M�dia
Carta aberta aos jornalistas do Brasil
No dia 11 de março de 2009, fui convidado pelo jornalista Paulo José
Cunha, da TV Câmara, para participar do programa intitulado Comitê de Imprensa,
um espaço reconhecidamente plural de discussão da imprensa dentro do
Congresso Nacional. A meu lado estava, também convidado, o jornalista
Jailton de Carvalho, da sucursal de Brasília de O Globo.
O tema do programa, naquele dia, era a reportagem da revista Veja,
do fim de semana anterior, com as supostas e “aterradoras” revelações
contidas no notebook apreendido pela Polícia Federal na casa do
delegado Protógenes Queiroz, referentes à Operação Satiagraha. Eu,
assim como Jailton, já havia participado outras vezes do Comitê de Imprensa,
sempre a convite, para tratar de assuntos os mais diversos relativos ao
comportamento e à rotina da imprensa em Brasília. Vale dizer que
Jailton e eu somos repórteres veteranos na cobertura de assuntos de
Polícia Federal, em todo o país. Razão pela qual, inclusive, o
jornalista Paulo José Cunha nos convidou a participar do programa.
Nesta carta, contudo, falo somente por mim.
Durante
a gravação, aliás, em ambiente muito bem humorado e de absoluta
liberdade de expressão, como cabe a um encontro entre velhos amigos
jornalistas, discutimos abertamente questões relativas à Operação
Satiagraha, à CPI das Escutas Telefônicas Ilegais, às ações contra
Protógenes Queiroz e, é claro, ao grampo telefônico – de áudio nunca
revelado – envolvendo o presidente do Supremo Tribunal Federal,
ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.
Em particular, discordei da tese de contaminação da Satiagraha por
conta da participação de agentes da Abin e citei o fato de estar sendo
processado por Gilmar Mendes por ter denunciado, nas páginas da revista
CartaCapital, os muitos negócios nebulosos que envolvem o
Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), de propriedade do
ministro, farto de contratos sem licitação firmados com órgãos públicos
e construído com recursos do Banco do Brasil sobre um terreno comprado
ao governo do Distrito Federal, à época do governador Joaquim Roriz,
com 80% de desconto.
Terminada a gravação, o programa foi
colocado no ar, dentro de uma grade de programação pré-agendada, ao
mesmo tempo em que foi disponibilizado na internet, na página
eletrônica da TV Câmara. Lá, qualquer cidadão pode acessar e ver os
debates, como cabe a um serviço público e democrático ligado ao
Parlamento brasileiro. O debate daquele dia, realmente, rendeu
audiência, tanto que acabou sendo reproduzido em muitos sites da
blogosfera.
Qual foi minha surpresa ao ser informado por
alguns colegas, na quarta-feira passada, dia 18 de março, exatamente
quando completei 43 anos (23 dos quais dedicados ao jornalismo), que o
link para o programa havia sido retirado da internet, sem que me fosse
dada nenhuma explicação. Aliás, nem a mim, nem aos contribuintes e
cidadãos brasileiros. Apurar o evento, contudo, não foi muito difícil:
irritado com o teor do programa, o ministro Gilmar Mendes telefonou ao
presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, do PMDB de São Paulo,
e pediu a retirada do conteúdo da página da internet e a suspensão da
veiculação na grade da TV Câmara. O pedido de Mendes foi prontamente
atendido.
Sem levar em conta o ridículo da situação (o
programa já havia sido veiculado seis vezes pela TV Câmara, além de
visto e baixado por milhares de internautas), esse episódio revela um
estado de coisas que transcende, a meu ver, a discussão pura e simples
dos limites de atuação do ministro Gilmar Mendes. Diante desta
submissão inexplicável do presidente da Câmara dos Deputados e, por
extensão, do Poder Legislativo, às vontades do presidente do STF, cabe
a todos nós, jornalistas, refletir sobre os nossos próprios limites.
Na
semana passada, diante de um questionamento feito por um jornalista do
Acre sobre a posição contrária do ministro em relação ao MST, Mendes
voltou-se furioso para o repórter e disparou: “Tome cuidado ao fazer
esse tipo de pergunta”. Como assim? Que perguntas podem ser feitas ao
ministro Gilmar Mendes? Até onde, nós, jornalistas, vamos deixar essa
situação chegar sem nos pronunciarmos, em termos coletivos, sobre esse
crescente cerco às liberdades individuais e de imprensa patrocinados
pelo chefe do Poder Judiciário? Onde estão a Fenaj, e ABI e os
sindicatos?
Apelo, portanto, que as entidades de classe dos
jornalistas, em todo o país, tomem uma posição clara sobre essa
situação e, como primeiro movimento, cobrem da Câmara dos Deputados e
da TV Câmara uma satisfação sobre esse inusitado ato de censura que
fere os direitos de expressão de jornalistas e, tão grave quanto, de
acesso a informação pública, por parte dos cidadãos. As eventuais
disputas editoriais, acirradas aqui e ali, entre os veículos de
comunicação brasileiros não pode servir de obstáculo para a exposição
pública de nossa indignação conjunta contra essa atitude execrável
levada a cabo dentro do Congresso Nacional, com a aquiescência do
presidente da Câmara dos Deputados e da diretoria da TV Câmara que,
acredito, seja formada por jornalistas.
Sem mais, faço valer
aqui minha posição de total defesa do direito de informar e ser
informado sem a ingerência de forças do obscurantismo político
brasileiro, apoiadas por quem deveria, por dever de ofício, nos
defender.
Leandro Fortes Jornalista
Brasília, 19 de março de 2009
Foram
enviadas cópias desta carta para Sérgio Murillo de Andrade, presidente
da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj); Maurício Azedo,
presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI); e Romário
Schettino, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do
Distrito Federal (SJPDF)
Núcleo
Piratininga
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