Por NPC
Entrevista com o jornalista Mouzar Benedito, o autor do livro João do Rio, 45
João do Rio, 45 O livro João do Rio, 45, de Mouzar Benedito, aborda os anos da Ditadura Militar no Brasil. O foco é o dia-a-dia de uma casa no bairro Vila Madalena, de São Paulo, onde mora um grupo de jovens e a tia Hilda, parente de um deles, personagem que sempre esquece as chaves de casa e protagoniza uma série de cenas engraçadas. O grupo é composto em sua maioria por jornalistas. As histórias vão sendo narradas pela própria casa, situada na rua João do Rio, 45 a que o título do livro faz referência. Além das festas, neste endereço são organizadas também muitas reuniões e discussões políticas, assim como no Bar da Terra, local que servia como ponto de encontro entre jornalistas, militantes de esquerda e simpatizantes. Valadares, repórter do jornal de esquerda Em Tempo, é um dos personagens centrais da história. Ele escolheu a profissão de jornalismo para lutar contra a Ditadura Militar. Faz matérias com os prisioneiros políticos do Rio e São Paulo, e acompanha e participa da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Misturando ficção e realidade, são apresentados os causos que Valadares costumava contar nas reuniões em sua casa, que iam até tarde, e também acontecimentos que marcaram a história do nosso país. Dentre estes, a manchete da Folha de S.Paulo “Vírus Gay já apavora São Paulo”; jornais de esquerda como Pasquim, Movimento e o próprio Em Tempo; a invasão de tropas do Exército ao Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) em 17 de dezembro de 1968, quatro dias após o AI-5; reivindicações pela Anistia, como a greve de fome que durou quase 40 dias; entre outros fatos históricos. Há também a presença de um jornalista cubano do Granma; referências à música Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores, de Geraldo Vandré; e ao pelego Joaquim dos Santos Andrade, do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Joaquinzão, como era conhecido, era homem de confiança da Ditadura Militar infiltrado no movimento sindical. Com o desenrolar da história, diminuem as gargalhadas, as reuniões até tarde, as festas na Vila Madalena e as conversas - como uma maneira de mostrar a desilusão do autor com os rumos que o Brasil tomou. Com essas referências, o autor Mouzar Benedito mostra certa decepção com os novos tempos do país e com alguns dos antigos revolucionários, que pegavam em armas e, anos depois, passaram a reproduzir as práticas que condenavam. “O mundo - e o Brasil dentro dele - foi ficando careta, chato, individualista (isso é o que acho pior), sem perspectivas de mudanças revolucionárias... O próprio fim do livro, que não vou dizer aqui qual é, representa o fim de uma era”, disse o autor Mouzar Benedito, em entrevista ao Boletim NPC. Confira a entrevista com o jornalista Mouzar Benedito, o autor de João do Rio, 45:
BoletimNPC: Primeiro, fale um pouco da sua trajetória no jornalismo: onde e quando se formou? Por que veículos passou? Mouzar Benedito: Comecei na imprensa alternativa. Era formado em Geografia, pela USP, e trabalhava como orientador social no Sesc de São Paulo. Estava, por curiosidade, estudando chinês e tupi, no início de 1974, e resolvi entrar na faculdade de jornalismo (Cásper Líbero) porque via na profissão um canal de luta contra a ditadura, numa época em que a imprensa alternativa começava a se firmar. Ainda na faculdade, ajudei a criar o Versus e a colaborar no Pasquim e outros jornais. Ajudei também a criar o Em Tempo. Trabalhei ou colaborei em mais de trinta jornais, dentre eles Brasil Mulher, Mulherio, Jornal dos Bairros de BH, Juventud de Montevidéu, entre outros. Também participei de quase trinta revistas, como Guia Rural Abril, Teoria e Debate, Caminhos da Terra etc. Atualmente sou colunista das revistas Fórum e Revista do Brasil. BoletimNPC: Quando começou a escrever, e por que essa guinada para a literatura? Eu nunca tinha pensado em escrever livros. Em 1983, quando tomou posse a primeira turma de deputados eleitos pelo PT (havia alguns antes, que ajudaram a fundar o partido, mas foram eleitos pelo MDB), fui ser assessor de um deputado na Assembléia Legislativa de São Paulo. Comecei a achar o trabalho chato demais e inútil. Fui me irritando com aquele teatro de mau gosto, e um dia pedi demissão. O deputado foi legal, insistiu para que eu arrumasse outro emprego primeiro, depois ele me demitiria. Não topei, exigi ser demitido, e fiquei meses desempregado, matando cachorro a grito. No dia em que saí da Assembléia, senti um alívio enorme. Em casa, não conseguia dormir, fiquei bebendo e falando bobagens. Meia-noite, foi todo mundo dormir e eu não tinha o que fazer. Resolvi escrever