M�dia Criminalização das lutas sociais: um padrão de cobertura da mídia brasileira
Entre
o final de fevereiro e início de março, a mídia corporativa iniciou
mais uma campanha contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST). Telejornais, jornais impressos, revistas, rádios e sites da
internet pertencentes aos grandes conglomerados de mídia dedicaram-se a
difundir sua indignação com os agricultores sem terra. As colunas de
muitos articulistas e, especialmente, os editoriais destes veículos,
transformaram-se em verdadeiros canais destiladores do preconceito e da
ira.
Duas matérias veiculadas em seqüência no domingo (01/03) por um dos principais programas da TV Globo, o Fantástico,
demonstram o grau de sofisticação desta campanha ideológica. Uma
matéria mostrava um beneficiado pela reforma agrária tentando vender um
lote que conquistou; a outra abordava o desmatamento promovido em um
assentamento na Amazônia. Em meio a um turbilhão de denúncias contra o
MST, seria mera coincidência a exibição de duas matérias expondo as
contradições da reforma agrária – feita de forma incompleta e
improvisada pelo Estado brasileiro – em um dos programas de maior
audiência da TV brasileira, ainda que sem citar nominalmente o
movimento? Certamente não.
A
campanha da mídia é uma das muitas facetas do processo de ataque em
curso contra o MST. No Rio Grande do Sul, este processo de perseguição
é encabeçado pelo promotor do Ministério Público gaúcho Gilberto Thums,
e pela governadora Yeda Crusius (PSDB), que juntos ordenaram o
fechamento de escolas do MST no início do ano letivo de 2009. Tal
campanha se alimenta também das declarações da conservadora União
Democrática Ruralista (UDR), do secretário de Justiça do Estado de São
Paulo, Luiz Antonio Marrey, e, sobretudo, do presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes.
Causa
espanto observar o maior chefe da Justiça brasileira aderir sem pudores
à militância e ao discurso ideológico da direita brasileira. Ele cobra
agilidade nas investigações dos recursos públicos destinados aos sem
terra. Tal atitude, contudo, não foi verificada quando grandes empresas
e fazendeiros, também beneficiados pelo dinheiro público, estiveram
envolvidos direta ou indiretamente com a morte de centenas de
trabalhadores rurais, sindicalistas e missionários, com a contaminação
e destruição do meio ambiente, o trabalho escravo e o infantil, a
expulsão de comunidades tradicionais de suas terras, a grilagem, a
corrupção de políticos e de funcionários públicos. Não podemos esquecer
também da benevolência e tratamento dispensado ao banqueiro Daniel
Dantas, por duas vezes preso e por duas vezes solto pelo mesmo STF.
Mais espanto ainda causam os meios de comunicação ao cobrir de forma
acrítica as declarações de Gilmar Mendes.
Estas
articulações políticas conservadoras, às quais os grandes grupos de
comunicação brasileiros estão historicamente ligados, tornam estes
veículos incapazes de refletir os problemas do povo brasileiro. Todos
os espaços dedicados às denúncias contra o MST tratam o tema como um
caso de polícia, mas não há uma reflexão mais profunda sobre a questão
agrária no Brasil, que aborde os sem terra como um problema social,
herdeiros de uma dívida histórica do Estado brasileiro. Não se fala que
nosso país é o segundo, em todo o mundo, em concentração de terras. Não
se fala que em um país com uma infinidade de terras férteis, milhares
de brasileiros continuam a ser expulsos do campo, enquanto outros
milhões ainda padecem de fome.
Não
se fala que os sem terra têm nas ocupações um método de luta social
para fazer avançar a reforma agrária. Não se fala que uma medida
provisória que impede o repasse do Estado a cooperativas agrícolas
ligadas a movimentos que ocupem terras tende a punir, na verdade,
cooperados e assentados que já estão nas terras, além de atravancar o
processo de reforma agrária e prestar um desserviço aos interesses do
país, por impedir o desenvolvimento dos assentamentos.
Não
se fala, também, que é ao redor da monocultura das grandes propriedades
que se concentram as áreas de maior índice de violência no campo,
fazendo do agronegócio o grande gerador de conflitos e mortes no meio
rural. Por outro lado, o mesmo agronegócio, financiador assíduo da
grande mídia, é exaltado como modelo de desenvolvimento.
Tão
importante quanto apurar os responsáveis e circunstâncias da morte de
quatro pistoleiros a serviço de fazendeiros é não deixar de noticiar e
de se apurar devidamente as dezenas de mortes de sem terra, de
indígenas, de quilombolas, de lutadores da reforma agrária e dos
direitos humanos no campo brasileiro. É importante saber também por que
as contradições da reforma agrária são tão exploradas e atacadas, e
pouco se fala dos problemas gerados pelo modelo de monocultura, pela
grilagem de terras, pelas milícias dos produtores rurais, pela
destruição do nosso ambiente ou pela violência que reina no interior do
país a mando de grandes fazendeiros.
Nós do Intervozes –
Coletivo Brasil de Comunicação Social acreditamos que isso acontece
porque a mídia não é democrática no Brasil. Porque a comunicação no
país hoje está em mãos de pouquíssimos grupos privados, cada vez mais
poderosos. Porque esses grupos não possuem ligação com o povo
brasileiro, com seus interesses, objetivos, sonhos e esperanças. Para
nós, a luta do povo brasileiro por seus direitos não pode mais ser
criminalizada, nem pelos meios de comunicação, nem pelo Estado. Deve,
ao contrário, ser entendida como uma necessidade histórica de
transformações sociais há muito esperadas e adiadas em nosso país.
Infelizmente,
os meios de comunicação têm se mostrado incapazes de promover uma
reflexão aprofundada e um debate democrático, a partir de múltiplas
visões, sobre a estrutura agrária e o modelo de desenvolvimento do
país. A todos aqueles que desejam ver no Brasil uma verdadeira
democracia, deixamos o convite para engrossar as fileiras do movimento
pela democratização das comunicações no país – que em 2009 vivenciará a
primeira Conferência Nacional sobre o tema.
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social Março de 2009