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Por NPC
Ivo Lebauspin: Liberdade de Imprensa é liberdade de informação e de formação para a população

Por Katarine Flor

O sociólogo Ivo Lebauspin foi professor na faculdade de educação da UFRJ e depois na escola de serviço social. Escreveu sobre classes populares, direitos humanos e sobre experiências de prefeituras. Esta é a segunda parte da entrevista concedida pelo ex-frei Ivo Lebauspin ao BoletimNPC. Ele fala sobre a atuação da mídia comercial, e sobre a importância da democratização dos meios de comunicação. “Liberdade de imprensa não é liberdade para os donos dos meios de Comunicação. Mas é liberdade de informação e de formação para a população”, diz. Confira a entrevista.

 

Boletim NPC - O senhor considera que existe uma alternativa à mídia dominante?

Ivo Lebauspin: Já existe mídia alternativa. Jornal diário não tem nenhum, mas você tem, por exemplo, a Carta Capital, uma revista semanal que foge ao padrão. Não é à toa que é o oposto do que é dito na Veja. Na maior parte dos temas, particularmente na política econômica, eles têm uma posição oposta à da mídia comercial. Mas a Carta Capital demorou 10 anos para se firmar como revista semanal. Tem também as revistas mensais, como a Caros Amigos. Mas o alcance de uma revista dessas é só de gente que tem 8, 9 reais para pagar por mês.

 

Tem também o jornal semanal Brasil de Fato, que está tentando quebrar esse esquema. Está sobrevivendo, apesar da enorme dificuldade. Para mim é surpresa que já tenha seis anos e não tenha morrido. Ainda tem fôlego, e acho que vai sobreviver e ter condição de ser uma alternativa.

 

Hoje nós estamos mais bem servidos. Porque com a internet você acaba tendo acesso a uma série de informações, e pode consultar diariamente mil boletins, blogs etc. Hoje a mídia oficial tem que informar certas coisas que não informaria antes, porque as pessoas acabam sabendo pela internet.

 

Sempre a mídia foi de direita. Nunca teve mídia de esquerda, mas havia mais circulação de idéias diferentes - não necessariamente contrárias. Antes da década de 90 havia pelo menos o debate de idéias, o que hoje não temos mais. Por exemplo: estamos discutindo a Reforma da Previdência. Que Reforma? Só se ouve falar de uma, da que interessa ao Governo e aos empresários. Não se ouve falar de uma Reforma da Previdência defendida pelos movimentos sociais, que possa incluir as 40 milhões de pessoas que não são cobertas pela previdência no Brasil.

 

O livro que “abriu minha cabeça” sobre o assunto é Notícias do Planalto, do Mario Sérgio Conti. Foi escrito no início do governo Fernando Henrique Cardoso para explicar as relações entre o governo Collor e a mídia. O que o livro me ensinou bem é como o Governo FHC estava trabalhando. O que espanta, do governo Collor em diante, é que os meios de comunicação se tornaram unânimes. Não importa o jornal ou o canal de televisão, todos dizem a mesma mensagem. E antes não era assim. Antes os jornais eram de direita, os donos sempre pertenceram ou estiveram associados à classe dominante. Mas os jornalistas eram críticos. No governo Collor, por exemplo, ele conseguiu controlar a inflação durante um tempo. Depois de alguns meses, a inflação começou a voltar, e os jornais continuaram a dar a inflação como controlada. Até explodir a denúncia do irmão do Collor, todos os jornais mantinham uma certa unanimidade.

 

 

Boletim NPC - E como ele conseguia essa unanimidade?

Lebauspin: O governo pagava a todos os meios de comunicação verbas de publicidade do governo federal. E pagava bem. Quando eventualmente algum jornal ou revista publicava alguma notícia contra o governo, suspendia essas verbas. Para alguns desses meios de comunicação, essa verba era fundamental, sem ela o jornal iria à falência. E havia pressões individuais sobre articulistas se eventualmente criticassem. Eram proibidos de fazer entrevistas no palácio do planalto, e outros jornalistas eram pagos para escrever a favor.

 

E eu estava em pleno governo de Fernando Henrique tentando entender essa unanimidade da mídia. É assim: não é o presidente que dá dinheiro. O governo monta um esquema para financiar todos os órgãos para garantir que eles publiquem notícias favoráveis a ele.

 

 

Boletim NPC - E isso ainda acontece no atual governo?

Lebauspin: Há algumas reclamações, porque o Governo Lula continua fazendo isso. Mas boa parte da mídia se sente livre para criticar. Como é que dá dinheiro pra Veja pra ela criticar o governo? Eu suponho que, se não dessem, poderia ser pior. Então eles continuam dando verba de publicidade, desde que coloquem anúncios dos programas de saúde, Bolsa Família... Isso garante um apoio bastante grande.

 

Boletim NPC - Por que a mídia tem esse posicionamento?

Lebauspin: Porque ela está sendo financiada pelos poderes dominantes. E ela atende aos interesses de quem está financiando, assim como o governo atende aos interesses de quem o financiou na campanha.

Se nós somos tão marcados pela ideologia neoliberal, foi porque a mídia passou 20 anos reproduzindo idéias neoliberais. Com a crise que explodiu em setembro de 2008, podemos até ter tido umas pequenas críticas. Mas os jornalistas econômicos continuam repetindo as mesmas coisas de antes. Fingem que nada aconteceu, e que esta é mais uma crise do capitalismo. As medidas que estão sendo tomadas pelos governos dos países desenvolvidos tem alguns pontos para melhorar a situação da sociedade, para gerar emprego, mas é fundamentalmente para salvar o sistema Financeiro e os bancos privados que produziram esse desastre. Mas não foi culpa dos bancos privados somente. O sistema contribuiu, liberou os bancos para fazer o que fizeram. E a mídia apóia isso, fingindo que está criticando.

 

A principal crítica da grande mídia, do Globo e seus vários colunistas, por exemplo, é que os gastos públicos estão aumentando. Mesmo sabendo que os EUA e a Europa não estão fazendo outra coisa senão aumentar os gastos públicos, eles criticam só os daqui.

 

Boletim NPC - O senhor disse que a ditadura foi um período de arrocho salarial para o trabalhador, e durante a década de 90 houve um período em que aumentou o desemprego estrutural. E agora no Rio de Janeiro a população sofre com uma política de “choque de ordem”. Como o senhor vê essa situação?

Lebauspin: O choque de ordem é muito mais uma questão municipal. Dentro da hegemonia neoliberal, algumas prefeituras propõem o choque de ordem. Isso é típico de prefeituras de direita que atendem aos interesses dos setores dominantes, como o pessoal da zona sul que não quer ver pobre nem favela no meio deles. Na verdade, eles gostariam que o Rio fosse como São Paulo. Lá os pobres estão nas periferias, e existem os bairros onde estão os ricos e a classe média. Ou seja: não se misturam.

 

O choque de ordem não é para diminuir a desigualdade social, nem para incluir todo mundo. Eles querem reprimir, e manter essa situação de forte desigualdade social. Apontam a repressão contra os mais pobres como única solução para a violência. Não significa que os ricos não roubam - a gente viu recentemente o caso do Daniel Dantas... Mas eles querem repressão sobre os pobres.

 

Boletim NPC - E qual é o papel da mídia nesse processo?

Lebauspin: O Globo está puxando uma campanha a favor do choque de ordem. Não foi o prefeito que puxou. O jornal começou, e o prefeito está indo atrás. É claro que uma parte da população discorda, mas 95% das notícias são construídas com as outras opiniões. Quem não concorda está apenas no finalzinho da notícia.

 

Nós não temos liberdade de imprensa. Nós temos liberdade para os meios de comunicação. Eles fazem o que querem. Ter liberdade de imprensa significa que todas as idéias da sociedade sejam colocadas em comum nos meios de comunicação. Mas não é isso que acontece. Tudo que é contrário à visão da classe dominante não é publicado. Você não fica sabendo de coisas importantíssimas, que reúnem milhares de pessoas, mas que poderiam prejudicar os donos do poder.

 

Boletim NPC - Como combater esse quadro atual da mídia?

Lebauspin: Temos que fazer uma campanha. Em algum momento vamos conseguir democratizar os meios de comunicação. Os meios de comunicação são obrigados a seguir leis e normas, por serem concessões públicas. Eles não podem fazer desses órgãos o que querem.

 

Quando Chávez suspendeu a concessão na Venezuela da RCTV foi um escândalo geral. Mas foi interessante. Pela internet correu a informação que isso já tinha ocorrido inúmeras vezes em vários países desenvolvidos, como a França, Estados Unidos etc. O governo suspende concessões de órgãos que não estão correspondendo à determinada norma. Foram 140 casos de suspensão de concessão feitos por governos de direita. Mas isso não foi noticiado. Como se o Chávez fosse um grande ditador que, pela primeira vez na história, suspendeu uma concessão. Não. Isso está previsto na lei. Liberdade de imprensa não é fazer o que se quer. Temos que lutar para democratizar os meios de comunicação. E definir melhor o que significa a liberdade de imprensa: não é liberdade para os donos dos meios de comunicação, mas é liberdade de informação e de formação para a população.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge