Hist�ria Escritor angolano fala sobre suas obras e a exaltação de seu povo
Por Sheila Jacob
O
autor angolano Manuel Rui Monteiro esteve no Rio de Janeiro para falar sobre
seu livro Quem me dera ser onda. O encontro foi no dia 24 de março, na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Reuniu estudantes, professores e
admiradores das literaturas africanas de expressão portuguesa.
Quem
me dera ser onda
foi o primeiro livro do escritor, lançado em 1982. A partir da relação
dos meninos Zeca e Ruca com o porco levado às escondidas para sua casa, o texto
fala sobre a sociedade angolana após a independência de Angola – decretada em
11 de novembro de 1975. Aborda as conseqüências da guerra; a migração física e
simbólica das aldeias para as cidades; a hostilidade à professora que é progressista
por acreditar, juntamente com as crianças, em uma liberdade de fato; a
reprodução da opressão, antes praticada pelo colonizador e agora pelos próprios
angolanos.
“Quem
me dera ser onda trata exatamente dessa fase pós-revolução. O que vejo hoje
no meu país é gente oportunista, que se aproveitou da revolução para ocupar o
lugar da burguesia branca”, disse o escritor.
Mas
ele lembrou que o livro fala principalmente de sonhos, de utopia, de esperança.
Por isso, traz como mensagem final o desejo das crianças de serem ondas –
retomando a metáfora do título da obra. “O nome do livro é essencial, porque o
desejo de ser onda é exatamente por ser aquilo que não pode ser amarrado,
preso”.
E
o mar acaba simbolizando a crença na mudança e a utopia da transformação –
elementos que movem a escrita do autor: “Tenho paixão imensa pelo mar, porque
representa a mudança constante. A utopia, que me faz dar o passo seguinte todos
os dias”.
Manuel
Rui disse que muitos riem com esse livro, “mas é um texto para chorar também”.
O porco simboliza o Carnaval antigo, do povo. Não é a toa que acaba sendo
sacrificado ao final da história, servindo de alimento aos antigos
revolucionários, que chegaram ao poder e mantêm a estrutura de desigualdade. O
animal inclusive morre no dia do “Carnaval da Vitória” – festividade instituída
em 1978 pelo então presidente Agostinho Neto. A festa, que simbolizava um
“carnaval institucional”, acabou sendo extinta em meados dos anos 90.
O
escritor revelou ainda que o objetivo de sua escrita é narrar os fatos e
acontecimentos do país por meio de um texto que se configura com os jeitos de
ser e estar angolanos. A linguagem utilizada, por exemplo, incorpora a
oralidade para resgatar a cultura e a tradição angolanas:
“Meu
país é de tradição oral. Por isso, ao escrever, tento ‘enganar’ o leitor, para
que ele sinta que está ouvindo aquela história. Para mim, a escrita
levada e imposta pelo colonizador tem que ser usada por nós como uma arma, para
tratar das coisas da nossa terra e do nosso jeito”.
As
obras de Manuel Rui Monteiro reúnem a história de seu país. Como ele afirmou,
sua escrita parte da observação, e está profundamente ligada às suas
experiências. “Escrevo sempre sobre meu povo. Sou de uma geração que conviveu
com as estátuas. São de pessoas que conhecemos, que conviveram conosco. Então,
a história que contamos não é passado; é o presente mudando todos os dias”.
Como
lembrou a especialista em literatura angolana, professora Laura Padilha, Manuel
Rui é um escritor que sente orgulho de seu país, “e não se afastou em nenhum
momento das idéias em que sempre acreditou”. Ele é o autor do hino nacional de
Angola, e é dele a autoria da cantiga tradicional que diz: Os meninos à volta
da fogueira / Vão aprender coisas de sonho e de verdade / Vão aprender como se
ganha uma bandeira / Vão saber o que custou a liberdade.
A
prosa e a poesia de Manuel Rui significam exatamente essa tentativa de se
passar adiante o esforço para a conquista da libertação e a necessidade de se
pensar e reconstruir o país que ele tanto ama. Além de Quem me dera ser onda,
publicou nove livros de poemas e mais uma dezena de ficções, como Crónica de um Mujimbo,
Casa do Rio, O Manequim e o Piano e o mais recente Janela de
Sónia.