Entrevistas
A comunicação como uma “arma” contra a hegemonia neoliberal
Entrevista com José Arbex Jr. a Nestor Cozetti, no Boletim 79 (nov/2005) Boletim do NPC. Que avaliação você faz sobre a cobertura da mídia envolvendo o governo e o partido do presidente Lula? José Arbex Jr. Não foi feita uma cobertura. Foi feita uma campanha. Na verdade a mídia desrespeitou os próprios manuais de redação que regulamentam a produção de notícias dos jornais. Primeiro, porque os manuais de redação estabelecem que todos os lados têm que ser absolutamente ouvidos e respeitados. Segundo, os manuais estabelecem que uma notícia tem que ser comprovada, para ser dada. Porque ela não pode ser baseada unicamente em declarações. A menos que todos os lados sejam ouvidos e todas as declarações tenham um peso semelhante. Então, todos os procedimentos éticos prescritos que foram estabelecidos pelos próprios manuais, foram desrespeitados. Ou seja, não foi feita uma cobertura. Foi feita uma campanha com base em declarações, as quais se deu um destaque muito grande. Independente do fato do PT ou do governo Lula ter ou não cometido crime houve uma predisposição da mídia no sentido de condenar ambos. Isto é óbvio e evidente. E uma demonstração disto é que, quando surge no meio do escândalo a evidência de que o Azeredo, ex-governador de Minas e presidente do PSDB, também teria sido implicado em fraudes envolvendo o Valérioduto, a notícia foi dada quase sem nenhum destaque. Até mesmo o ombudsman da Folha de S. Paulo, o Marcelo Beraba, anotou isto: a diferença de tratamento que a mídia dá quando surge alguma notícia, por menor que seja, referente ao PT, vira logo manchete. Quando tem um puta dum escândalo envolvendo o Azeredo, é subestimada. Então, isto demonstra claramente que a mídia não fez cobertura, fez campanha. Boletim do NPC. No Brasil a mídia age como partido político – dizem que a FSP é o órgão oficial do PSDB – ou apenas defende os interesses das classes dominantes? Arbex. Não é só no Brasil que a mídia age como partido político. A mídia burguesa age como partido político, como demonstrou Gramsci. Gramsci mostrou que a imprensa cumpre um papel fundamental para dar coesão ao processo de formação da sociedade civil. E mostrou também que a imprensa é controlada pelo capital privado, mas trata de assuntos públicos. Ou seja, ela é um veículo privado que trata de assuntos que não são privados, que são da esfera pública. E assim, esses assuntos da esfera pública são tratados de uma forma privada quanto ao seu conteúdo, ao seu direcionamento, ou a maneira pela qual eles são analisados, etc. e tal. Isto faz com que a imprensa tenha adquirido um grande poder com a segmentação da burguesia e com a economia burguesa, porque passa a exercer um papel que só é controlado pelo próprio capital. Que não é controlado pelas instituições públicas. Noam Chomsky observa que a primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos diz que o Estado não pode censurar a opinião pública. Mas a primeira emenda nada diz sobre as corporações, porque naquela época nem havia as corporações. Então, a corporação censura. A corporação controla, define o que é notícia e o que não é notícia. A corporação tem um poder tremendo de selecionar os fatos, de divulgar os fatos de acordo com os interesses corporativos. E dá para esses fatos a aparência de fatos públicos, quando na verdade são fatos dados de forma privada. Por interesses privados. Logo, a imprensa toda é partidária. Toda movida por interesses que não são os públicos. São interesses ideológicos, financeiros, econômicos, interesses capitalistas. Boletim do NP. Sempre os das classes dominantes? Arbex. Sim, as classes que controlam os meios de comunicação. O que aconteceu no Brasil é um agravante disto. Mesmo nos países capitalistas mais radicais, como os Estados Unidos, por exemplo, você tem certas leis que ainda tentam impor um certo controle às corporações. Os EUA têm uma lei que impede a propriedade cruzada dos meios de comunicação. Então, o sujeito que é dono da televisão de uma determinada região não pode, ao mesmo tempo, ser dono de um jornal impresso nem de emissora de rádio. Isto é proibido. Se for dono de uma emissora de rádio não pode ter televisão, nem jornal. No Brasil não se pode nem pensar na impossibilidade disto. Quem tocar no assunto vai ser logo acusado de comunista, radical, jacobino. Porque no Brasil não se admite qualquer restrição às corporações. Então, no Brasil este problema é agravado. Mas não que ele é típico do Brasil. A mídia se comporta como um partido em todos os países capitalistas, só que aqui este problema é agravado. Boletim do NPC. Por causa da propriedade cruzada? Arbex. E por causa da falta de leis. Não é só a propriedade cruzada. Dou outro exemplo: na França é proibida terminantemente a divulgação de propaganda de produtos infantis. Não pode ter nenhum produto infantil na televisão. Porque os que analisaram o assunto concluíram que implica necessariamente na erotização precoce das crianças. A propaganda de produtos infantis faz um apelo à capacidade sedutora da criança. Implica na entrada precoce da criança no mundo adulto. Então, é proibido. Agora, imagina no Brasil alguém querer proibir as propagandas para crianças. Boletim do NPC. Qual a principal motivação para as reuniões de pauta da mídia brasileira? Arbex. Já que ela é um partido e funciona como um partido a motivação é sempre política e econômica. Quer dizer, ela tem a mesma motivação que um partido teria para fazer uma reunião. Então, como a mídia é um partido que está no poder, os assuntos são como consolidar este poder. É como sedimentar e dar estabilidade a este poder. Então, a mídia funciona na verdade como uma espécie de intelectual orgânico da burguesia, para utilizar um termo de Gramisci. Ela organiza os interesses da burguesia, dá-lhes visibilidade, debate-os, e aponta soluções para os interesses da burguesia. Agora, tem um fator complicador disto: a mídia, por mais poderosa que seja, não é toda poderosa. Estou querendo dizer com isto que um jornal sem credibilidade não serve para nada. Para servir para alguma coisa as pessoas têm que acreditar neste jornal. Então, o Globo, por mais poderoso que seja, dificilmente dará a manchete de que o Papa foi visto andando nu em Roma. Assim, mesmo que os jornais possam muita coisa eles não podem tudo. Existem limites para aquilo que os jornais podem e não podem fazer. Para manter a credibilidade. Então, a reunião de pauta serve para isto também. Certas pautas acabam entrando no jornal mesmo contra a vontade dos donos, porque tem que manter uma certa credibilidade. E isto cria um problema para os donos, porque eles não podem mentir o tempo todo. E aí é que se dá um espaço de luta na mídia, que permite que jornalistas sérios trabalhem nos grandes veículos. Porque esses veículos precisam de jornalistas sérios que dêem credibilidade, mesmo que às vezes eles produzam coisas que no momento vão contra os interesses dos jornais. Então a reunião de pauta serve para isto também, serve para analisar a situação, que notícia vai ser dada. Boletim do NPC. A mídia constrói percepções da realidade, ou seja, ela manipula as consciências? Arbex. Total e absolutamente. Outro dia eu estive num debate com um jornalista da Rede Globo que insistia no fato de que a mídia busca a objetividade e a imparcialidade. E fiz a seguinte pergunta para ele: se a mídia busca mesmo isto porquê que toda vez que se fala em Osama Bin Laden, usam os termos fundamentalista, muçulmano, terrorista? Até aí nós estamos de acordo, ele é mesmo tudo isto. Mas então porquê vocês quando falam George Bush, não usam fundamentalista, protestante, terrorista, George Bush, por quê? O sujeito não tem como responder. Pergunta simples que não tem resposta para ele. O que se pode argumentar é que não há consenso sobre o fato de Bush ser terrorista. Mas há consenso sobre o fato dele ser mentiroso. Então, que pelo menos se use fundamentalista, protestante, e mentiroso. Pelo menos isto. Se quiser o menor sentido de equidade na hora de divulgar os fatos. Basta este exemplo para desmontar o edifício de ficção que é diariamente construído pela mídia. Quer dizer, é uma ficção diariamente construída em que você tem personagens malvados, você tem personagens bonzinhos, santos e pecadores. A mídia o tempo todo está construindo percepções, grandes consensos, educando percepções o tempo todo. É a total manipulação, porque é óbvio que os donos da mídia sabem que o Bush é fundamentalista protestante. Ele próprio fala que foi Deus quem determinou que ele fizesse isso ou aquilo. Fala que conversa com Deus diariamente. Todo mundo sabe que ele é fundamentalista protestante e todo mundo sabe que ele é mentiroso. Para não dizer terrorista. E, no entanto, o tratamento para Bush é um, para o Bin Laden é outro. Dois pesos e duas medidas. E há outros infinitos exemplos. Às vezes eu falo do MST. Eles – da mídia – sempre falam em invasão de terras e nunca em ocupação de terra. Eles sabem que os termos são diferentes, sabem que a invasão tem uma conotação de violência, de ilegalidade, de força bruta, etc. e tal. Eles sabem que o MST tem o direito de ocupar terras que não cumpram função social, está na Constituição brasileira. Sabem disto tudo. No entanto, escolhem os termos que interessam para eles, não aqueles que interessam para a notícia. Isto é manipulação.
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Piratininga
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