Entrevistas
João Pedro Stédile: O governo tem medo de entrar de cabeça no debate sobre crise
Por Luciana Lima Publicado na Agência Brasil 09/04/09
A falta de debate e de novas idéias para combater a crise financeira
mundial levam o governo e a classe empresarial a não conseguir resolver
as questões econômicas atuais. A opinião é do integrante da direção
nacional do MST, João Pedro Stedile, que, em entrevista à Agência Brasil,
disse que o governo tem medo da discussão sobre a crise. “O governo tem
medo de entrar de cabeça no debate sobre a crise, temendo repercussões
eleitorais”, disse.
O líder do MST defendeu a estatização dos bancos, o fim do superávit
primário e a garantia de emprego como formas de construir um “novo
modelo econômico” para o Brasil. Ele elogiou o programa habitacional
lançado pelo governo, mas se disse preocupado com a execução da
construção de 1 milhão de casas. “Nunca vi construtora ganhar dinheiro
construindo casa para pobre”, criticou.
Para Stedile, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apontado
pelo próprio governo como alternativa para enfrentar a crise, não
cumpre a função anticíclica. “O PAC é um projeto antigo, de antes da
crise. É necessário pensar outra matriz industrial para resolver
problemas do povo, não da exportação”, destacou.
Como os movimentos sociais, em especial o MST, têm encarado a questão da crise financeira mundial?
Hoje, há um consenso nos movimentos sociais, desde as centrais
sindicais até as pastorais, de que a crise que está instalada na
economia capitalista é internacional e vai pegar todo mundo, ela é
profunda, não é apenas da produção. Vai abarcar aspectos sociais,
ambientais, políticos e, inclusive, os paradigmas do capitalismo. Nós
estamos muito preocupados porque está faltando na sociedade brasileira
um processo de debate sobre a natureza da crise, para que o povo
brasileiro tenha conhecimento dela, participe e construa alternativas
populares para resistir. O pior dos cenários é simplesmente ficar
assistindo, na televisão, à interpretação que o governo ou os
capitalistas vão dar.
A interpretação atual da crise, em sua opinião, é equivocada?
Evidentemente os capitalistas vão querer sair da crise o mais rápido
possível e mais ricos. Para isso, vão pressionar o Estado, como sempre
fizeram, para que o Estado transfira a eles dinheiro público. Com isso,
vão aumentar a exploração sobre os trabalhadores e o desemprego. Vão
diminuir as condições de vida da população. E o governo, com medo da
crise, vai ficar todo o tempo dizendo: calma que o leão é manso. É
preciso que a população tenha espaço para debater e, sobretudo, que os
meios de comunicação que não são dos capitalistas ajudem.
Por que o senhor acha que o governo tem medo da crise?
O governo tem medo de entrar de cabeça no debate sobre a crise temendo
repercussões eleitorais. Só há uma forma de ampliar o debate: se os
movimentos sociais e as igrejas pegarem esse debate como peça
prioritária, utilizando os meios alternativos que nós temos. O governo
tem que sair do casulo. O governo parece que está com medo de sair do
debate. Ele precisa se abrir e dizer que não sabe o que fazer, mas
chamar para debater.
Como a agricultura brasileira vem sentindo os efeitos da crise? Essa crise tem atingindo mais em cheio o agronegócio, que é, no fundo,
o modo de os capitalistas organizarem a produção agrícola no Brasil.
Para isso, eles impuseram um modelo, que nós chamamos de agricultura
industrial, totalmente dependente dos insumos, dos agrotóxicos e do
mercado internacional. O mercado internacional vai diminuir, a renda
dos europeus, americanos e chineses vai diminuir, portanto, vai
diminuir o preço das commodities e vai diminuir o mercado.
Evidentemente que, de novo, os capitalistas do agronegócio vão querer
jogar sobre as costas dos trabalhadores o peso da crise. Já estão
jogando. De dezembro pra cá, segundo dados do próprio governo, mais de
300 mil trabalhadores rurais assalariados perderam o emprego.
