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Entrevistas
Maria Victoria Benevides – ‘Jornal não pode mentir’


Foto: Folha Universal

[
Por Daniel Santini/ Folha Universal] A cientista política, socióloga e educadora Maria Victoria Benevides, da Universidade de São Paulo (USP), é uma das pesquisadoras mais importantes da área de Direitos Humanos, além de ser especialista em história política brasileira e uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores (PT). No começo do ano, fez junto com o advogado Fábio Comparato um protesto contra editorial em que o jornal Folha de S. Paulo amenizava barbaridades acontecidas na Ditadura Militar. Por carta, os dois reclamaram do termo “ditabranda” e lembraram das torturas nada brandas do período. Acabaram chamados de cínicos. O desrespeito com os dois intelectuais motivou uma passeata em frente à redação e campanhas de cancelamento de assinaturas. Nesta entrevista, a professora, volta a fazer críticas ao jornal, e lembra que o jornalismo é serviço público e deve ser exercido com responsabilidade. “Temos que educar os jovens para cidadania, incutir o respeito ao bem público”, defende.

1- Após a polêmica da “ditabranda”, como vê os Direitos Humanos hoje?
Hoje, o mais importante, não só devido ao episódio da “ditabranda” mas também aos últimos anos, é que o tema entrou na agenda oficial. Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso foi criada uma secretaria e lançado um plano nacional. Quando eu estava na faculdade não se falava em direitos humanos ou cidadania, falava-se em reforma ou revolução. Depois, na Ditadura, começou-se a falar porque a violência atingiu a classe média, até então protegida de abusos da polícia.

2 – Mas ainda há violações, não?
Quis dar o contexto para mostrar como a noção foi estendida. Antes, se falava em miséria, mas não como violação de diretos humanos. Hoje, há consciência política e social de que fome é violação porque fere o direito à vida. Durante algum tempo a questão ficou ligada a assassinatos e torturas. Por isso, ficou a ideia de que é só para bandidos. Não é. É para proteger todos.

3 – Houve uma evolução então?
Sim, o conceito se alargou. Hoje, dá para falar sem ser acusado de defender bandido. Aliás, é interessante como as pessoas são benevolentes com certos crimes e com outros não. Considero hediondos os crimes contra economia popular, de banqueiros, de políticos com dinheiro público. É mais grave que latrocínio, que é uma coisa bárbara. As pessoas morrem por falta de remédio. Houve evolução. Hoje, por mais que muita gente torça o nariz, ninguém defende trabalho escravo, por exemplo.

4 – E os que fazem campanha contra a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do Trabalho Escravo (que prevê que terras em que houver escravos serão destinadas à reforma agrária)?
Tem gente que não só tem mente pervertida, como não tem vergonha de se expor, mas hoje há reação a essas pessoas. Não existe mais o silêncio complacente. Outro exemplo é o do aborto da menina estuprada pelo padrasto. Uma menina de 30 kg que o bispo ameaçou de excomunhão. Houve uma reação imensa.

5 – Como vê a situação dos jovens?
A falta de perspectivas é dramática. O número de desempregados jovens é altíssimo e eles não vêm saídas. As crianças do trabalho infantil e da prostituição vão virar o quê? Temos que educar os jovens para a cidadania, incutir os valores do respeito ao bem público, valores republicanos, democráticos. Isso não se limita ao ensino formal. O exemplo tem que estar em todas as áreas, nos partidos, sindicatos, ONGs, meios de comunicação de massa.

6 – Na imprensa?
Sim, as tevês e rádios são concessões públicas, têm que estar de acordo com a nossa Constituição, que se baseia no respeito aos direitos humanos, na República e na democracia. Os jornais são diferentes porque não são concessões públicas, mas, como são voltados para o público, também têm que seguir a Constituição. A propriedade do jornal é privada, mas a atividade não. É uma atividade pública. Jornal não pode fazer apologia da violência, não pode mentir. Eu e o professor Fábio Comparato fomos caluniados e recorremos à Justiça.

7 – É o episódio da “ditabranda” na “Folha de S. Paulo”? Como foi?
O episódio da “ditabranda” só assumiu a dimensão que teve por causa da primeira carta de um leitor. Isso mostra como é importante a participação de leitores. A maioria não lê editorial. O jornal se comportou de uma maneira absolutamente irracional. A repercussão foi tão grande que eles tiveram que reconhecer que tinham extrapolado. A palavra “ditabranda” é ofensiva e ultrajante para todos os familiares dos que morreram ou passaram por torturas. Isso chamou a atenção para o papel da “Folha” durante a Ditadura e eles, depois disso, ainda insistiram em retomar temas da época. Não podiam, em hipótese alguma, ter dado aquela matéria absurda sobre a participação da Dilma (Roussef) no Regime Militar.

8 – Publicaram que a ministra e hoje candidata planejou sequestrar o então ministro Delfim Netto? É isso?
Sim. Foi uma matéria indecente, com inverdades. O jornal acabou reconhecendo que a fonte não era fidedigna, que eles pegaram na internet de um grupo paramilitar que defende a Ditadura. Foram obrigados a se retratar. Não sou ingênua de achar que a imprensa tem que ser neutra. Isso não existe. Eu, como professora, não sou neutra. O que é preciso é clareza, transparência. Que eles declarem: “estamos apoiando a candidatura de José Serra”. Há jornais em que a linha é evidente como o “Estadão”, que é muito mais transparente e menos hipócrita que a “Folha”.

9 – A “Folha” afirmou que a senhora é “simpatizante da ditadura cubana e do socialismo chavista”. A senhora é?
Sou simpatizante da participação popular e acho que tem mais participação popular na Venezuela do que no Brasil. Participação popular política. Não tenho simpatia por vários aspectos da presidência do Chavez, mas, se você me perguntar, eu prefiro essa Venezuela do que a de antes, que estava na mão de uma oligarquia predatória vinculada aos Estados Unidos e aos produtores de petróleo. No caso de Cuba, eu tenho simpatia pelo sistema de saúde pública e educação, mas reconheço que, o que eles avançaram em democracia social, estão devendo em democracia política. Espero que a abertura em Cuba seja efetiva.

10 – A principal crítica aos movimentos sociais é a falta de respeito às instituições. Como vê atuações como a do Movimento dos Sem Terra?
O MST é o movimento social mais importante na história recente brasileira. Temos que ter um lado na vida e eu escolhi o lado de quem sofreu opressão, humilhação, quem foi jogado na miséria por essa sociedade excludente e que reage. Todos os países do primeiro mundo que hoje admiramos tiveram movimentos sociais na origem de seu desenvolvimento e lutaram pelos seus direitos.



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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge