Organizações não-governamentais e movimentos sociais de todo o planeta
reivindicam que o direito à comunicação (de ser informado, mas também de
informar) deve ser incluído no rol dos direitos humanos inalienáveis, como
parte daquilo que constitui nossa própria humanidade. E, no século XXI, o
direito humano à comunicação materializa-se no acesso às redes de informação em
alta velocidade. Tais redes ganham, então, o mesmo status que as
infraestruturas de saúde, educação e transporte, por exemplo, obtiveram ao
longo do século XX. Cabe ao Estado garantir que todos os cidadãos poderão delas
usufruir.
Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2007, realizada pelo Comitê Gestor da
Internet (CGI.br), e disponível em www.cetic.br, apenas 17% das residências
urbanas brasileiras possuíam conexão à internet. Mesmo assim, 42% destas ainda
se utilizavam dos tradicionais modems para linhas discadas, com velocidade
incapaz de usufruir da maior parte dos serviços disponibilizados na internet.
Isso significa que estamos construindo mais um tipo de exclusão, impedindo que
o direito humano à comunicação possa ser exercido livremente.
Para garantir que todo cidadão tenha acesso à internet, segundo a legislação
brasileira, é fundamental que o presidente da República edite um decreto
presidencial tornando a chamada banda larga um serviço a ser prestado em regime
público.
Com isso, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) terá de publicar um
Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) e um Plano Geral de Metas de
Qualidade (PGMQ). Com o PGMU a Anatel terá a chance de reconhecer (o que não
fez na telefonia!) que inclusão social no Brasil só se faz para além do
mercado.
É um erro esperar que o mercado consiga, por si só, incluir a todos,
ainda mais em um país profundamente desigual como o nosso. Portanto, não é
possível mais considerar como “universalizados” todos aqueles que dispõem da
oferta do serviço, mesmo que não possam por ela pagar. Seria o mesmo que dizer
que um morador de uma favela, por acaso próxima de um centro de excelência de
medicina privada, está “universalizado” em relação à saúde. É preciso garantir
o acesso de fato e, uma vez criado o serviço em regime público, o governo
poderá usar os mais de 7 bilhões de reais já arrecadados no Fundo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para garantir a
inclusão de fato.
Por exemplo, o Fust poderá ser usado para financiar redes locais, com ou sem
fio, coordenadas por prefeituras e/ou a sociedade civil local, que garantam
internet para todos a baixo custo. O serviço prestado em regime público
permitirá que a Anatel defina uma política de tarifas, não apenas para o
usuário final, mas também para a interconexão, impedindo que as grandes
operadoras usem o oligopólio da infraestrutura para evitar a concorrência. Mais
do que isso, a Anatel pode impor políticas de abertura das redes das “teles”
para essas experiências de conectividade local sem fins lucrativos.
Com o PGMQ, a Anatel poderá definir o que é, de fato, uma banda larga. Qual
velocidade as operadoras serão obrigadas a garantir para o usuário final? Será
possível que as operadoras, como fazem hoje, continuem utilizando de práticas
conhecidas como traffic shapping
para impor os tipos de serviços que serão beneficiados no acesso do usuário
final?
Infelizmente, parece que não foi este o caminho escolhido pelo atual governo,
que confirma a política liberal do governo anterior e relega ao duopólio da Oi
(& Brasil Telecom) e Telefônica, secundado pelas redes de tevês pagas, a
tarefa de garantir o acesso à internet para todos os brasileiros, por meio
exclusivamente dos mecanismos de mercado. Assim, no mundo virtual, tal como no
real, o Brasil segue sendo uma imensa Belíndia.
*Gustavo Gindre é coordenador
acadêmico do Instituto Nupef, integrante do Coletivo Intervozes e membro eleito
do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).