M�dia Vende armas e drogas no Morro do Turano, mas nasceu e vive na Lagoa
[Por Claudia Santiago] De acordo com o dicionário de língua portuguesa Caldas Aulete, arrendatário é aquele que toma um bem em arrendamento, ou seja, por um tempo e preço previamente estipulados. Se concordarmos com esta definição, o atual dono de uma das bocas de fumo do Morro do Turano, na Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro é Henrique Dornelles Forni. Segundo o Jornal O Globo do dia 14 de fevereiro, Henrique arrendou uma boca de fumo no local. O indivíduo nasceu e foi criado na Lagoa, endereço nobre do Rio de Janeiro. Lá vivia, em uma cobertura, até ser preso.
O traficante é o chefe de uma quadrilha desbaratada pela Polícia Federal no início de fevereiro. Fazem parte da gangue pelo menos 51 pessoas, todos membros da elite carioca que vive na zona sul da cidade. A periculosidade do grupo é tamanha que cinco deles estão isolados em Bangu I, penitenciária de segurança máxima. Uma das acusações é de fornecimento de fuzis para o tráfico do Morro do Turano. Uma pista sobre como a droga e as armas chegam às favelas cariocas.
Aqui, neste boletim, nos interessam duas questões.
Primeiramente, comparar o tratamento dado pelo jornal aos bandidos ricos com o destinado aos bandidos pobres. Os primeiros são, nas palavras de O Globo, “jovens de classe média”, “fornecedores”, “negociantes”, “distribuidores”, “acusados”. Os segundos, nas mesmas matérias, publicadas nos dias 12, 13 e 14 de fevereiro, são “bandidos”, “criminosos”, “traficantes”.
Vejamos um exemplo: “Ele e seu grupo buscavam armas no Paraguai, negociando-as com os criminosos”. Perceberam? O traficante da zona sul é negociante, o da favela é criminoso. Outra frase: “dois jovens eram também responsáveis pela venda de fuzis a bandidos”. O da zona sul, então, é vendedor. E quem compra é bandido.
São estas sutilezas na escolha das palavras que justificam “choques de ordem” nas favelas. Elas garantem os mandatos de busca coletivos, quando toda uma comunidade é considerada suspeita. E são elas que dão credibilidade aos de autos de resistência dos policias. Dizem que mataram para se defender.
As escolhas das palavras, dos títulos, das informações transmitidas transformam, aos olhos dos leitores, os meninos das favelas em bandidos em potencial. Uma classe perigosa. Assim, sobre eles, caem, com a ajuda e o olhar complacente da mídia empresarial, os batalhões de choque e os caveirões. Aparatos repressivos que mantêm esses meninos e seus pais como cidadãos de quinta categoria, sempre suspeitos e marcados para morrer.
A outra questão é a seguinte. A responsabilidade da mídia alternativa é grande. É ela que pode combater o senso comum. Este diz que quem mora em favela é bandido. Diz também que bandido bom é bandido morto. Moral da história: quem mora em favela deve morrer.
Combater as idéias veiculadas diariamente pelos jornais da classe dominante é um imperativo para todos os jornalistas que acreditam, como lembra o correspondente do Brasil de Fato na Bolívia, Marcelo Salles, no seu juramento profissional: “A Comunicação é uma missão social. Por isto, juro respeitar o público, combatendo todas as formas de preconceito e discriminação, valorizando os seres humanos em sua singularidade e na luta por sua dignidade”.