Menu NPC
 
 Conheça o NPC
 Quem somos
 O que queremos
 O que fazemos
 Equipe
 Fotos do NPC
 Fale conosco
 Serviços do NPC
 Cursos
 Palestras
 Agenda
 Clipping Alternativo
 Publicações
 Livros
 Cartilhas
 Apostilas
 Agendas Anuais
 Nossos Jornais
 Dicas do NPC
 Dicionário de Politiquês
 Leituras
 Documentos
 Músicas
 Links
 
 
Entrevistas
Leonardo Boff: Um outro mundo, "mais feminino", é possível

Por Gilka Resende, do Fazendo Media


Leonardo Boff, em entrevista coletiva no FSM 2009, afirmou que o sistema capitalista levou o planeta a entrar em fase de caos. Boff destacou ainda a importância da presença do presidente brasileiro no Fórum Social Mundial, porém afirmou que Lula concedeu muito à macroeconomia neoliberal. Para o teólogo e militante, o mundo precisa ser mais solidário e feminino. Dos veículos de comunicação presentes, nenhum pertencia à grande mídia.


O governo e os movimentos sociais caminham juntos no Brasil?

Parte superior do formulário

O primeiro que se tem que dizer é que Lula é fruto da acumulação de poder social, que depois se transformou em poder político dos movimentos sociais, que se sentem representados no governo Lula. Em segundo lugar, os movimentos sociais sempre zelaram para ter uma relativa autonomia face ao estado. Isso fica muito claro com o MST. O movimento apóia o Lula e diz: nós não entregamos o governo à burguesia, à direita. Ele é nosso, mas nós fazemos duras críticas à política agrária e a não realização da reforma agrária. Terceiro: o governo Lula nunca criminalizou os movimentos sociais, porque antes isso era sistemático. O movimento social era reprimido pela polícia e, por mais que fosse contundente a crítica, Lula nunca permitiu a criminalização.

Outro ponto importante é que, como os movimentos sociais se sentem representados no governo, muitos deles se enfraqueceram. Muitas lideranças dos movimentos sociais ocuparam cargos no município, no estado, na federação, e houve um certo vazio. E, por último, nota-se uma espécie de despolitização dos movimentos sociais. Antes de Lula, a grande questão sempre era: que Brasil queremos? Qual o projeto nacional? Havia críticas ao tipo de inserção subalterna ao processo de globalização. Agora, como Lula representa uma realização dos movimentos sociais, quase não se coloca mais a questão do projeto nacional - como se Lula o realizasse. Mas o projeto nacional é mais que o governo Lula: é uma coisa do estado, do povo brasileiro.

Por fim eu diria que há, por um lado, certa decepção dos movimentos sociais com o governo. Ele poderia ter avançado. Lula concedeu demais à macroeconomia neoliberal, fez muito no aspecto social, mas manteve inalteradas as regras e políticas do mercado, do Banco Central. Então, muitos movimentos sociais continuam criticando. Sentem-se desanimados porque Lula os escuta, mas não atende muitas das reivindicações populares.

O senhor mencionou que o MST apóia o presidente Lula, mas o movimento não o convidou para a atividade que organizou no FSM com outros quatro presidentes – Hugo Chavez, Evo Morales, Rafael Correa e Fernando Lugo. Qual a sua avaliação sobre o fato?

Eles não convidaram o Lula porque ele não se propõe a fazer a Reforma Agrária, e o MST quis marcar posição. Não por ser contra o governo Lula, mas sim por ser contrário a uma dimensão desse governo, que abre muito espaço ao agronegócio, aos transgênicos, não faz a reforma agrária, tem flexibilizado as leis ambientais e não teve uma política suficientemente vigilante face ao desmatamento. O desmatamento correu, e devido à pressão internacional diminuiu. Mas bastou haver eleições municipais (quando a vigilância policial é menor) para haver um grande desmatamento em todo o Brasil. O MST está ligado a essas causas, opõe-se a políticas de Lula, mas não ao governo Lula. Eu acho que a maneira de marcar essa posição é não convidá-lo. E acho inclusive que foi para evitar o enfrentamento, o que seguramente ocorreria. Iriam cobrar algo que o Lula ia dizer: não vou fazer.

O senhor acha que ele diria?

É, ele é muito hábil no discurso. Seguramente iria falar na crise mundial do alimento e em várias crises. Diria que o Brasil tem privilégio ecológico, geopolítico para energias alternativas, que nós só usamos 1% das terras agricultáveis para a cana. Com isso ele fecha a boca dos que dizem que estamos tirando alimento do mundo. Quer dizer, há vários discursos que são politicamente corretos, mas não são verdadeiros em termos da conjuntura mundial.

Qual é o papel da grande mídia no sistema capitalista em relação aos movimentos sociais, à mulher, enfim, à formação de ideologia?

Normalmente, em sociedades de classes, a opinião dominante é a opinião da classe dominante. Essa é a velha tese de Marx, mas ela é uma verificação empírica. Isto é, grande parte da imprensa é empresarial. Existe para obter lucro, fazer dinheiro e obedece a lógica do capital. Em nome disso, seleciona notícias, distorce e oculta outras. Tudo aquilo que não interessa à acumulação não ganha visibilidade. O Brasil, em termos de mídia, é praticamente dominado por duas ou três famílias. A família Marinho, que mantém a Rede Globo, faz mais a cabeça dos brasileiros do que toda a rede de escolas e universidades do Brasil, porque penetra no imaginário das pessoas até os rincões mais distantes da Floresta Amazônica. Impõe um tipo de linguagem, moda, estilo de consumo, tipo de produtos. Então, eu acho isso profundamente antidemocrático.

Nós deveríamos partir daquilo que a legislação diz: toda a mídia é uma concessão pública. Ou seja: eles não são donos, são concessionários. Nós, como cidadãos, deveríamos ter instâncias de controle. Mas a questão não chega a ser discutida cada vez que o parlamento e o governo tentam criar corpos de acompanhamento e controle democrático da mídia na perspectiva do bem comum e da participação da sociedade. Por quê? Porque a pressão da mídia sobre o parlamento, sobre os lobbies que eles têm é muito forte.

Nós vivemos sob a ditadura midiática de meios poderosos. Isso é profundamente atrasado porque os países europeus e os Estados Unidos têm corpos de acompanhamento e controle democrático. A população se sente melhor representada naqueles meios. Nós não chegamos a isso. Vivemos em uma democracia que em grande parte é uma farsa, porque uma democracia que mantém tais níveis de injustiça e de dominação ideológica não merece ser chamada democracia.

Por que o Partido dos Trabalhadores não desenvolveu a democracia participativa em todos os níveis até chegar ao poder central?

Com a chegada ao poder nas várias instâncias, município, estado, federação, houve um certo esmorecimento. Diminuiu a participação popular, seja em movimentos de bairros, grupos e mesmo a mídia alternativa, que é mais crítica e tem enorme dificuldade de se sustentar economicamente. A preocupação de se manter no poder e consolidá-lo fez com que não crescessem essas manifestações mais frágeis - que é o orçamento participativo, audiências públicas e consultas populares. Isso enfraqueceu a tese base do PT, que era passar da democracia só representativa, delegatícia, para uma democracia mais popular, mais participativa.

Hoje são feitas políticas populares, mas a participação popular está longe daquilo que o partido poderia fazer. O PT deixou de criar núcleos nos municípios. A militância é muito fraca, quase não é de voluntários. A participação é monetarizada, são pessoas pagas para fazer campanha política, e isso enfraqueceu o partido. O PT corre o risco de ser um partido como outros: entrar na lógica do poder e não ser mais uma alternativa. E  o poder exige muito dinheiro e articulações com interesses escusos e aquilo que se convencionou chamar de a monetarização das relações partidárias. Então, você faz negócios, seja no parlamento, seja na política de eleição.

O senhor falou que o PT corre o risco de se transformar num partido como os outros.  Por que o senhor acha que isso ainda não aconteceu?

