Entrevistas
João Pedro Stédile: Movimentos sociais não conseguem falar com o povo
Entrevista ao Boletim NPC 80, em dezembro de 2005, durante o 11º Curso Anual do NPC. João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), participou do 11.º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicações, realizado entre os dias 30 de novembro a 3 de dezembro de 2005, no Rio de Janeiro.
Stédile falou ao público presente, jornalistas e dirigentes sindicais, sobre o Brasil que a imprensa sindical precisa mostrar. Ele concedeu entrevista ao Boletim NPC, onde fala do relatório da CPI da Terra, que Stédile classifica como "mero discurso ideológico", da imprensa burguesa e da deficiência dos movimentos sociais em criar os seus meios de informação com o povo ("Estamos muito atrasados nesse sentido"). Boletim NPC. Como está a relação do governo Lula com as ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra? João Pedro Stédile. Primeiro aspecto é a questão da Reforma Agrária em si, mais do que as ações do MST. O MST tem uma relação de autonomia com o governo, que nos permite elogiar no que é bom e criticar no que é ruim. Mas, no tema da reforma agrária, infelizmente o governo Lula está em dívida com os camponeses porque ele não conseguiu colocar em prática nem o seu próprio plano nacional de reforma agrária. Nem no sentido da concepção do programa que tinha uma visão de fortalecer a agricultura familiar e camponesa, nem no sentido de alcançar as metas previstas em assentar 400 mil famílias nos 4 anos e até agora o governo assentou em torno de 180 mil famílias, então, o governo tá em dívida. Nós fizemos uma marcha a Brasília em maio, no final da marcha fizemos um acordo de sete pontos. De novo, até agora o governo não honrou com seu compromisso de resolver aqueles sete pontos. Em especial no item que diz respeito na mudança de critérios para classificar se uma propriedade é produtiva ou não. Que é fundamental para você ampliar as desapropriações que é o que se chama de o índice de produtividade das áreas. Isto é o governo que decreta por portaria e até agora o governo não teve a coragem de assinar uma portaria que o ministério de Desenvolvimento Agrário preparou desde junho de 2004. De maneiras que: Atenção Sr. Lula, o sr. Está em dívida com o MST. Boletim NPC. O MST reconhece alguma legalidade no relatório da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da Terra? A aprovação do relatório provocará mudanças nas ações do movimento? Stédile. A direita parlamentar usou desde o início a CPMI como um mero palanque ideológico para tentar desgastar o governo, desgastar a idéia da reforma agrária e deixar o MST na defensiva. Por isso eles foram prolongando a CPMI. Acho que é a CPMI mais antiga da história. Ela durou 2 anos e meio. Ela foi convocada em agosto de 2003 e funcionou em novembro de 2005. Então, nós não tínhamos ilusões que a CPMI era uma coisa séria para discutir os problemas da reforma agrária. Ela sempre foi usada pela direita para nos fustigar. E lá na direita sempre tiveram religiosamente 13 parlamentares de diversos partidos políticos vinculados a UDR, chamada de bancada dos ruralistas. E do nosso lado do MST e das forças progressistas eram apenas 8 deputados. Mas, felizmente o relator final era o João Alfredo, ele sempre foi a favor da reforma agrária em sua vida inteira. O que a direita fez foi não aprovar o relatório oficial e aprovar o substitutivo, que é um mero discurso ideológico. Não tem valor nenhum. A idiotice dos ruralistas foi tão grande, usando propostas como esta de que invasão de terras é crime hediondo e tentando indiciar os dirigentes do MST, que a própria imprensa burguesa se deu conta que eles avançaram o sinal e vocês devem ter percebido que a imprensa burguesa não valorizou o relatório da UDR, de certa forma, até desqualificaram também, então as conseqüências políticas do relatório da UDR não vai ter eficácia nenhuma. E nós, evidentemente, vamos pegar o relatório oficial do João Alfredo e procurar dar divulgação e inclusive pegar assinaturas de deputados. Eu duvido que os ruralistas consigam muito mais assinaturas do que as 13 que votaram lá no dia. Então. Ele é um relatório completamente manipulado. Insignificante. E não representa nem as forças que estão no parlamento. Boletim NPC. Qual a relação possível com a imprensa que aí está? Stédile. Tem muita gente que se ilude. Eu mesmo de vez em quando publico artigos na imprensa burguesa: Folha de São Paulo, O Globo. Mas isso não representa que a imprensa seja democrática ou que nós podemos nos iludir. Aqui no Brasil, talvez seja o país do mundo em que ta mais claro como a burguesia usa os seus meios de comunicação. Primeiro lugar, eles usam para ganhar dinheiro. É apenas uma fonte de lucro. Em segundo lugar, a imprensa no Brasil é articulada de forma oligopólica pra controlar o que o povo deve assistir e ler. Em terceiro lugar, como dizia Gramsci, nos países periféricos a burguesia não usa partidos políticos institucionais pra fazer a luta ideológica. Os partidos institucionais servem apenas para ascensão a cargos públicos. A verdadeira luta ideológica nos países periféricos eles fazem através da imprensa. Então a imprensa brasileira burguesa cumpre o papel de partido ideológico da classe dominante, pra orientar a sua militância e para fazer o debate ideológico na sociedade. É assim que nós vemos a imprensa burguesa. Ela faz uma manipulação que atinge as massas mais despolitizadas, que acreditam no que vêem na Globo. A imprensa burguesa sempre usa a palavra invasão. Porque invasão é classificado pelo código penal como esbulho possessório. Tomo um bem que é teu, em proveito próprio. E o que nós fazemos chama-se ocupação. E o conceito para ocupação é quando você mobiliza um contingente de trabalhadores, homens, mulheres e crianças, ocupam uma área, para que o governo cumpra a lei. Nós não tomamos a propriedade de ninguém. Eles criaram esse senso comum de que o MST faz invasão, como forma de instigar. Boletim NPC. Os movimentos sociais, populares e os partidos políticos de esquerda estão se comunicando como devem, com a sociedade brasileira? Stédile. De jeito nenhum. É uma tristeza. É uma lástima. A esquerda é incompetente para fazer meios de comunicação de massa. Não é pedagógica. Não sabe fazer. Nós estamos muitos atrasados na forma de nos comunicar com o povo. Eu estou falando como autocrítica, porque o MST também tem os seus meios de comunicação. Temos o jornal Brasil de Fato. A esquerda ao longo das últimas décadas desenvolveu mais experiência de comunicação com a sua militância. Com a militância nós somos melhores. Fazemos cartilhas, jornais impressos, revistas. Agora, de comunicação de massa, aí nós estamos muito mal, porque temos um refluxo dos movimentos de massa. Há toda uma geração que não pegou esta experiência concreta de como, no calor das lutas, temos que nos comunicar rapidamente, e aí envolve sobretudo o rádio, a televisão e um instrumento que é pouco referenciado pelos jornalistas, porque não é da profissão deles, que é a que chamamos de pedagogia de massas. A melhor forma de você se comunicar com as massas é fazer formas de lutas e fatos que levam a massa a entender a luta de classes. Então vou dar um exemplo. Recentemente, ficamos 5 anos tentando fazer o debate sobre a transposição do Rio São Francisco. Publicamos no jornalzinho, na CPT (Comissão Pastoral da Terra),e ninguém leu. Bastou um bispo resolver fazer 8 dias de greve de fome, aí pronto! O debate aflorou, todo mundo quis saber o que era. Isto é pedagogia de massas. Então, no tema do Rio São Francisco, quem foi o maior comunicador de massas? O bispo Dom Luiz Flávio Cappi. Ele pode não entender nada de comunicação, mas fez a melhor comunicação para o povo brasileiro. É isto que a esquerda tem que aprender a dominar. Formas de comunicar com as massas.
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Piratininga
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