Entrevistas Paraguai quer chegar a acordo sobre Itaipu ainda em 2009
Por Clarissa Pont Publicado na Carta Maior 13/04/09
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o
secretário de Relações Internacionais do governo Fernando Lugo, Ricardo Canese,
defende a agenda da soberania energética paraguaia e garante que a proposta do
país para a questão engloba uma nova estruturação energética solidária para a
América do Sul. "A recuperação da soberania hidroelétrica paraguaia não é
apenas benéfica para o Paraguai, mas também para toda a região e para o
Brasil", defende Canese que manifesta confiança em um acordo entre os dois
países.
Engenheiro industrial e especialista em
hidroeletricidade, atual secretário de Relações Internacionais do governo
Fernando Lugo, Ricardo Canese foi figura essencial na campanha eleitoral que
levou ao fim do reinado de 61 anos do Partido Colorado no Paraguai. Canese é
tido como uma das pessoas mais bem preparadas para discutir com o Brasil a
questão de Itaipu.
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Canese defende a agenda da soberania
energética paraguaia e garante que a proposta do país para a questãoengloba uma
nova estruturação energética solidária para a América do Sul.
As reparações que o Paraguai reivindica acerca de
Itaipu são históricas. O senhor poderia resumir, em cifras, exatamente as
perdas paraguaias durante estes anos e o que o país acredita ser um acordo
justo hoje? Ricardo Canese – As perdas ambientais e sociais foram imensas. O Salto
de Guaira, uma das maravilhas do mundo – assim como as Cataratas do Yaguazú,
que hoje atraem dois milhões de turistas por ano - deixou de existir para
sempre. O rico ecossistema do rio Alto Paraná, caracterizado por uma forte
corrente em um profundo canal, também deixou de existir nos 200 km onde o rio foi
convertido em
reservatório. A selva do Alto Paraná em território paraguaio,
que se mantinha quase virgem até o início das obras, não existe mais e se
perdeu grande parte da biodiversidade ali existente. Numerosas comunidades
indígenas tiveram que migrar. Alguns indígenas “trabalham” ainda hoje no aterro
de lixo de Hernandarias, a localidade paraguaia onde está Itaipu, reciclando o
lixo em condições desumanas.
O maior dano foi o moral e o político. A construção de Itaipu fortaleceu a
ditadura criminosa de Alfredo Stroessner e se forjou toda uma cultura de
corrupção em alto nível. Os amigos do ditador ficaram imensamente ricos e se
ampliaram as diferenças entre ricos e pobres. Hoje o Paraguai é o país da
América do Sul com maior quantidade porcentual de pobres extremos. O tratado de
Itaipu, imposto ao povo paraguaio pela ditadura militar brasileira, através de
seu amigo o ditador Stroessner criou as condições para despojar o Paraguai de
sua soberania hidroelétrica. A quanto chega todos estes danos? É difícil
estimar, mas estamos a ponto de iniciar uma auditoria integral da dívida de
Itaipu que cobriria todos estes aspectos.
Algo que podemos ver com muita mais claridade hoje é que outros países, como o
Chile, oferecem pagar ao Paraguai até 20 vezes mais do que paga hoje o sistema
elétrico brasileiro por exportar a energia elétrica de Itaipu (100 milhões de
dólares ao ano). Nós, sem dúvida, vemos que a recuperação da soberania
hidroelétrica paraguaia não é apenas benéfica para o Paraguai, mas também para
toda a região e para o Brasil. Da eletricidade que se exporta na América do
Sul, 85% tem origem paraguaia, mas aberrantemente não se permite ao Paraguai
dispor com soberania de sua energia. Desta forma, impede-se a integração
elétrica da região e assim o Brasil perdeu milhões pelo apagão de 2001 e a
Argentina também, pela falta de eletricidade em 2007. Chile e Uruguai também
tiveram perdas enormes. Todos poderíamos ter ganho, mas o modelo de retirar a
soberania hidroelétrica do Paraguai impede um modelo de integração solidária,
no qual todos ganhamos.
