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Entrevistas
Contrato entre Governo de São Paulo e Editora Abril está sendo investigado pelo Ministério Público

Por Raquel Junia

Nessa entrevista feita por correio eletrônico, o deputado federal Ivan Valente (PSOL/SP) explica as irregularidades do contrato entre a editora Abril e o Governo do Estado de São Paulo. Ivan Valente e os deputados estaduais Carlos Giannazi e Raul Marcelo apresentaram denuncia ao Ministério Público, que passou a investigar o caso. Para Ivan Valente, a escolha da Revista Nova Escola, sem licitação, para ser encaminhada para todos o professores do estado de São Paulo, demonstra o alinhamento político do governo do estado com a linha editorial das revistas do Grupo Abril.

Divulgação

 

Boletim NPC - Que irregularidades o Senhor está denunciando no contrato entre a Editora Abril e o governo do Estado de São Paulo?

Ivan Valente - No ano passado, a Secretaria de Educação do governo de São Paulo comprou 220 mil assinaturas anuais da revista Nova Escola, sem nenhuma consulta aos professores e sem realização de licitação. Só este contrato representa quase 25% da tiragem total da revista e garante fartos recursos para o caixa da Fundação Civita, R$ 3,7 milhões. Não bastasse essa ação arbitrária, a Secretaria de Educação passou para esta Fundação privada os endereços pessoais dos professores, sem qualquer comunicado ou pedido de autorização dos mesmos, infringindo a lei e permitindo, inclusive, outras destinações comerciais aos dados particulares dos professores. Felizmente, o Ministério Público Estadual acolheu a nossa representação, feita em conjunto com os deputados estaduais do PSOL, Carlos Giannazi e Raul Marcelo, e abriu o Inquérito Civil No. 249/2009. O promotor Antonio Celso Campos de Oliveira Faria, designado para o caso, oficiou a FDE, órgão do Governo Estadual responsável pela contratação, solicitando que esclareça os motivos da contratação e cogitando a suspensão do contrato. A diretora de projeto especiais da FDE também foi intimada a prestar depoimento.

 

 

Boletim NPC - Por que razões o Senhor acredita que o governo do Estado de São Paulo tenha decidido por esta revista em detrimento de outras, como, por exemplo, a Carta na Escola, que disputa o mercado com a Nova Escola?

 

Ivan Valente - Oficialmente, o governo considera que esta revista é a única na área da educação, ignorando a existência de outras do mesmo gênero que atuam no mercado. Isso demonstra preferência deliberada pela editora contratada e, na nossa avaliação, tal preferência se deve ao alinhamento político do governo de São Paulo com a linha editorial das revistas do Grupo Abril. Vale lembrar que este contrato não é o único compromisso comercial existente entre a Secretaria de Educação e a editora Abril, que cada vez mais ocupa espaço nas escolas tendo até mesmo publicações adotadas como material didático, totalizando quase R$ 10 milhões de recursos públicos destinados a esta instituição privada só no segundo semestre de 2008.

 

Outro absurdo, que merece uma ação urgente, é a “proposta” curricular que reduz o número de aulas de história, geografia e artes do Ensino Médio e obriga a inclusão de aulas baseadas em edições encalhadas do Guia do Estudante, também da Abril, que mais uma vez se favorece os negócios editoriais deste grupo. As publicações do Grupo Abril não são as únicas existentes, mas, as que têm a preferência do governo, uma preferência que não se explica ao não ser pela prática recorrente de favorecimento.

 

 

Boletim NPC - Que implicações tem essa política do governo do Estado de São Paulo para a educação?

 

Ivan Valente - A primeira implicação é a perda da autonomia didático-pedagógica das escolas e dos professores. Os materiais da Editora Abril, distribuídos para professores e alunos, reforçam uma perspectiva de educação na qual só existe uma forma correta de ensinar. Ou seja, ao professor cabe o papel de executar de forma sistemática o roteiro que lhe é apresentado, e nisso as revistas são verdadeiros livros de receitas. As revistas, juntamente com as apostilas e a obrigação de preparar os alunos para exames externos, tiram completamente a autonomia do professor, e pior que isso, desconsideram as diferentes realidades e necessidades de cada escola ou mesmo de cada grupo de alunos. É uma perspectiva que reduz o conceito de qualidade na educação ao bom desempenho em exames, que não necessariamente refletem um aprendizado significativo para as crianças e jovens. É o fim dos projetos político-pedagógicos e um ataque direto à “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber” e principalmente da “pluralidade de idéias e de concepções pedagógicas”, princípios fundamentais que constam da Constituição Federal e da LDB.

 

 

O segundo aspecto é que essa ação coloca estudantes e profissionais como consumidores diretos das posições e opiniões de uma empresa de comunicação, cujas publicações cada dia mais assumem um posicionamento em defesa de interesses econômicos e políticos das elites. É uma ação que tenta impor um projeto, formando uma geração dentro da lógica da competição, da meritocracia e do individualismo – naturalizando as desigualdades e a exclusão. Além da imoralidade de contratos que claramente favorecem este grupo, principalmente neste momento de crise econômica. É claramente uma ação político-ideológica que impõe um pensamento único.

 


Boletim NPC - Nessa situação, pode-se dizer que há uma aliança política entre a mídia empresarial (no caso, a Editora Abril) e o governo do Estado de São Paulo?

 

Ivan Valente - Historicamente, os grandes grupos de comunicação de nosso estado sempre estiveram de mãos dadas com os governantes de São Paulo. Não é à toa, por exemplo, que as atuais administrações Serra (governo estadual) e Kassab (governo municipal) aparecem na mídia paulista com uma imensa maioria de notícias consideradas positivas, mesmo com o nosso estado e município passando por dificuldades tremendas. O mesmo acontecia quando Geraldo Alckmin era governador ou quando Fernando Henrique Cardoso era presidente. E o principal expoente desta aliança é a revista Veja, que semanalmente utiliza duas páginas para defender as políticas neoliberais em vigor no país e ridicularizar, por exemplo, os avanços alcançados em países da América Latina. É uma moeda de troca: a grande imprensa apóia tais candidaturas e governos e, depois, lucra financeiramente com isso.

 

Boletim NPC - A imprensa tem procurado o Senhor para falar sobre a sua atuação no caso?

 

Ivan Valente - Muito pouco. Conseguimos algum espaço de divulgação, sobretudo, na imprensa alternativa e nos veículos de comunicação da categoria dos professores em São Paulo. Em geral, a grande imprensa é muito corporativa, até porque esta prática não é exclusiva do Grupo Abril. Então, um veículo ou grupo empresarial acaba protegendo o outro, porque sabe que, em algum momento, também pode ser pega praticando ilicitudes semelhantes.

 

Boletim NPC - Como a concentração da mídia em nosso país dificulta a consolidação de uma

democracia plena?

 

Ivan Valente - A centralidade dos meios de comunicação para a realização dos debates públicos e para a produção de idéias e formação de valores é gigantesca. Mais do que influenciar na formação da opinião pública, a comunicação é central na construção da agenda, na definição daquilo que será discutido ou não pela população no seu cotidiano. O que não passa pelos meios de comunicação, portanto, tende a estar fora da agenda social. Diante do poder que os grandes grupos de comunicação têm de transmitir seus conteúdos, muito maior do que o poder de qualquer cidadão sem acesso aos meios de produção e veiculação de comunicação, a desigualdade na disputa ideológica se torna brutal. São poucas vozes falando e uma massa passiva ouvindo. No Brasil, o caráter desta esfera midiática é prioritariamente privado, completamente controlado por poucas empresas familiares. Desta forma, apenas os grandes grupos econômicos podem influir no processo de formação das idéias e costumes sociais, enquanto as demais organizações sociais estão excluídas deste processo. Por isso, é fundamental resgatarmos o ambiente da mídia como espaço público, desprivatizando-o mediante a inclusão progressiva de todos os atores sociais.

 

Boletim NPC - Que papel o senhor acredita que devem exercer  os trabalhadores organizados em sindicatos e movimentos sociais, inclusive os professores,  em relação aos meios de comunicação?

 

Ivan Valente - A sociedade brasileira como um todo, incluindo aí sem dúvida os sindicatos e movimentos sociais, precisa lutar pela democratização dos meios de comunicação e, cada vez mais, reivindicar espaços de participação popular nas definições das políticas públicas de comunicação. Do contrário, seguiremos vendo os diferentes governos definindo os rumos da mídia no país em alianças restritas e nada transparentes com os grandes conglomerados da imprensa. Não é à toa que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, é um ex-funcionário das Organizações Globo. Isso mostra o poder da mídia no governo federal, que não é menor no Congresso Nacional, com inúmeros deputados e senadores detentores de concessões de rádio e TV. Por isso, é fundamental que a sociedade se organize para participar da I Conferência Nacional de Comunicação, para que consiga, fortalecida e unificada, fazer os enfrentamentos que virão tanto com os empresários quanto com o governo federal.  


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge