Por Vito Giannotti
Março de 2009
Quando
começou a ser comemorado o Dia Internacional da Mulher?
Quando
começou a luta das mulheres por sua libertação?
Qual é a
influência do movimento socialista na luta das mulheres?
E o 8 de
Março, como nasceu?
E, mais
importante de tudo. Como continuar a luta pela
dignidade,
igualdade e participação da mulher na sociedade?
A história da luta das mulheres e da
criação do Dia da Mulher é objeto de
muitos livros e artigos. É uma história longa e que vem de longe. Do século
passado. Para se ter uma idéia da extensão desta luta vamos voltar ao ano de
1910. Pois é. A decisão de criar o Dia da
Mulher foi tomada há quase cem anos. Em agosto de 1910, mulheres reunidas
na Conferência das Mulheres Socialistas, na Dinamarca, decidiram criar o Dia da Mulher.
Na ocasião, não ficou decidido qual seria
este dia. O mês de março foi escolhido ao acaso. Em cada país, as mulheres socialistas marcavam a
data do Dia da Mulher num dia qualquer, a sua livre escolha.
E como se chegou ao 8 de março? No dia 23
de fevereiro de 1917 pelo calendário russo, que correspondia ao 8 de março no
calendário ocidental, mulheres tecelãs da Rússia começaram uma greve que mudou
completamente os rumos da política do país. Foi o começo da queda do regime de
opressão do czar e o estopim da
Revolução Russa do mês de outubro daquele ano. Em 1921, a Conferência das
Mulheres Comunistas, realizada em Moscou, adota o dia 8 de Março como data
unificada do Dia Internacional das Operárias. A partir desta data, os comunistas
espalham pelo mundo o 8 de março como data das comemorações do Dia da Mulher.
A história desta greve ficou esquecida durante
muito tempo. E uma nova versão do 8 de março começou a circular entre o movimento
feminista e o movimento dos trabalhadores, nos anos 1950 – 1960. Uma história
triste que falava de uma greve, ocorrida no ano de 1857, em Nova Iorque, na
qual 129 operárias têxteis haviam morrido queimadas após o patrão ter ateado
fogo à fábrica.
Desde a década de 1970, porém, esta
história já era questionada por mulheres que estudavam o tema. Teria mesmo
ocorrido esta greve com mulheres queimadas? Não havia notícias sobre ela em
nenhum jornal ou outro documento da época. Sequer relatos orais. Várias
pesquisadoras foram à luta e pesquisaram a origem da data.
Depois de muito trabalho, muita pesquisa,
elas comprovaram que a origem do 8 de Março é bem outra. É a história da greve
bem sucedida das costureiras de São Petersburgo, na Rússia, em 1917, que
obrigou o czar a mudar radicalmente o regime que impunha ao povo russo
Vamos aos fatos?
No Brasil, um dos primeiros textos que
contam o nascimento do 8 de Março, sem a historinha das 129 mulheres queimadas
vivas, é o artigo 8 de Março: Conquistas
e Controvérsias, baseado em farta bibliografia, de 1995, da estudiosa Eva
A. Blay.
Em 2001,
a SOF publica um texto no qual conta a história da origem do Dia da Mulher: Dia Internacional da Mulher: em busca da memória perdida. Nele está escrito que o Dia da Mulher nasceu da decisão das mulheres socialistas, na
Conferência de 1910, com a única orientação de ser num dia específico. Na
Conferência não houve nenhuma referência à greve Nova Iorque e às 129 mulheres queimadas.
O texto aponta como origem do primeiro 8 de Março da história a famosa greve
das mulheres tecelãs de São Petersburgo, em 1917.
Ao final, indica, como referência
bibliográfica, o texto-chave sobre o assunto. Um livro de uma pesquisadora
canadense intitulado: O dia Internacional da Mulher – Os verdadeiros fatos e
datas das misteriosas origens do 8 de março, até hoje confusas, maquiadas e
esquecidas.
A autora, René Cote, após doze anos de
pesquisa prova, por meio de mil documentos, que a história da origem do 8 de Março
é mais bonita do que aquela que ouvimos até hoje das 129 mulheres queimadas
vivas.
Há vários outros estudos, em vários
países, cada um acompanhado de uma vasta bibliografia, que vão no mesmo sentido
das pesquisas da Côté. Um destes é um estudo de Liliane Kandel, de 1982, O Mito das Origens: sobre o Dia
Internacional da Mulher.
Neste texto, a autora mostra como se
construiu o mito das 129 queimadas. Como se chegou a inventar a tal greve que
nunca aconteceu, naquela fábrica que nunca existiu, com as 129 mulheres
queimadas que nunca existiram. Mostra que este mito nasceu, aos poucos, de uma
preocupação legítima dos comunistas franceses, nos anos 1950, querendo ampliar
o alcance do Dia da Mulher. Nasceu,
sem ninguém perceber como, da necessidade de sair da limitação de “Dia das
mulheres comunistas” e chegar a um dia geral da luta da mulher, seja ela
socialista, libertária, comunista, cristã, ou simplesmente mulher em busca de
sua identidade e libertação do peso de séculos de opressão.
A
origem do mito da greve de 1857
A primeira menção a essa greve, sem
nenhum dos detalhes que serão acrescentados posteriormente, aparece no jornal
do Partido Comunista Francês, na véspera do 8 de Março de 1955. Mas onde se dá
a fixação da tal greve de 1857 é numa publicação da Federação Internacional
Democrática das Mulheres, de 1966, na então Alemanha Oriental.
O artigo fala rapidamente, de um incêndio
que teria ocorrido em 8 de março de 1857 e matado 129 tecelãs. Continua dizendo
que, em 1910, durante a 2ª Conferência da Mulher Socialista, a dirigente Clara
Zetkin, em lembrança à data da greve das tecelãs americanas, teria proposto o 8
de Março como data do Dia da Mulher.
É aqui, neste artigo que começou a confusão toda.
Esta historinha teve origem da mistura de
vários fatos reais ocorridos na cidade de Nova Iorque, mas em outra época. O
primeiro foi uma longa greve real, de costureiras, que durou de 22 de novembro
de 1909 a 15 de fevereiro de
1910.
O outro fato foi um incêndio ocorrido
numa fábrica têxtil, em 25 de março de 1911 que causou a morte por falta de
segurança de 146 pessoas, das quais 125 mulheres.
Essa fábrica pegando fogo, com dezenas de
operárias se jogando em chamas, do oitavo e nono andar, nos dá a pista do
nascimento do mito daquela greve de 1857, na qual teriam morrido 129 operárias
num incêndio provocado propositadamente pelos patrões.É assim, pela combinação de casualidades,
sem plano diabólico pré-estabelecido, que nasce a maioria dos mitos. Assim
nasceu o das 129 queimadas vivas.
A canadense Renée Côté pesquisou, durante
doze anos, em todos os arquivos da Europa, EUA e Canadá e não encontrou nenhuma
traça da greve de 1857. Nem nos jornais da grande imprensa da época, nem em
qualquer outra fonte de memórias das lutas operárias.
Ela afirma e reafirma que essa greve
nunca existiu. É um mito criado por causa da confusão com a greve de 1910; com
o incêndio de 1911, nos EUA; e com a greve das costureiras de São Petersburgo,
na Rússia, em 1917.
O mito estava fixado, firmado e consolidado.
Agora era só repeti-lo.