O presidente Fernando Lugo afirmou que o prazo para o
acordo entre os países é de um ano, o senhor acredita que este tema será
resolvido em 2009? Ricardo Canese – Vamos fazer todo esforço para que se chegue a um acordo
em 2009. Não posso assegurar que ele ocorra, porque as posturas ainda estão
muito distantes. Apesar de que no Brasil cresceu a opinião de que o Paraguai
deve recuperar sua soberania hidroelétrica, o Itamarati defende absurdamente o
contrário, ou seja, que o Paraguai não tem soberania sobre sua própria energia.
Para nós é esta a questão fundamental e, é certo, o Paraguai jamais vai
renunciar a sua soberania, então se o Itamarati não rever sua postura, não
haverá solução possível.
O mais estranho é que o Itamaratí defende que o Brasil é soberano sobre todos
seus recursos naturais. Aqui há uma contradição difícil de entender, mais ainda
se levarmos em conta critérios como a solidariedade dos povos e as assimetrias
entre as nações.
Como o governo paraguaio vê a proposta brasileira de um
pacote de ajuda (como a criação de um fundo de investimentos para projetos em
ambos países) oferecida pelo governo federal? Ricardo Canese – Vemos bem toda a proposta de ajuda, se ela não estiver
atada a renunciar outras questões como Itaipu. Na reunião presidencial entre
Lugo e Lula de 30 de janeiro de 2009, no marco do Fórum Social Mundial, ficou
claro que a ajuda (créditos) oferecida pelo Brasil será tratada entre os
ministérios da fazenda e fora da negociação de Itaipu, o que demonstra um bom
gesto do presidente Lula, porque o Itamarati queria substituir as
reivindicações paraguaias por créditos, na sua maior parte atados a comprar
equipamentos ou contratar empresas brasileiras. Nenhum crédito, por mais
conveniente que possa ser, pode substituir as reivindicações paraguaias de
soberania hidroelétrica ou de preço justo. As ofertas de crédito serão tratadas
como tal, fora da mesa de negociação de Itaipu, e serão aprovadas se forem
convenientes para o Paraguai.
Recentemente, o ministro brasileiro Edison Lobão
afirmou que o Paraguai só teria entrado com a água de Itaipu. Quais são os
investimentos paraguaios em Itaipu que senhor enumeraria como importantes? Ricardo Canese – É uma pena que certos funcionários do Brasil, como o
ministro Lobão, ainda pensem como as funcionários da ditadura militar
brasileira que assinaram tal frase (“o Paraguai só coloca a água”). É o mesmo
que diz um capitalista explorador de proletários para justificar o salário de
fome: o trabalhador só coloca sua mão de obra, eu coloco o capital e então
tenho direito a mais valia de seu trabalho. Em termos energéticos, a energia
hidroelétrica é muito mais valiosa que o petróleo.
Sobre os hidrocarbonetos, não há ninguém que se atreva a sustentar, na Arábia
Saudita ou na Venezuela, por exemplo, que “só colocaram o petróleo e não podem
exigir nada”. O que vale é a reserva de petróleo e não o capital. O mesmo
acontece em Itaipu. O
que vale é a energia hidroelétrica do limítrofe rio Paraná, o que vale é
Itaipu, que é a única hidroelétrica do mundo que pode gerar mais de 90 milhões
de MWh por ano. É triste, por ele, escutar um porta voz do governo brasileiro
dizer semelhante despropósito. E mais. Se o Brasil nos dissesse hoje: bueno,
que o Paraguai entre com 50% do capital e concedemos imediatamente a soberania
hidroelétrica, sem dúvida que o Paraguai se colocaria a conseguir tal capital e
dispor da energia que lhe é própria e cuja soberania está fora de discussão,
mas lastimosamente até agora nos impediram de fazer uso da mesma.