Entrevistas Entrevista com Vinicius Oliveira, coordenador geral da ENECOS
Por Sheila Jacob
Em entrevista ao Boletim NPC, Vinícius Oliveira, da Coordenação Nacional da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos), falou sobre a atual situação dos cursos de comunicação e defendeu a formação de um comunicador crítico, que “esteja a favor do povo brasileiro e que possa compreender as contradições sociais e contextualizá-las”. Também criticou a composição da comissão formada pelo MEC para discutir as diretrizes curriculares do curso. Como ele lembra, o grupo não tem, em sua composição, “nenhum representante estudantil”, e ainda propõe um processo acelerado, que não prevê alterações ou contribuições no documento oficial. Confira a entrevista.
Bem, para começar, qual o
posicionamento da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social
(Enecos) quanto à qualidade dos cursos de comunicação - e com a formação do
comunicador? Quais seriam os principais desafios do ensino de jornalismo hoje?
Devemos casar a análise do quadro dos cursos de comunicação no país com o
projeto de educação defendido pelos diversos governos – ou seja,
a desresponsabilização, por parte do Estado, perante à educação.
Dessa forma, as universidades públicas vêm recebendo menos verbas. Com menos
verbas, teremos menos professores, menos estrutura, menos pesquisa, quase
nenhum extensão e menos qualidade.
As
universidades pagas muitas vezes usufruem de uma estrutura melhor, mas colocam
um curso viciado ao mercado, sem o mínimo de contestação acadêmica, com inexistência
de pesquisa e sumiço da extensão. Ou seja: fazem com que a Universidade não se
diferencie de um escolão.
Na
defesa da qualidade de formação, defendemos um Comunicador CRÍTICO, que seja
capaz de compreender o papel social da comunicação no mundo e
no Brasil, e de pensar a relação da tecnologia da comunicação e os vários
conceitos de dominação e hegemonia. Defendemos um profissional que esteja a
favor do povo brasileiro, que possa compreender as contradições sociais,
contextualizá-las historicamente, de forma sociológica, antropológica e
politicamente. Que compreenda a distribuição desigual dos veículos
de comunicação no Brasil, e suas relações com a classe dominante desse
país. Que conheça as diferentes realidades sociais do Brasil, da sua região
e da sua cidade. E que se entenda enquanto trabalhador, cidadão e
agente de transformação social.
Em entrevista ao
Observatório do Direito da Comunicação, você disse que a Executiva tem um posicionamento
contrário à saída de jornalismo de comunicação social – que o transformaria em um
curso específico. Por que exatamente?
Por incrível que pareça, a grande tarefa do ensino do jornalismo é trazer os
debates da "atualidade" para a escola, mas de forma contextualizada
historicamente - para não vermos as mesmas notícias de ontem serem as novidades
de amanhã. É também debater profundamente alguns mitos, como o da
"neutralidade”, e garantir ao jornalista uma formação técnica e crítica,
que possa compreender as diversas mídias, mas tenha instrumentos para inovar e
ousar. Ou seja: oferecer matérias práticas que levem à reflexão, e matérias teóricas
que levem à práxis.
Por isso defendemos que o
curso esteja dentro de uma teoria da comunicação crítica. O jornalista deve
entender, principalmente, que faz parte da classe trabalhadora, que tem patrão,
e que tem o direito e um código de ética da categoria que não pode ser o código
de ética do lucro do patrão. Deve perceber que a luta pela
democratização dos meios de comunicação é uma bandeira vital para a sobrevivência
para qualquer discussão sobre ética no jornalismo. O monopólio midiático
garante a super-exploração dos jornalistas e diversos profissionais da
comunicação, e esse tema deve ser debatido profundamente na academia.
O que a Enecos acha da formação dessa comissão pelo
MEC para a revisão das diretrizes curriculares? Tem expectativas quanto aos desdobramentos/ formulações para repensar o
curso?
A
comissão não tem nenhum representante estudantil. Na comissão diversas
entidades nacionais puderam indicar nomes, menos a representação estudantil,
que sequer foi comunicada sobre a referida comissão.
Criticamos
também o processo acelerado que essa comissão propõe. A comissão deixou apenas
até o dia 30 de março o espaço aberto para contribuições a cerca da discussão.
Ora, como vamos mandar contribuições, se a comissão de especialistas ainda não
fez nenhum pronunciamento ou documento oficial sobre quais serão as principais
discussões nesse tocante? Além do prazo muito curto, que deveria ser repensado.
A
realização das consultas públicas em apenas três Estados da federação não
permite que a sociedade seja realmente ouvida. Existe a necessidade de debates
a cerca do tema nas escolas de comunicação do país, por meio dos diretórios
acadêmicos, dos departamentos, das entidades de classe e dos movimentos sociais
e de comunicação. Só assim essa síntese seria produzida de uma forma realmente
democrática. As escolas de comunicação social do país têm que ser ouvidas sobre
esse processo. Esse debate deve vir das bases, e não de cima para baixo.
Consideramos
ainda que não é possível discutir a qualidade dos cursos de jornalismo sem defender
mais verbas para as universidades e para os cursos de comunicação social do
país. Também temos que pensar na universidade como produtora de conhecimento;
em melhor qualificação dos laboratórios, e batalhar para que as rádios e TVs
universitárias sejam instrumentos de experimentação dos estudantes e
professores, e não das reitorias. E ainda defender a contratação de professores
efetivos, e o estímulo à pesquisa, extensão e à produção acadêmica,
contemplando o real tripé da Universidade.
O tema da
qualidade de formação do comunicador sempre foi caro à Enecos, e o debate está
tendo atenção agora. Qual será a estratégia da Executiva? Que mensagem vocês
gostariam de transmitir? Achamos
que esse é o momento de retomar o “Movimento
Nacional pela qualidade de formação do comunicador”, e apontar que
a discussão do jornalismo não deve ser desconectada da discussão da formação do
profissional de comunicação.
Aproveitamos
esse momento para convidar estudantes, professores, sindicatos, intelectuais, profissionais
da área e movimentos sociais e de comunicação para revivermos esse movimento
pela qualidade acadêmica. Para que possamos construir uma proposta alternativa
para os rumos do jornalismo e da comunicação social, e apresentarmos para essa
comissão em maio, junto com os Movimentos Sociais.
A
Enecos estará divulgando um documento nas semanas seguintes para a
iniciação dos debates nas escolas, de forma ampla e verdadeiramente democrática.