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Entrevistas
Virgínia Fontes fala sobre a Revolução Cubana: "A gente tem muito para aprender com eles"

Por Tatiana Lima, do Jornal do Sintuperj

De um lado, prateleiras de livros até o teto. Do outro, uma bandeira do Movimento dos Sem Terra (MST) repousando sobre uma poltrona, na sala de estar. Sobre a mesa, publicações do jornal Brasil de Fato e revistas de história. Foi neste ambiente, em sua casa, que a historiadora e professora de pós-graduação da UFF, Virginia Fontes, concedeu entrevista ao jornal do Sintuperj, para analisar os 50 anos da revolução cubana.

 

Entre um café e vários cigarros, a ex-moradora de Jacarepaguá, que cresceu e viveu na zona norte, descreveu Cuba como sendo a "Madureira da minha infância": um bairro onde qualquer um pode morar, bem ou mal. Diferente do Leblon, cercado de serviços bons e caros, mas seletivo. "Eu não quero morar num mundo que seja o Leblon. Quero Madureira".

 

Para ela, a população tem por hábito enxergar e dividir o Rio de Janeiro entre zona sul e favela. Mas no meio existe Madureira. "Não se pode dizer que Madureira é preta, branca ou parda porque não é. Madureira tem todas as cores do mundo. O que não é o caso do bairro do Leblon. O Leblon é bronzeado", ironiza.

 

Jornal do Sintuperj: Dia 1º de janeiro deste ano, a revolução cubana fez cinqüenta anos. Cuba ainda é um símbolo do socialismo, nos dias de hoje?

Virgínia Fontes: Cuba é um processo revolucionário absolutamente maravilhoso na América Latina. Aquela pequena ilha, na ponta do país mais poderoso do planeta, conseguiu se autonomizar. Primeiro, numa luta de libertação nacional que, em seguida, se converteu num processo de revolução socialista. Partilho, participo emotiva e intelectualmente desse simbolismo que Cuba representa do socialismo, da necessidade do socialismo.

 

Então Cuba ainda representa essa necessidade nos dias atuais?

VF: A necessidade e a urgência! Mais do que cinquenta anos atrás. Se há cinquenta anos a dominação capitalista já era uma dominação imperialista, hoje o controle multinacional controla a vida, controla a patente da vida. Tem patente de planta, tem patente de vida biológica, patente proprietária que controla as águas doces e salgadas e está procurando controlar os ares. Não estou falando só do ar, mas do conjunto dos ares: o oxigênio que a gente respira, o ar que está sobre a nossa cabeça e o cosmo, que está bem além da nossa cabeça. E quando eu digo multinacional, isso não exclui os capitais brasileiros. O grande capital monopolista brasileiro participa como sócio subalterno dessa multinacionalização.

 

Cuba mostra para o mundo a atualidade do socialismo?

VF: Lógico. Cuba é uma experiência que eu prefiro chamar de longa luta pelo socialismo. Não é possível um socialismo totalmente realizado num único país, muito menos numa ilha, mas é possível e é brilhante acompanhar a luta pelo socialismo em Cuba. O que aquela ilhota, que é feito uma unha encravada dos Estados Unidos, uma coisinha mínima em relação ao território brasileiro, conquistou nesses cinquenta anos, a maioria da população brasileira e da população mundial está longe de alcançar. A gente tem muito para aprender com eles.

 

Você acha que o modelo cubano funcionaria no Brasil?

VF: Em primeiro lugar, não tem modelo de revolução. Existe um luta histórica. Uma tendência histórica do capitalismo, que é expropriar massivamente a população e concentrar a propriedade. Essa é uma tendência geral. Mas a forma como cada país se coloca, suas lutas especificas, os grupos sociais e os embates, a cultura e as formas culturais são diferentes. Portanto, a gente pode estudar cada revolução para aprender com ela, não para decorar um modelo.

 

Mas seria necessária uma revolução no Brasil?

