Por Osvaldo da Costa Publicado no site do MST 20/04/2009
Não se trata de cobertura dos fatos, se trata de um
ataque à consciência dos telespectadores. Na noite de 19 de abril o programa de variedades Fantástico, da Rede Globo,
apresentou uma suposta reportagem sobre um conflito ocorrido numa fazenda do
Pará, envolvendo "seguranças" (o termo procura revestir de legalidade
a ação de jagunços) da fazenda do banqueiro Daniel Dantas e
militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Só pude descobrir que se
tratava de propriedade do banqueiro processado por inúmeros crimes e protegido
por Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, após ter vasculhado algumas
páginas na internet em busca de meu direito de escutar o outro lado da notícia, ou seja,
a versão dos fatos dos sem terra. Na reportagem eles aparecem como
invasores, baderneiros, seqüestradores da equipe de reportagem da Rede Globo,
assassinos em potencial, e ao final, corpos de militantes aparecem baleados no
chão, agonizantes, sangrando, sem nenhum socorro, e a reportagem não fornece
nenhuma informação sobre o estado de saúde das vítimas.
Sem ter acesso às causas do
conflito, e a nenhum dos dois lados envolvidos, o telespectador se vê impelido
a acompanhar o julgamento que o narrador da reportagem e a câmera nos sugere.
No caso, tendemos a concordar com a punição dada aos desordeiros. “Que sangrem
até morrer!”, ou “quem mandou brincar com fogo?!” podem ser algumas das
bárbaras conclusões inevitáveis a que os telespectadores serão levados à chegar.
Nós, em nossas casas,
consumidores do que a televisão aberta nos apresenta, não temos direito ao
juízo crítico, porque o protocolo básico das regras do jornalismo não é mais
cumprido. Nós somos atacados em nosso direito de receber informações e emitir
julgamentos; nós somos saqueados por emissoras privadas que mobilizam nosso
sentimento de medo, ódio e desprezo, para em seguida nos exigir sorrisos com a
próxima reportagem.
Como um exercício de
manutenção da capacidade de reflexão, precisamos nominar esse tipo de ataque
fascista com os termos que ele exige. A ilusão de verdade deve ser desmontada,
a suposta neutralidade deve ser desmascarada, caso a caso, na medida de nossas
forças.
Seguem questionamentos à
reportagem, com o intuito de expor o arbítrio de classe da Rede Globo, para que
esse texto possa endossar a documentação que denuncia a irregularidade das
emissoras privadas e protesta contra a manutenção de concessões públicas para
empresas que não cumprem com as leis do setor.
1º) Por que a Globo
protege Dantas? Por que a emissora não tornou evidente que as terras
pleiteadas pelo MST para Reforma Agrária são de Daniel Dantas? Qual o grau de
envolvimento da emissora nas manobras ilícitas do banqueiro?
2°) Por que o MST não
foi escutado na reportagem? Quais os motivos do movimento para decidir
ocupar aquela fazenda?
3°) As imagens
contradizem os fatos. A câmera da equipe de reportagem aparece sempre
posicionada atrás dos seguranças da fazenda, e nunca à frente dos sem terra.
E vejam informação da
Agência Estado: “A polícia de Redenção informou a Puty [Cláudio Puty,
chefe da Casa Civil do governo do Pará] não ter havido cárcere privado de
jornalistas e funcionários da Agropecuária Santa Bárbara, pertencente ao grupo
do banqueiro Daniel Dantas e que tem 13 fazendas invadidas e ocupadas pelo MST.
Os jornalistas, porém, negam a versão da polícia e garantem que ficaram no meio
do tiroteio entre o MST e seguranças da fazenda” (http://br.noticias.yahoo.com/s/19042009/25/manchetes-pm-desarmar-mst-segurancas-no.html).
Quer dizer, nem mesmo os grandes jornais conservadores estão fazendo coro com a
cobertura extremamente parcial da Rede Globo.
4°) Ocorreu um tiroteio
mesmo?Só aparecem os jagunços da fazenda atirando, e com armas de
calibre pesado. E a imagem dos feridos mostra os sem terra baleados e um
jagunço de pé, com pano na cabeça, possivelmente contendo sangramento de
ferimento não causado por arma de fogo, dado o estado de saúde do homem.
5º) Por que os feridos
não são tratados com o mesmo direito à humanidade que as vítimas de classe
média da violência urbana? Eles não têm nomes? O que aconteceu com eles? Algum
morreu? Quem prestou socorro? Em que hospital estão? Por que essas informações
básicas foram omitidas?
6°) Por que
mostrar como um troféu a agonia de seres humanos sangrando no chão, sem nenhum
socorro?