É óbvio que os chefes de Estado e de governo dos 20 países considerados os mais
poderoso
escolheram, através da sua declaração final da relegitimar um sistema
que no entanto está em crise estrutural e reforçar o papel de suas mais
contestadas instituições.
FMI, Banco Mundial, OMC e do Fórum de
Estabilidade Financeira: através dos seus US$ 1,1 trilhão, o G20
escolheu para estruturar sua resposta à crise quatro instituições cujas
políticas são desde há muito denunciadas pela sociedade civil por seu
impacto negativo sobre o desenvolvimento e acesso a direitos das
populações do mundo inteiro.
Ao dar ao FMI e ao Banco Mundial a
responsabilidade pelas operações de crédito para países violentamente
atingidos pela crise (chegando a decidir um aporte de US$ 750 bilhões
ao FMI), o G20 recoloca de pé duas instituições amplamente
desacreditadas pelos fracassos de suas políticas, que, há menos de um
ano, concentravam as críticas de toda a comunidade internacional. Esta
reabilitação se opera sem que tenham lugar compromissos satistatórios
no que se refere à sua reforma interna ou à mudança de rumo de sua
política, nem à sua integração no quadro institucional e legal do
sistema das Nações Unidas.
O comércio internacional é apresentado como a
principal fonte de criação de riquezas e relançamento econômico,
apesar do evidente impasse a que levou a liberalização comercial e a
desenfreada globalização dos mercados. A responsabilidade dos tratados
de livre comércio na desregulamentação financeira e a multiplicação de
produtos e práticas especulativas de alto risco sequer são questionadas.
O G20 não oferece nenhum compromisso específico
quanto ao fim da ditadura dos mercados financeiros, via drásticos
instrumentos públicos de controle e regulação. Os bancos e instituições
financeiras deverão ser salvos por todos os meios, ao preço do
financiamento público, sem qualquer garantia às populações (de crédito,
serviços bancários...) e sem que sua estatização tenha sido sequer
sugerida. Nenhuma interdição da especulação com matérias-primas foi
sequer esboçada.
A colocação dos territórios não-cooperativos no
plano bancário e fiscal (paraísos fiscais) numa lista suja não responde
às exigências da cidadania, que pretendia ver banidos, ao menos por
parte dos países do G20 e suas grandes empresas, qualquer forma de
domicílio ou de trânsito dos seus ativos em paraísos fiscais.
Os slogans sobre a necessidade de uma maior
vigilância e uma melhor regulação das agências de classificação de
instituições bancárias e dos atores financeiros virarão, sem dúvida,
letra morta.
Vale lembrar que, após a crise asiática do final
dos anos 90, medidas inéditas de proteção do mercado interno foram
introduzidas em muitos países abertos à liberalização financeira.
Posteriormente, elas foram alegremente desmontadas sob pressão dos
Estados europeus e os Estados Unidos, particularmente no contexto das
negociações comerciais regionais e bilaterais.
Por fim, os compromissos com a luta contra a
desigualdade social, a criação de empregos e a proteção sustentável dos
ecossistemas não vêm acompanhados por qualquer medida específica. São
tratados em parágrafos tão genéricos como marginais: nem novos
instrumentos de redistribuição, nem investimentos maciços em uma verde
economia e geradora de empregos decentes e justamente remunerados.
O G20 não traz qualquer proposta de criar novos
instrumentos a serviço de uma outra globalização, solidária e
ecológica, tais como impostos globais ecológicos e sobre as transações
financeiras. O G20 emudece sobre o reconhecimento e promoção de bens
públicos mundiais, tais como saúde, água, educação e saber,
indispensáveis para se reconstruir a globalização sobre novas bases.
Todos nós, organizações de solidariedade
internacional, sindicatos, associações de proteção do meio ambiente ou
de defesa dos direitos, sabemos que as mesmas políticas conduzidas
pelos mesmos atores conduzirão ao mesmo efeito: desigualdades
crescentes e pregarização dos "não-ricos"; drenagem sistemática dos
recursos naturais e degradação do equilíbrio ecológic; sucateamento da
solidariedade e proteção social; concentração do poder econômico nas
mãos de um punhado de multinacionais que só cuidam de proteger os
interesses das suas elites.
O mundo da solidariedade, da paz e da justiça
social. pretendido por nosso coletivo, reunido sob a bandeira "Não
pagaremos a crise deles", não foi sequer esboçado em Londres neste 2 de
abril de 2009.
A operação cosmética londrina tenta, ao
contrário, restaurar um pouco o lustre de um sistema fundamentalmente
injusto e decididamente desacreditado.
Nossas organizações
permanecerão mobilizadas para informar os cidadãos, fazer ouvir nossa
análise e nossas propostas e somar-se aos movimentos globais de
resistência e solidariedade que terão lugar França, na Europa e no
mundo."
Publicado orginalmente no Portal Vermelho
3/04/2009