Eu acho que não porque as eleições municipais mostraram que em muitas cidades, em muitos lugares, a militância do PT foi para a rua mobilizar as populações e ganharam a eleição para surpresa de todo o mundo. Eu posso até dizer que isso ocorreu no meu município, que é alta burguesia do Rio de Janeiro – Petrópolis, uma cidade imperial, não só conservadora, mas reacionária. Em muitos lugares houve participação de bases populares, agora, quando se trata da macropolítica, aí entra poderosamente o fator econômico.

No tempo que ainda falta de mandato do governo Lula, o senhor acredita ser possível uma guinada em direção a dar mais poder para os movimentos populares?

Eu tenho a impressão de que a crise econômica/financeira que vai atingir todos os estratos da sociedade vai mobilizar muito os movimentos sociais para defender os seus ganhos e para impedir a devastação, o desemprego, e a insuficiência na educação e na saúde. A crise poderá despertar os movimentos, já que o estado fica mais enfraquecido, com menos recursos e mais desemprego. A única saída é uma vasta rede de movimentos populares, que vai desde as Quebradeiras de Côco até a organização das prostitutas em cidades de Minas Gerais e os grandes sindicatos. Essa crise vai ser danosa, vai fazer sofrer muita gente, mas também o sofrimento mobiliza as pessoas.

Diante da crise, qual é a sua opinião sobre a economia solidária?

O modo de produção capitalista é imposto em todo o mundo, enquanto há muitas formas de produzir os meios de vida: a forma familiar, comunitária, cooperativa, da economia solidária e também a forma do capital, que não é a única. Então, o que queremos é uma sociedade com mercado, e não uma sociedade de mercado. Uma sociedade pluralista nas formas de organização política e nas formas de garantir os meios da vida. Isso é muito melhor com uma economia regional e local do que com uma economia global. Porque na economia global são as grandes estruturas e grandes corporações que dominam as economias locais ou uniformizam todas elas.

Então eu acho que a nova economia é muito mais adequada à preservação dos ecossistemas e ao desenvolvimento regional, que pode ser sustentado com os recursos daquele ecossistema, com os valores culturais das populações, com as formas de participação que podem dar, com capacidade maior de diminuir a pobreza e distribuir melhor os recursos - e aí então a diversidade dos modos de produção. Eu acho o que já foi pensado pelos estudiosos da nova economia, especialmente [Immanuel] Wallerstein. Ele chega a dizer que daqui a três ou quatro anos possivelmente a palavra globalização vai desaparecer. O que vai contar são as economias locais e regionais, e aí sim as economias que podem ter sustentabilidade.

O movimento feminista está presente no Fórum. Qual a importância desse movimento na contestação do atual sistema econômico e na construção de um outro modelo?

Eu acho que a luta da mulher não terminou. Sempre tem que ser retomada, porque o patriarcado é uma estrutura que existe desde o neolítico e é internalizada nas pessoas. O patriarcado criou o estado, e por isso está nas instituições, nas leis, no exército. E isso não se desmonta de um dia para o outro. Então, é importante uma feminilização de todas as relações, como uma ecologização. As mulheres deram uma contribuição extraordinária à crítica do sistema patriarcal junto com o sistema econômico – o capitalismo.

Para mim, o ecofeminismo é uma das grandes reflexões que as mulheres deram, seja a mulher norte-americana, européia, latino-americana, feminista, da teologia da libertação ou do ecofeminismo.  Ou seja: todo esse movimento que elas introduziram valores novos, os da condição humana feminina que não vão na linha da competição, mas da cooperação. Esse é um valor inestimável, e é possível que a nova humanidade seja marcada profundamente pelos valores femininos. Estava no relatório do ano passado da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação): se nós queremos dar mais vida ao planeta, devemos dar mais poder de decisão às mulheres, porque elas naturalmente são mais ligadas aos processos e aos cuidados da vida.


Núcleo Piratininga de ComunicaçãoVoltar Topo Imprimir Imprimir
 
 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge