Por Raquel Junia e Sheila Jacob
O que define uma TV Pública? Quais as principais
diferenças em relação a uma TV estatal? Como a sociedade pode e deve participar
da programação da TV Brasil? Essas e outras questões foram respondidas pela
presidente da Empresa Brasil de Comunicação, Tereza Cruvinel, em entrevista ao BoletimNPC.
Ela contou sobre sua trajetória no jornalismo; apontou as principais metas da
TV Brasil; destacou o Conselho Curador e a Ouvidoria como instrumentos
importantes de participação; e falou sobre a diferença de conteúdo e de abordagem
entre a mídia pública e a comercial. Confira a entrevista.
Divulgação
BoletimNPC: Vamos
começar com sua trajetória no jornalismo. Conte um pouco sua história.
Tereza
Cruvinel: Eu
costumo dizer que sou uma jornalista tardia. Me graduei na Universidade de
Brasília (UNB). Era o período da Ditadura Militar, fui líder estudantil, e acabei
sofrendo punições. Eu era militante de uma organização de esquerda, e vivi na
classe operária no período em que estava na clandestinidade. Com isso larguei
meu curso de jornalismo por alguns anos. Eu tinha estudado economia e letras
também, e estava tentando me encontrar com o jornalismo. Mas a política fez com
que eu atrasasse uns anos a formação – com os processos, prisão, clandestinidade
e essa experiência de trabalhar em fábrica e viver na classe operária. Então só
depois da Anistia, em 1979, eu voltei para a Universidade para concluir meu
curso de jornalismo – por isso digo que sou jornalista tardia. Mas, mesmo sem
me dedicar profissionalmente a isso, escrevi em periódicos de resistência à
Ditadura, como a revista Versus.
Depois que me formei, em 1980, em Brasília, fiz uma carreira rápida. Fui
repórter da TV Brasília, Jornal de
Brasília, Correio Braziliense, O Globo, Jornal do Brasil, e voltei para O
Globo, onde me tornei colunista política. E trabalhei também na Globo News
por dez anos. Fiquei 22 anos escrevendo a coluna “Panorama Político”, no jornal
O Globo, até que saí no final de 2007
para criar a Empresa Brasil de Comunicação.
BoletimNPC: De que organização de esquerda você participou?
Fiz parte de algumas. Nesse período eu era da
Convergência Socialista, que hoje é o PSTU. Foi nesse período que sofri uma
punição da UNB, e depois um processo de Lei de Segurança. Aí eu vivi um pouco
no ABC e um pouco na Baixada Fluminense. Anistiada, voltei para a UNB para
terminar meu curso, e fiz mestrado em seguida. Mas deixei a carreira acadêmica para me
dedicar à prática jornalística.
BoletimNPC: Você chegou a receber indenização?
Não, eu só pedi a reintegração na Universidade de
Brasilia. Aí foi um processo da própria Universidade, porque a UNB tinha o
regimento disciplinar que era mais rigoroso que o próprio decreto 477, o que
permitiu o desligamento de estudantes das universidades federais. Então eu nunca pedi indenização, mas quero pedir
o prazo de contribuição previdenciária, porque perdi um grande emprego. Eu trabalhava
no IPEA (antes Instituto de Planejamento Econômico Social, e hoje Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada).
Nesse período fui desligada do IPEA, mas hoje sou
jornalista, e não cabe pedir reintegração. Eu acho também que a indenização
cabe a quem não pôde reconstruir sua vida. Eu consegui. Era muito jovem, e
minha carreira de jornalista foi vitoriosa. Acho que, neste caso, não cabe
pedir indenização.
BoletimNPC: Além da revista Versus, em que
outros veículos alternativos você trabalhou?
Eu era da equipe mesmo da revista Versus, mas escrevia eventualmente no Movimento, no Opinião...
Depois criamos O Berro da Baixada, que durou uns dois anos. Esse jornal foi lançado na
Baixada (Fluminense), onde fui operária e participei de movimentos sociais com o
Dom Adriano Hipólito, que era grande liderança na Baixada. Vivi lá alguns anos
na clandestinidade. Eu e muita gente.
BoletimNPC: Como esses fatos contribuiram para sua atuação como jornalista?
Acho que fiz uma carreira muito rápida depois. A partir
de 1980, quando eu me formei, me afastei da militância e de qualquer
organização política para me dedicar ao jornalismo profissionalmente. Agora, se
digo que fui jornalista tardia, também fui colunista muito jovem – e é onde a
maioria dos jornalistas quer chegar: ter uma coluna própria, assinada etc. É
claro que minha experiência política, de vida, minha vivência intelectual adquirida
junto aos movimentos, tudo isso certamente contribuiu para que tivesse êxito na
abordagem das questões políticas e me tornasse uma colunista respeitada. Nunca
misturei minhas visões políticas pessoais com o exercício da análise política
que fiz durante aqueles anos todos na coluna do Globo, que foi duradoura. Saí porque era um desafio interessante o
de formar uma equipe e construir a TV Pública no Brasil. Mas eu gosto de política,
e gostaria de continuar a escrever sobre isso.
BoletimNPC: Mas a diferença é grande entre uma TV comercial e uma TV Pública, não é?
É grande, principalmente pelo fato de eu não estar à
frente do jornalismo, apesar de não estar alheia a ele, é claro. Temos uma
diretora de jornalismo, Helena Chagas, e eu sou presidente da Empresa Brasil de
Comunicação. Logo cuido de muitas
outras coisas – desde tecnologia a problemas com o pessoal, passando pelo jornalismo
e o resto da programação. É um mundo de coisas que não me permite ficar
conectada o tempo todo no jornalismo. É também um aprendizado.
BoletimNPC: Mas com relação a conteúdo também há diferença, não é? Estávamos comentando
sobre o documentário “Nas terras do Bem-virá”, transmitido pela TV Brasil, que
trata da Reforma Agrária. É um tema emblemático, que a mídia comercial não
trata, ou trata de maneira a criminalizar os movimentos sociais. O enfoque da
TV Brasil é diferente...
A TV Brasil, como toda TV Pública, tem compromisso com o
pluralismo. Há questões que não têm espaço na TV Comercial, e que precisam ter
entre nós – sejam elas de fundo político, social ou até mesmo cultural. Por
exemplo: nós vamos fazer novamente transmissões sobre as festas juninas do
Nordeste...
BoletimNPC: Inclusive programas e documentários sobre a África, América Latina...
Isso. Se a função da TV Pública é ser complementar e diferenciada,
então isso é dar espaço para esses temas que a TV comercial não põe na sua
agenda. E a razão é muito simples: a TV comercial é financiada pela
publicidade, então tem que fazer programação de olho na audiência, porque é o
que traz dinheiro. A TV Brasil também quer ter audiência, claro, mas não sem
abrir mão de seus compromissos, de sua finalidade, de sua missão. O desafio é
maior. A questão da terra, por exemplo, é um tema da Agenda Nacional pouco
tratado pelos meios de comunicação. Nosso desafio grande é: como conciliar a
tarefa da TV Pública, e ao mesmo tempo fazer com que ela seja vista pelo maior
número de pessoas.
BoletimNPC: Muita gente confunde TV Estatal com TV Pública. Quais são as principais
diferenças? O que torna uma TV Pública?
Existe realmente essa confusão, se a TV Brasil é do
Estado, do Governo, ou Pública. Por quê? Porque desde a criação da TV no
Brasil, nos anos 50, nós nunca tivemos canais públicos como os de outros
países, que são entendidos como televisões da sociedade sob controle social,
ainda que o Estado seja o maior financiador.
A TV nasceu privada no Brasil, com Assis Chateaubriand.
Mais tarde começaram a surgir os canais estatais. A primeira TV Estatal é a TV
Nacional de Brasília, inaugurada por Juscelino em 21 de abril de 1960. Hoje
esse é o canal da TV Brasil em Brasília. Depois surgiram as TVs Educativas, que
também não eram exatamente TVs públicas. Foram criadas sob o controle dos
governos estaduais – portanto estavam entre estatais e governamentais, embora algumas
tenham ganhado mais características de TV Pública – como a TV Cultura de São
Paulo.
Quando teve o debate da criação da EBC e da TV Brasil, foi
muito difícil convencer as pessoas de que estávamos querendo criar algo que não
exisita. Surgiram os jargões, como TV do Lula, do Governo, do PT etc, mas não é
nada disso. Em 1988, eu já era colunista, e participei da cobertura da
Constituinte. Houve um momento em que alguns parlamentares - e eu destacaria Cristina
Tavares, Audálio Dantas, Artur da Távola, Miro Teixeira, entre outros, que
fizeram inserir na Constituição o artigo 223. Este diz que cabe ao Estado, ao
poder executivo, conceder canais de TV e rádio, estabelecendo que deve ser observada
a complementaridade entre os sistemas privado, estatal e público. Isso ficou lá
20 anos na Constituição, e nunca foi regulamentado. Nós tínhamos os canais
privados, e os canias estatais, como as rádios, as TVs educativas, mas nada que
fosse caracteristicamente público.
O que é inovador na criação da EBC, como empresa
encarregada de implantar e gerir o sistema público de comunicação, é que
queremos atender a algo previsto na Constituição e que nunca foi implementado. E
entendemos como diferença fundamental entre público e estatal o fato de a própria
sociedade participar da gestão, da fiscalização dos canais públicos.
Este mecanismo de Controle Social se dá, principalmente,
por meio do Conselho Curador. E deve se dar, tambem, através dos cidadãos com
instrumentos como a Ouvidoria, ou as audiências públicas. O Conselho Curador
acaba de marcar a primeira audiência pública (para o dia 9 de julho). Essas são
experiências que a sociedade deve ir incorporando: entender que essa TV é nossa,
esses canais são públicos, e todos têm o direito de participar da gestão deles.
E tem também os próprios instrumentos de interatividade que a nova tecnologia
vai propiciar. Então, acho que o controle social dos canais públicos é a
principal diferença. Porque no canal estatal, o Governo de plantão é o único controlador.
Então ele pode fazer o que quiser com aqueles canais: seja uso político, uso nenhum,
ou até mesmo deixar sucatear – como muitos governos estaduais deixaram as TVs
Educativas se degradarem até a situação precária em que se encontram hoje.
Outro movimento que vamos fazer agora no final do mês de
maio é o segundo Fórum das TVs Públicas. Este é exatamente um movimento para
que essas Tvs Educativas estaduais, que são nossas parceiras, também tenham um marco
regulatório público. Porque o Governo Federal não é dono desses canais; eles
estão concedidos aos governos estaduais. Então é lá nos estados que devem
acontecer mudanças no marco regulatório, para que eles também tenham conselhos
de fiscalização e participação da população desses estados no controle dos
canais.
Acho que o Fórum das TVs Públicas, do final do mês, e a
Conferência, que já foi aprovada, são momentos importantes para consolidar o
sistema publico que a EBC está implantando. É um trabalho de longo prazo. O
marco regulatório da EBC já foi muito importante, e acho que a nossa gestão vai
deixar uma contribuição importante para a constituição desse sistema público. É
algo que também vai depender do futuro, da postura de outros governos, porque
temos o problema do financiamento...
BoletimNPC: Como está o funcionamento do Conselho Curador hoje?
Bem, o conselho tem 22 membros: 15 da sociedade civil, dois
do Congresso Nacional, quatro do Governo Federal e um empregado da EBC, eleito
por voto direto. O grupo tem uma composição muito discutida pelo fato de que os
atuais primeiros conselheiros foram nomeados pelo presidente da República. Eu
digo que a experiencia inaugural não tem muito como inovar. Mas a nova lei já
prevê consultas públicas a entidades representativas da sociedade, para a
elaboração de uma lista múltipla a ser encaminhada ao presidente da República.
E o Conselho inclusive já começou a debater a regulamentação desse processo de consulta,
porque em dezembro já vão vencer alguns mandatos. E já teremos uma renovação
com esse corte mais democrático.
BoletimNPC: E em relação à Ouvidoria, como tem funcionado?
Então, o Conselho se reúne uma vez por mês, e tem
funcionado a contento, a meu ver. Faltam mais iniciativas como a audiência
pública, que já foi marcada para 9 de julho. Mas ainda é uma experiência em processo. Quanto
à ouvidoria, acho que está bem. O ouvidor-geral é o professor Laurindo Leal
Filho, pessoa de muito respeito. A Lei fala em um ouvidor só, mas achamos pouco
pela quantidade de canais que a EBC tem. Entao, criamos, por iniciativa minha, três
ouvidorias adjuntas: uma para rádio, uma para a TV e outra para a Agência
Brasil, que é texto. O rádio já tem seu serviço bastante implantado, inclusive
com um programa de rádio semanal do ouvidor adjunto (Fernando Oliveira Paulino), que é veiculado pelas emissoras de rádio da EBC.
A ouvidoria da Agência Brasil também já está em processo,
com uma coluna
do Ouvidor Adjunto, (Paulo Sérgio Machado) no site. O que está mais atrasado é
a ouvidoria de Televisão, porque é preciso criar o programa semanal de 15
minutos do Ouvidor. Até agora não foi possível, porque se discute o formato,
como será exatamente. Agora o Lalo está montando uma equipe em São Paulo que vai fazer
o programa, a ser veiculado semanalmente na TV Brasil. Essa é uma experiência
muito nova. Nele serão expressas as principais críticas, sugestões e
reclamações mais fortes daquela semana em relação à programação.
BoletimNPC: E como tem sido a participação da sociedade?
O retorno é grande. Do rádio é maior do que a TV, mas é
preciso ver que as rádios estão em diferentes locais do Brasil. Os serviços de
atendimento aos usuários de rádio tem uma demanda imensa. Inclusive tivemos que
separar o que é ouvidoria, e o que é atendimento a ouvinte. Por exemplo: tem
gente que liga para perguntar onde tem vacinação contra febre amarela. Isso não
é ouvidoria: é atendimento.
A TV também tem muita demanda. Hoje como está se
respondendo? Por e-mail, porque a TV ainda nao tem o programa para tornar essa
relação pública. A EBC está, inclusive, com uma dificuldade grande em relação a
tecnologia da informação. Ainda não conseguimos montar uma plataforma em que se
pudesse ter maior interatividade com os internaturas. Essa é uma dificuldade
que a Agência Brasil tem sofrido, por exemplo. Precisamos fazer investimento
nessa área, mas o ano está difícil.
BoletimNPC: Qual é o orçamento para esse ano?
O Governo assegurou o orçamento de R$ 350 milhões quando
mandou a lei para o Congresso. Veio a crise, e teve um corte linear para todo
mundo. Nós tivemos um corte brutal de 100 milhões por causa da crise. Temos uma
folha de gasto com pessoal de 100 milhões. Com esse corte, a situação ficou
apertada, sobraram R$ 150 milhões. Temos as despesas correntes, então este ano
não temos dinheiro para investimento. Mas ano passado fizemos investimento,
licitamos muitos equipamentos, que vão chegar em breve. O Governo
promete reparar o orçamento de todos os órgaos públicos no segundo semestre. Estamos
esperando que a economia se recupere.
BoletimNPC: E tem previsão de concurso?
Queríamos fazer concurso esse ano, mas todos foram
suspensos pelo Governo, justamente para diminuir os gastos. Como o Governo tem
expectativa de melhora da receita, então pode ser que no segundo semestre os
concursos voltem a ser autorizados. Em relação ao pessoal estamos implementando,
neste momento, um Plano de Carreira para os concursados que vieram da Radiobras,
para deixar o concurso preparado para quando for possível realizarmos neste
ano, porque está precisando...
BoletimNPC: Você
falou sobre a Conferência Nacional de Comunicação. Como a TV Brasil vai
participar da Conferência?
Estamos atuando em conjunto com a ABPEC (Associação Brasileira de
Emissoras Públicas, Educativas e Culturais), que
reúne todas as TVs do campo público. Queremos pegar o resultado do Fórum do fim
de mês e fazer dele a plataforma de atuação das TVs Públicas. Seria um marco
regulatório mais democrático, não apenas em relação ao campo público mas também
em relação às emissoras comunitárias e universitárias. Estamos com um marco
regulatório super antiquado. A convergência de mídias prevista pelo PL 29 não
andou. Entao todas essas questões que a revolução tecnologica trouxe precisam
ser incorporadas no novo marco regulatório.
A nossa articulação está com o campo não-comercial, em
que incluimos TV Camara, Legislativa, Senado, Justiça, e as TVs Educativas
Estaduais. Ou seja: todo esse conjunto que, anos atrás, ocupava um espaço muito
pequeno no espaço eletromagnético. Nos ultimos dez anos já houve um crescimento
notável do campo não-comercial. Já houve um progresso em relação à audiência. Achamos
então que a Conferência, o Fórum e a própria criação da EBC farão diferença no
futuro.
BoletimNPC: Vocês estão programando algo em relação à programação para a mobilização da
sociedade para a Conferência? Algum programa?
Não vamos criar nada de especial. Mas em alguns programas
este tema será apresentado, como o Ver TV,
do Laurindo Leal, o próprio Observatorio
da Imprensa, e outros, como 3 a 1... Ou seja: vamos refletir sobnre
isso dentro da nossa programação, e nos nossos telejornais. Devemos fazer em
breve um Caminhos da Reportagem sobre
o tema, um programa de uma hora. Estamos programando uma série para apresentar
a evolução do Brasil na área de comunicação, talvez até a Conferência.
BoletimNPC: E
qual sua expectativa pessoal em relação aos resultados da Conferência?
Acho que é cedo para saber o grau de mobilização que vai despertar. Acho
que devia ser antes, porque dezembro é um mês que estará muito contaminado pelo
processo sucessório do ano que vem. Por isso eu tenho receio, mas acho que
alguma coisa ela produzirá. Ainda que não esgote todas as questões, acho que
teremos uma mudança no marco regulatorio. O que haverá ali é um compromisso, mas
a mudança de fato terá que se traduzir em uma emenda constitucional. Eu acho
muito dificil aprovar no ano que vem. Vai ser preciso uma mobilização muito
forte, para arrancar uma emenda constitucional com 3/5 de voto em ano eleitoral.
Já sabemos que o Congresso vai funcionar precariamente... Por isso achei muito
tarde, mas tudo é possivel. Precisa haver uma mobilização e um compromisso
muito fortes nesse sentido.
BoletimNPC: Em relação à audiência pública de julho, convocada pelo Conselho Curador, o
que vai ser tratado exatamente?
Há uma demanda grande de muitas instituições cobrando uma
audiência pública. O Conselho não vai limitar a discussão, mas tem que ser em
torno das atribuições do conselho. Por exemplo: o Conselho não cuida da administração
da EBC. Ele cuida da natureza diferenciada e complementar dos canais públicos.
Ou seja: da programação. Então, não compete a este Conselho discutir concursos
públicos para a EBC. Acho que todos os temas são legítimos, e eu não posso
falar pelo Conselho – tenho assento, mas nao tenho voto. Eu estava na reunião
em que se discutiu a audiência pública, e a idéia é deixar aflorar as críticas
e discussões, desde que sejam pertinentes às atribuições do Conselho Curador.
Agora, temos o Conselho de Administração, que cuida da
gestão do dinheiro público. Toda empresa estatal tem esse conselho, no qual tem
assento representantes de Tesouro, Planejamento, ou seja, órgãos da União relacionados
ao orçamento. Por exemplo, o tema do Concurso Público não compete ao Conselho
Curador, mas sim ao de Administração.
BoletimNPC: A gente sabe que houve recentemente um problema com um diretor que saiu da
TV Brasil (Leopoldo Nunes, ex-diretor de programação e conteúdo da TV Brasil).
O que você falaria a respeito?
Eu fiquei feliz porque recebi uma moção de apoio do Conselho Curador na semana
passada. Isso não é uma crise, é um fato administrativo. Sendo a TV Brasil um
alvo de interesse público, então tudo é mostrado. Mas demitir um diretor é um
fato administrativo. E eu não demiti o Leopoldo por causa de uma entrevista,
pelo contrário. Ele deu a entrevista porque dias atrás eu havia comunicado a
decisão de substituí-lo por razões de gestão. Eu inclusive já respondi as questões
que ele colocou, e acho legítimo o direito de discordar. Agora: acho também que
nossa programação precisa ser renovada com mais rapidez, e uma série de questões
dessa natureza.
BoletimNPC: Existe polêmica na TV Brasil com relação ao conteúdo, à programação?
Existe vontade de renovar mais intensamente a grade, e a
diretoria do Leopoldo é fortemente responsável por isso. Porque faz toda a
programação, fora o jornalismo. Na gestão de uma empresa, há um momento em que
você tem que mudar, para implantar novas diretrizes.
BoletimNPC: Na
sua opinião, quais devem ser os próximos passos da TV Brasil?
A meta número 1 é acelerar a renovação da programação. Isso se Chama Choque
de Qualidade na Programação. A meta número 2 é consolidar a rede pública de
Televisão com as outras emissoras educativas e públicas estaduais. A outra é
expandir a rede própria, ou seja, o número de canais da TV Brasil. E, por fim, continuar
o processo de modernização tecnológica, iniciado com a ingestão de R$ 110 milhões
do ano passado, mas que não foram suficientes para termos uma TV de ponta.
Claro que vai ser um salto maravilhoso.
Então expandir a rede própria significa implantar canais
digitais onde já temos a TV Brasil. Já implantamos em Brasília, em São Paulo, e vamos
implementar agora no Rio de Janeiro. Brasília, inclusive, foi a primeira capital
a inaugurar a TV Digital. Depois vamos implantar em outras capitais, porque a
TV Brasil não tem futuro nesse sistema analógico, que tem data marcada para
acabar. Mas mesmo assim vamos implantar alguns canais analógicos de retransmissão
em lugares aonde a TV Digital vai demorar a chegar. Ou então não demorar a
chegar, mas onde as pessoas vão demorar a aderir ao digital. Me lembro de
quando chegou a TV a cores: muita gente mantinha a preto e branco, até precisar
trocar. Isso pode ocorrer de novo.
BoletimNPC: E onde falta mais chegar a TV Brasil?
A TV Brasil só tem próprios quatro canais: São Paulo,
Brasília, Rio de Janeiro e São Luis. Formamos a rede pública com as TVs educativas,
e temos com elas acordo de troca de conteúdo: participam com matérias
produzidas por eles no nosso telejornal, e reproduzem nosso jornal em seus
canais. E também contribuem mandando materiais de seus estados. Ou seja: nós
temos um telejornal que é muito mais nacional do que muitos da rede privada.
Fora isso, a TV Brasil é transmitida, por lei, por todas
as TVs de assinatura. E está na chamada Banda C, que é a TV por Parabólica –
que hoje atinge cerca de 50 milhões de brasileiros. Aí temos um alcance
significativo, mas canais próprios são poucos. Por isso eu digo que temos que
ampliar a rede própria de canais. Mas estamos na virada do sistema tecnológico:
não podemos investir muito no analógico. E o digital tem o problema da adesão.
Então implantaremos digitais nas capitais, e pólos de retransmissão analógicos
nos locais que a TV Digital vai demorar mais a chegar.
BoletimNPC: Como a TV Brasil está caminhando em relação à produção independente?
A TV Brasil tem compromisso sim de construir uma
programação com produção independente. Não é porque está mudando a direção que
mudaremos o compromisso. Logo depois dessa mudança administrativa na diretoria
de produção, lançamos a norma do concurso público para produções independentes–
vulgarmente conhecido no mercado como pitching.
Esse concurso vai selecionar programas vindos da produção independente para
compor a grade. É uma forma mais pública de selecionar e assegurar a
participação. Apresentamos um tema, os produtores independentes se habilitam, apresentam
propostas, e vamos fixar o preço que pagaremos. Achamos que essa é uma forma
econômica, transparente e republicana de se relacionar com a produção independente.
Conseguimos lançar a norma, e agora virão os editais.
BoletimNPC: Você
quer falar mais alguma coisa?
Quero divulgar um projeto bom que é o Operador Nacional da Rede Pública
Digital. Eu disse que nos últimos dez anos o espectro ganhou uma participação
maior dos canais não comerciais. Essas TVs firmaram um compromisso que será
importante para o futuro do sistema digital: o compartilhamento da
infra-estrutura digital. Então, será formada por TV Brasil, TV Justiça, TV
Câmara, TV Senado, Tv do MEC, mais a rede comunitária que o MiniCom vai
implementar, que é um canal digital comunitário em cada município no Brasil.
Essas entidades vão montar uma única infra-estrutura em cada estado. Vão ter
uma estrutura comum: torre, antena, instalações elétricas, tudo comum. O
diferente será o transmissor.
A lei inclusive prevê que a EBC será a operadora desse
sistema. Vamos licitar uma empresa para fazer essa infra-estrutura, e dividir
os custos. Neste momento, há uma consulta
pública no ar para escolher um operador de rede, que vai fazer mais
rapidamente e baratamente com que todas essas TVs do campo público vão para o
campo digital. Esse é um projeto importante que queremos viabilizar, porque todas
as televisões serão beneficiadas por ele, e em cada estado poderemos incorporar
ainda a TV Educativa daquele lugar. Levar o Brasil para o mundo digital foi um
esforço grande, mas acho que a migração está sendo muito lenta. A TV Comercial
não quer fazer muito investimento nisso, e tem ainda o problema de cultura. Então,
na medida em que as televisões do campo público se acelerem, estaremos
impulsionando o programa brasileiro de TV Digital. E são as TVs públicas que vão
praticar os instrumentos mais importantes para a cidadania possibilitados pela
TV Digital – que possui muitas vantagens, além de alta-definição, qualidade da
imagem etc. Um deles é a multiprogramação,
que permite cada canal veicular quatro programas simultaneamente. Ou seja, poderemos
aumentar a oferta de conteúdo. E a outra ferramenta é a interatividade: o próprio telespectador, por meio de seu controle
remoto, vai poder interagir com a televisão. Cada um pode usar a interatividade
da maneira que quiser. Podemos usar para várias questões, como, por exemplo,
oferta de serviços.
BoletimNPC: Então canais como TV Justiça e TV Senado vão necessariamente para canal
aberto?
Vão sim, em digital. Porque, assim como a TV Brasil, eles não
tem futuro no analógico, porque não estavam na TV aberta no passado. Por
exemplo: a TV Justiça já está em canal aberto em Brasília e em São Paulo, com a TV
Digital. Em São Paulo
quem abrigou todos esses canais foi a TV Cultura. E em Brasília, o governo
local está construindo uma torre, que é obra do Niemeyer. Nos outros estados,
vamos inaugurar esse Operador Nacional da Rede Pública Digital. Se der certo,
vai ser um passo importante, porque essas TVs só tem futuro em digital. Se os outros
não querem correr, nós precisamos.