E nos assentamentos do MST, como a crise está impactando?
Na agricultura familiar e camponesa, em que estão inseridos os
assentados, como o próprio modo de produção não é capitalista, o que a
gente tem debatido é que temos condições de resistir mais à
perversidade da crise. Nós não dependemos de emprego, nós achamos que
vai haver uma revalorização dos alimentos, ou seja, na crise o único
dinheiro que os trabalhadores reservam é para comida. Pode cortar a
luz, telefone, mas a comida não. Temos uma avaliação de que o povo
camponês sofrerá menos os efeitos da crise.
Sofrerá?
Sofrerá, talvez mais pela redução no ritmo das políticas públicas
agrícolas. Isso é que nos preocupa. Estamos pressionando para que o
governo transforme a crise em uma oportunidade. Para proteger a
população, essa era a hora de aumentar a Reforma Agrária, de aumentar
os investimentos públicos na agricultura e deixar de lado o
agronegócio, deixar de lado os grandes projetos do BNDES [Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para a expansão do
plantio de eucalipto, para expansão do etanol. Isso não desenvolve o
país e só gera desemprego. Esse é o debate que estamos fazendo entre
nós.
Como o senhor avalia as medidas tomadas pelo governo até então para conter os efeitos da crise no Brasil?
O governo, na boa intenção, diminuiu o percentual do depósito
compulsório que os bancos precisam fazer para o Banco Central. Isso
representou R$ 180 bilhões que os bancos privados, que recebem o nosso
depósito à vista, deixaram de recolher ao BC. A intenção do governo era
que esses bancos aplicassem na indústria e na produção para reativar a
economia. Mas eles recompraram títulos da dívida pública interna. Ou
seja, emprestaram novamente para o governo, a 12 % de juros. Ou seja,
os bancos enriqueceram ainda mais. É fácil até fazer a conta. Significa
que o governo ajudou os bancos a se apropriarem de R$ 20 bilhões em uma
tacada só. Além disso, muitas empresas aproveitam a notícia da crise
para reorganizar o seu processo produtivo. Há empresas que estão tendo
lucro, como a Vale do Rio Doce, que anunciou R$ 20 bilhões de lucro e
colocou na rua 2 mil operários. É um caso de se aproveitar da crise
para aumentar a exploração sobre os trabalhadores
O senhor acha que as medidas então não surtiram efeito?
As propostas dos governo e das classes dominantes são as propostas
clássicas do capitalismo. A saída que está sendo pensada é mais
liberalismo, mais dependência do capital internacional. E também dá
para perceber que a classe dominante brasileira não tem um projeto de
desenvolvimento do Brasil, ao contrário do que aconteceu na crise de
1929, quando a burguesia brasileira estava articulada ao redor do
governo Getúlio Vargas. Agora, a burguesia brasileira não tem um
projeto para o país. Ela só quer ter lucro e isso é uma tragédia, para
ela, inclusive.
E o que o senhor acha e o que os movimentos sociais acham que precisa ser feito?
Reduzir juros é insuficiente. O que nós precisamos é de uma terceira
alternativa, que é uma alternativa popular. Precisamos discutir com as
forças organizadas da sociedade um novo projeto de país, um novo modelo
econômico para o Brasil.
O que esse novo modelo incluiria?
Algumas medidas prioritárias. A primeira seria a estatização de todo o
sistema financeiro. Se não se controla a circulação do dinheiro, nunca
vai reativar a produção. Segundo ponto: é necessário acabar com o
superávit primário. O governo recolhe os impostos de todos nós e aí
separa R$ 200 bilhões para pagar em juros. Isso tem que acabar. Tem que
pegar esse dinheiro que está sobrando do orçamento e investir na
produção. Mas não é em qualquer produção. Não é em automóveis. Tem que
aplicar no que a população brasileira está precisando. Moradia popular,
transporte de massa, trem, metrô, navio. Aplicar em escolas. Temos um
déficit educacional enorme. Como é que se faz para pular dos 10% de
jovens na universidade, que nós temos, para os 80% que tem a Bolívia?
Construindo universidade, contratando professor, comprando livro, isso
tudo é indústria.
Só no investimento na educação, que é a grande tese
do Cristovam Buarque, já se poderia incentivar a economia. E o dinheiro
tem que vir do superávit primário, que tem que acabar. Pedi para que os
economistas amigos do MST pesquisem o seguinte: estou desconfiado de
que o Brasil é o único país do mundo a manter o superávit primário. Na
Europa, todos os países são deficitários.
O que mais é necessário?
Aplicar recursos e garantir emprego para todo mundo. Todo brasileiro
adulto tem que ter direito a emprego. Foi o que Roosevelt fez para
tirar os Estados Unidos da crise e transformar em potência mundial.
Isso não é novidade. Isso tudo que estou dizendo não é radicalismo.
Como fica a defesa da Reforma Agrária em meio a um contexto de crise financeira?
A Reforma Agrária fixa o homem no campo e desfaveliza o país. Além
disso, contribui para a produção de alimentos. Os únicos que produzem
alimentos são camponeses. O agronegócio produz celulose, etanol,
algodão, soja, mas comida não. Quem produz leite, arroz e feijão é o
camponês. Essa seria a maneira de ativarmos a produção agrícola. Mas
não é voltar àquela reforma agrária antiga.
E como é a Reforma Agrária moderna?
Agora, queremos outro tipo de Reforma Agrária. Trata-se de uma Reforma
Agrária que combine o camponês com as agroindústrias cooperativadas. Em
vez de o BNDES dar R$ 1 bilhão para a Nestlé, por exemplo, deveria dar
o mesmo valor para 100 cooperativas de camponeses que vão pasteurizar o
leite, fazer iogurte e vender em sua região. Não precisa mais ter
Nestlé. Tem que ter cooperativa de pequenos agricultores. Agora, sem
dinheiro público não tem cooperativa que funcione, assim como não tem
Nestlè que funcione sem dinheiro do BNDES. Em vez de o BNDES dar R$ 1
bilhão para que a Aracruz saia do prejuízo que ela teve, ele deveria
pegar esse dinheiro e emprestar para os camponeses reflorestarem as
margens dos rios. Teríamos outra paisagem no país, um reequilíbrio
ambiental . Não teria essa loucura do monocultivo do eucalipto que
desequilibra toda nossa natureza.
O senhor falou da necessidade de um programa de construção de casas.
Como o senhor avalia o programa Minha Casa, Minha Vida, lançado pelo
governo, que visa à construção de 1 milhão de casas populares?
O programa de habitação é bom. Espero que o governo tenha capacidade de
operação para que de fato 1 milhão de casas sejam financiadas. O meu
medo é que o governo deixe isso para o mercado. O governo cria as
condições, libera recursos e aí diz que o mercado vai construir 1
milhão de casas. Nunca vi construtora ganhar dinheiro fazendo casa para
pobre. Será que não seria melhor voltar a estimular as cooperativas, os
mutirões que, de qualquer maneira, vão comprar cimento, vidro, luz
elétrica. Mas deixar para empresas construir é um perigo. Seria melhor
então deixar para uma empresa estatal como o Chávez [Hugo Chávez,
presidente da Venezuela] faz.
E quanto ao PAC? O governo tem enfatizado que o programa vai ajudar a enfrentar os efeitos da crise. O que o senhor acha? O PAC é um projeto antigo, de antes da crise e tem o objetivo de
financiar hidrelétricas, portos e caminhos para que as multinacionais
exportem mais barato. Mas agora, com a crise, é necessário pensar outra
matriz industrial para resolver problemas do povo, não da exportação.
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