VF: Sem sombra de dúvida. Somente por um processo revolucionário o Brasil poderia conseguir frear ou reverter as desigualdades brutais e crescentes da sociedade. Apesar dos programas de governo feitos pra diminuir uma parcela do sofrimento dos que sofrem mais. Isso não significa redução das desigualdades.

A necessidade de uma revolução está colocada do ponto de vista do significado da vida humana. Efetivamente da vida humana! A gente vive em cidades embarreiradas, cidades carcerárias. Você anda aqui pelo meu bairro e vê: quantos apartamentos não possuem grades nas janelas? Se for 1% é muito. A grande maioria está cheia de grades, de vigias e sei lá mais o quê. Isso é uma vida social? Que vida social é essa que a gente é educado desde a mais tenra infância a competir pelo que é meu, incapaz de pensar de forma coletiva? Isso não é obrigatório e nem natural. Isso é construído dentro da sociedade.

 

O que é o socialismo?

VF: A luta pelo socialismo é a luta por uma sociedade onde ninguém possa explorar a força de trabalho alheia. A Internacional Socialista diz assim: uma sociedade onde ninguém tenha direitos sem deveres, nem deveres sem direitos. Portanto, uma sociedade na qual tende a desaparecer a propriedade dos meios de produção, num primeiro momento e, em seguida, a própria idéia de propriedade. Se todo mundo está feliz e satisfeito, você não precisa ser dono do bolo para comer um pedaço de bolo. Aqui é o contrário: o dono do bolo não permite que ninguém coma do bolo. Ele até joga o bolo fora, mas ninguém pode comer.

Mas esse horizonte não pode ser realizado num só país. O país está encerrado numa malha de redes internacionais, nas quais a propriedade impõe e se impõe. Ainda que a luta interna exista, ela não tem como superar de maneira decisiva e definitiva isso. A população vai ter que lidar com a corrupção pela propriedade, do lado de fora; com os efeitos que essa propriedade traz; vai ter que comprar fora bens necessários para a vida da sociedade... Nenhuma sociedade existe, hoje, isoladamente. Então, socialismo não é uma definição de sociedade finalizada. É uma definição de processo de luta a longo prazo.

 

Muitos acusam Cuba de ser uma ditadura. Fidel era um ditador?

VF: Considerar o Fidel um ditador é um raciocínio torto, banhado em preconceito. O processo revolucionário do qual Fidel participou, como um dos principais líderes – junto com Che, Raul e outros tantos – em nenhum momento impôs alguém como exigência. Se Fidel permaneceu no poder ao longo desses 50 anos foi porque tinha um papel fundamental. Fidel não tem propriedade, não tem riqueza. Já tentaram assassinar Fidel de todas as formas. Não há nenhuma suspeita de corrupção sobre Fidel.

Meus amigos cubanos dizem uma coisa que me emocionou muito, a primeira vez que eu ouvi. Uma frase mais ou menos assim: "É maravilhoso que Cuba tenha podido contar, em seu processo revolucionário, com pessoas capazes de se doar como Fidel Castro. Fidel Castro não nos manda, não decide o que nós vamos fazer. Fidel Castro nos ajuda a ver o mundo". Essa é uma percepção de mundo de gente que vive em Cuba, alguns intelectuais, outros populares. O papel exercido por Fidel não tem nada de equivalente a um papel ditatorial. A comparação de Fidel com um ditador não dá conta dessa relação afetuosa, mais íntima, que se estabeleceu em Cuba entre Fidel e a população cubana.

 

Como fica com a saída de Fidel?

VF: Esse sempre foi o desejo dos Estados Unidos. Eles tinham certeza de que, quando Fidel saísse, acabava a revolução cubana. Fidel saiu e não acabou. Essa relação amorosa entre a população cubana e Fidel Castro não significa que ele decida o que a população vai fazer. O poder dele era também de convencimento, e esse convencimento não se destrói fácil. E os Estados Unidos são uma ameaça permanente à nacionalidade cubana. Os interesses estadunidenses sempre foram para submeter Cuba de maneira brutal. Já tinham feito isso no início do século XX, quando praticamente colonizaram Cuba. A população cubana sabe disso e não quer.

 

Mas uma parte da população se mostra insatisfeita com o governo e até foge para os Estados Unidos, né?

VF: A emigração cubana pra fora é absolutamente compreensível, como é compreensível a emigração brasileira para os Estados Unidos. As pessoas têm horizonte mais ou menos igualitário em Cuba, mas não têm acesso a tudo. Você imagina se hoje o governo brasileiro resolvesse dar a todos o mínimo, igualitariamente. Educação, saúde... não teria computador para todo mundo, como já não tem. Não teria celular para todo mundo, como não tem. Algumas coisas a gente não poderia ter imediatamente, poderia tentar ter para frente, mas teria que, primeiro, garantir essa base igualitária.

Além disso, em Cuba existe um permanente estímulo do governo norte-americano à essa emigração cubana. Os cubanos são os únicos que entram nos Estados Unidos e imediatamente têm direito a tudo: carta de trabalho, apoio, local pra morar etc. São recebidos como todos deveriam ser, quando viajam. Mas só os cubanos têm esse privilégio. Imagina se os brasileiros chegassem lá e ainda tivesse apoio do governo para se instalar? Consegue ter uma idéia do que isso representaria?

 

Mas isso não pode pôr em risco o processo socialista? Fala-se também na entrada de novos produtos, como celulares.

VF: Cuba tem muito mais contato com o mundo do que a grande maioria da população brasileira. O mundo inteiro vai a Cuba. Cuba abriga turmas de médicos, de músicos, de teatrólogos, de sociólogos do mundo inteiro. A gente chega a Havana e encontra gente de todas as nacionalidades no cotidiano da cidade. O problema é a entrada de um determinado tipo de consumo que impulsiona a concorrência e a propriedade capitalista. Como o governo cubano vai conseguir fazer isso? Imagina: televisão, dvd, celular, câmera fotográfica, tudo isso é feito para ser jogado fora um ano depois. Um desperdício social brutal. Nenhuma sociedade socialista pode conviver com isso. Ou ela se destrói, entra na lógica da destruição capitalista, ou enfrenta isso, tentando oferecer objetos mais duráveis, cuja serventia não se esgote no lucro imediato da empresa. Esse é o desafio de Cuba. Será que Cuba vai ser capaz de fazer frente?

E tem outro problema. Cuba não fala pelo celular e tem menos computadores porque os Estados Unidos bloqueiam há anos a conexão de Cuba com o mundo. Eles proíbem a colocação de um cabo submarino entre Cuba e Miami. Agora, Cuba vai resolver isso através de um cabo com a Venezuela. Repara a loucura! É um cabo muito mais extenso.

 

Como você vê a influência da crise mundial na atualidade do socialismo?

VF: Com relação a Cuba não saberia te dizer. Com relação ao Mundo, acho que as crises do capital são apresentadas pra gente como uma catástrofe natural. Mas é mentira. As crises do capital a gente já sabe que vão acontecer, porque o capital é voraz, ele come mais do que é capaz de digerir, uma hora não cabe e ele vomita tudo. O que ele vomita? Aquilo que ele tirou da boca dos que não puderam comer. O que ele está destruindo agora é o trabalho de que ele se apropriou de maneira brutal e numa escala mundial.

A mídia em geral apresenta essa crise como econômica. A crise do capital é sempre uma bruta crise social. Isso é o que está escondido. O que significa o desemprego? A crise faz com que os capitalistas, os grandes proprietários internacionais, multinacionais, tenham melhores meios e melhores condições de explorar os trabalhadores. Vão demitir ainda mais, a gente não acreditava que fosse possível ter condições piores, né?  Tá vendo, olha a prova, é sempre possível piorar a vida sob o capitalismo. 


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