito bem organizados, com sua pauta definida, querendo impedir
que debates como os de conteúdo sejam travados na Conferência. E a gente não
pode chegar enfraquecido do nosso lado, do lado da sociedade civil organizada
não-empresarial. Para isso não acontecer, temos que estar mobilizados, aproveitar
os espaços que estão abertos para essa pauta para informar sobre a Conferência,
sobre a importância da democratização dos meios de comunicação, e para traduzir
essa pauta para que chegue à sociedade.
O grande desafio é conseguir transformar esse
espaço da Conferência efetivamente em um espaço de transformação. Espero que a
gente consiga, a partir dessa luta, avançar muito. Se a gente conseguir
aumentar o número de pessoas interessadas em discutir comunicação, compreendendo
a importância disso para a transformação da sociedade brasileira como um todo e
se reivindicando como sujeito de comunicação e exigindo seu direito à
comunicação, bem, esse já é um passo muito grande.
A internet é
um meio importante para lutar contra o monopólio dos meios de comunicação?
A internet é, sem dúvida, um dos meios mais
democráticos que a gente tem hoje, e é importante que continue sendo. Existem
projetos em tramitação no congresso que querem regulamentar o funcionamento da
internet em um grau perigoso. De alguma forma isso iria acabar com essa
liberdade que é fundamental e é estruturante para o funcionamento da internet.
É importante combater a pedofilia e os crimes cibernéticos, mas isso não
significa regular a um grau excessivo que pode levar a limitação da liberdade
dessa rede.
A
regulamentação dos meios de comunicação é visto pelos donos da mídia comercial
como censura. Como vê essa situação?
Regulação é algo que se faz antes. Censura é algo
que se faz posteriormente. Então são questões diferentes. Definir regras para o
funcionamento de qualquer setor não significa que é censura ou que vai
restringir a liberdade desses veículos. O problema é que esses meios de
comunicação usam esse argumento sempre que tentam qualquer regulamentação para o
setor. A gente tem um histórico de ditadura militar no Brasil, quando a imprensa
foi completamente censurada, e os meios se aproveitam desse histórico para
fazer comparações que não se justificam na democracia que a gente está querendo
construir. Então precisa combater essa lógica de que qualquer regulação é
censura, porque não é. Sem a regulação do mercado vira a lei do mais forte. E
aí vira a liberdade de empresa e não de imprensa que a gente defende. E muito
menos liberdade de expressão do movimento como um todo.