uma matéria sobre o Barão de Itararé pro Pasquim. Fiz (saiu na página central) e terminei por volta das três da manhã, sem sono. Então fiquei escrevendo umas histórias até amanhecer. Nas duas noites seguintes, aconteceu a mesma coisa: escrevi matérias da meia-noite às três da manhã (frilas) e em seguida continuei escrevendo minhas historinhas. No final das três noites estava terminado o livro Santa Rita Velha Safada, que só fui publicar em 1987. O que me estimulou mais a escrever foi trabalhar na TV Record, das 7h da manhã às 15h, o que fiz durante quatro anos! Saía de lá puto da vida, muitas vezes encrencado com algumas pessoas, e com necessidade de extravasar. Chegava em casa e escrevia. Assim escrevi acho que uns dez livros, inclusive esse João do Rio, 45 (acho que foi em 2002 ou 2003). BoletimNPC: Você pode falar um pouco sobre sua experiência e militância no Em Tempo e outros jornais alternativos? Quando fundamos o Em Tempo, eu já colaborava em outros jornais de esquerda. Era um tempo em que havia muitos rachas na esquerda, inclusive nos jornais. O Em Tempo surgiu de um racha no Movimento (que estava sendo controlado pelo PCdoB), que, por sua vez, era um racha do Opinião (nacionalista de esquerda, do empresário Fernando Gasparian). E antes de sair o número zero do Em Tempo (formado por uma frente de esquerda), houve um racha de um pessoal que criou o jornal Amanhã. No início do Em Tempo, era difícil conciliar as tendências. Uma desconfiava da outra, e todos queriam ler todas as matérias. O jornal foi criado para ser semanal, e o fechamento do número zero, experimental, durou três semanas por causa disso. Havia muitas discussões, um cara via um tom foquista num texto que não tinha nada a ver, outro via um tom trotskista em outra... Depois, tendo que sair semanalmente, pararam com isso, mas eu não agüentava e saí. Só voltei quando toparam me dar espaço para fazer matérias sobre os presos políticos. Eu estava morando no Rio, onde um grupo do MR-8 dominava a sucursal. Eles censuravam matérias, não mandavam para SP as matérias que não lhes convinha. O MR-8 tentava dar um golpe no jornal e expulsar as outras tendências. Mas uma matéria minha que eles não mandaram para SP acabou sendo o estopim para o MR-8 ser expulso do jornal. E foi havendo brigas etc, até que o jornal acabou dominado por uma tendência: o pessoal que hoje está na Democracia Socialista, parte no PT e parte no PSOL. BoletimNPC: Partindo para o livro João do Rio, 45, por que escolher jornalistas como figuras centrais do seu livro? Você parece considerar a profissão como um exemplo, no passado, de luta contra a ditadura – ainda que muitos tenham sido coniventes. Qual sua opinião sobre o papel da imprensa alternativa naquele contexto? Eu me inspirei em experiências reais. Cada personagem surgiu de alguns exemplos de pessoas que conheci, o que não significa que um personagem seja exatamente uma pessoa conhecida; pode ser a soma de várias, com algumas licenças literárias. A imprensa alternativa teve uma importância enorme, não só na derrubada da ditadura, mas também na mudança de todo o jornalismo brasileiro. Até o Estadão, jornal mais conservador que existia, em termos de linguagem, foi influenciado pelo Pasquim, por exemplo. Pipocaram jornais militantes no Brasil inteiro. Varadouro, no Acre; Posição, no Espírito Santo; Boca do Inferno, na Bahia; De Fato, em Minas; Coojornal, no Rio Grande do Sul etc, etc, etc. Além disso, tinha os jornais feministas, dos homossexuais masculinos, o anarquista Inimigo do Rei e outros. BoletimNPC: Valadares revela que havia escolhido o jornalismo como profissão para lutar contra a Ditadura Militar. Agora, os jornalistas estudam para aparecer na televisão... É essa a visão que você tem do jornalismo atualmente? Infelizmente, na grande maioria dos casos, é. A gente achava que ia mudar o mundo fazendo jornais revolucionários, era uma baita ingenuidade, mas acho que valia. Mas não é só no jornalismo que acontece isso. As pessoas que queriam fazer teatro muitas vezes imaginavam que criariam um grupo teatral na periferia e iniciariam ali um foco revolucionário. Hoje, o que atrai grande parte dessas pessoas são as novelas. BoletimNPC: Com o desenrolar da história, vemos um decréscimo das gargalhadas, reuniões até tarde, festas, conversas e os causos contados por Valadares. Seria um pouco da desilusão com os rumos que o Brasil tomou? Sim, acredito que é isso. O mundo - e o Brasil dentro dele - foi ficando careta, chato, individualista (isso é o que acho pior), sem perspectivas de mudanças revolucionárias... O próprio fim do livro, que não vou dizer aqui qual é, representa o fim de uma era.
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