Por Raquel Junia
De dentro do ônibus coletivo o trocador fala para o motorista. “Olha lá o que fizeram nos Arcos da Lapa!”. O trocador apontava para gigantescos olhos estampados acompanhando o formato redondo dos arcos. Olhos parecidos também foram vistos na África e Índia, só que os olhos de lá eram africanos e indianos e os daqui, brasileiros.
O que o motorista e o cobrador observaram naquele dia é o trabalho do artista francês JR. Quem visita a Casa França-Brasil, no Rio de Janeiro, entende um pouco mais da proposta do artista. Pelo chão do galpão principal da Casa estão estampados mais alguns rostos. Os visitantes, quase sem perceber, pisam em cima dos rostos. Isso faz parte da arte de JR, suas fotos estão sempre sujeitas a ação natural do tempo.
Talvez a primeira imagem a chamar a atenção do visitante da exposição 28 milímetros/mulheres, de JR, seja a casa de madeira. A casa está ali, em tamanho natural. Diante da casa está uma tábua de madeira, provavelmente algum pedaço que tenha despencado da mesma. Na tábua é explicada a origem da casa e do apelido da construção – Casa “China”. A instalação é justamente onde moravam 11 pessoas no Morro da Providência, uma das primeiras favelas da cidade do Rio. A dona da casa era Georgina, mas com JR e sua equipe são franceses, não conseguiam pronunciar o nome, então acabou ficando “China”. A casa agora está “acessível a um público carioca que em condições normais não se aventuraria a visitá-la”.
Dentro da construção de madeira, um filme mostra um pouco do trabalho do artista em cidades da África e Ásia. Os olhares fotografados por JR em algum desses países foram colocados, por exemplo, em um caminhão de lixo. O caminhão despeja os restos em um lixão a céu aberto. Apesar dos olhos no caminhão, os catadores de lixo continuam seu trabalho. “Ele é muito expressivo, muito, muito. Ele mudou o mundo fazendo essa arte”, comenta um visitante apaixonado, dentre da casa de madeira.
Foco na Providência
O pano de fundo de toda a exposição é uma fotografia do Morro da Providência. Na imagem vê-se que as expressões fotografadas por JR também tamparam a fachada de algumas construções da favela. A grande imagem do Morro foi salpicada por cinco ou seis pequenos visores nos quais se passa filmagens do cotidiano no Morro.
Nas salas adjacentes ao salão central da Casa França-Brasil estão ainda outros retratos do Morro. Na sala à esquerda de quem entra no salão principal há uma exposição dentro da exposição. Se trata das fotografias de Maurício Hora, um fotógrafo nascido e criado na Providência. Mulheres com latas de água na cabeça, crianças brincando, ruelas e a vista de cima do Morro são algumas das cenas captadas por Maurício Hora. “O Morro que a sociedade capitalista, nas suas contradições econômicas e sociais, produziu e excluiu está aqui, pelas lentes do fotógrafo Maurício Hora”, diz o poeta Luís Carlos Torres, em placa na abertura da sala. Uma linha do tempo do Morro da Providência também compõe essa parte da exposição.
A militância de JR e também de Maurício Hora por suas causas parecem ter um momento de síntese na última sala da exposição (obviamente depende do trajeto de quem visita, no caso da repórter, foi a última). Em uma sala também repleta de rostos de mulheres da Providência do teto ao chão, outro vídeo, dessa vez, de entrevistas com mulheres é exibido. Na tela aparece Helena, uma mulher sorridente que mora no morro há mais de 45 anos. Depois, Thaís, uma criança que impressiona pela maturidade. Thaís diz que quer ser policial, mas para ser uma boa policial, para fazer diferente do que muitos fazem hoje. Nas entrevistas são lembrados os três rapazes mortos no ano passado na Providência. Eles foram entregues a traficantes rivais e assassinados brutalmente.
“Com a graça de Deus, vamos recuperar forças e a vida segue em frente”, diz, com olhar resignado, uma das mulheres da Providência. Olhar sintetizado por JR.
A exposição 28 Milímetros/Mulheres fica na Casa França-Brasil até o dia 21 de junho, de terça a domingo, das 10 às 20h.