Entrevistas Aleida Guevara: “Não tenho esperança em Obama”
[Por Daniel Santini, da
Folha Universal]
A
Folha Universal publicou em fevereiro de 2009 uma entrevista feita com Aleida
Guevara, filha mais velha do revolucionário Ernesto Che Guevara. No jornal, a médica
cubana e especialista em alergias de crianças é vista cantando junto do
presidente da Venezuela, Hugo Chávez, durante o Fórum. Ela conversou com a Folha Universal durante o Fórum Social
Mundial, em Belém do Pará, e falou sobre o futuro da América Latina. Comentou
ainda as perspectivas do recém-empossado governo de Barack Obama nos Estados
Unidos e o que sente ao ver a imagem do pai em roupas, objetos e telas de
cinema por todo o planeta. Ao falar das transformações em curso no continente –
especialmente na Venezuela de Chávez e na Bolívia de Evo Morales – Aleida cobra
uma mudança de postura do Brasil.
Se estivesse vivo, seu pai
estaria hoje com 80 anos. Como seria?
Se
ele estivesse vivo você não estaria falando comigo agora. Eu estaria cuidando
dele de pertinho. Se não tivessem matado meu pai na Bolívia, ele seguiria seu
combate na Argentina, que é o país dele. Quem sabe a Argentina seria outra, e o
continente seria diferente? Isso, infelizmente, nunca poderemos saber.
Como vê a situação atual da
América Latina?
Creio
que ainda falta muito para o nosso continente. A palavra “unidade” é linda e há
séculos tem sido pouco usada por nosso povo. Essa unidade é possível, e com ela
é possível mudar. A partir do que está acontecendo na Venezuela, que é quem
atualmente encabeça a mudança, e depois seguindo na Bolívia e no Equador, há
alguma possibilidade. Para o Brasil falta muito ainda. Falta ser mais solidário
aos povos da América Latina, menos dependente do capital externo, mais defensor
da própria terra.
O que achou do filme em que Benício Del
Toro interpreta Che? E do dirigido pelo brasileiro Walter Salles (Diários de
Motocicleta)?
Não
me agradou. Só vi uma parte, não tive ânimo de ver completo (O filme “Che” é
dividido em duas partes que, somadas, ultrapassam 4 horas de duração). É um
tema muito difícil para mim e muitas coisas não estavam na tela. O do Walter
Salles (Diários de Motocicleta) sim
me encantou. É ótimo e ele é uma pessoa muito humana.
O que sente ao ver
camisetas com a imagem de seu pai?
O
capitalismo existe porque utiliza tudo de um jeito comercial, incluindo meu
pai. No caso dele, porém, o tiro saiu pela culatra. Trataram de simplificar a
imagem, mas não conseguiram. Muitos jovens que usam uma camiseta e não sabem
quem ele é um dia vão perguntar. Isso já é positivo. Não gosto de ver a imagem
do meu pai em um isqueiro, ou na parte de trás de um jeans. Me parece uma falta
de respeito. Mas há também muita gente que usa com amor.
Seu pai era um
guerrilheiro. O que pensa de luta armada?
É
preciso respeitar. De fora é muito fácil julgar, mas é preciso saber como se
vive e como se morre. O movimento pacifista é respeitável também. Se por aí se
encontra a solução, aleluia. A guerra é o que há de mais brutal no mundo. É o
mais cruel que pode ocorrer, mas, às vezes, é necessária. Não se pode colocar
um povo de joelhos. Neste caso é preciso lutar, e aí eu respeito.
Como médica, como vê o
sistema público de saúde no Brasil?
Primeiramente,
não gosto de julgar coisas que vivo pouco. Depois, o sistema de saúde no Brasil
está muito acompanhado da privatização de hospitais e isso é algo muito
diferente da realidade que vivo. A saúde é um direito do povo, não pode ser
convertido em negócio.
Não me sinto capaz de comparar.
Vivi
situações muito duras na América Latina. No Paraguai havia uma indígena doente,
mas eu não podia pedir um raio-X para saber o que ela tinha porque ela não
teria como fazer. Na África, em Angola, com 26 anos, tratei de três meninos com
edema cerebral e eu só tinha um pacote de manitol, a medicação necessária. Só
poderia salvar a vida de um deles. Isso me golpeou tanto que até hoje tenho
horror ao racismo e à colonização.
Como foi a experiência na
África?
Aprendi
uma coisa linda em Angola. Na TV,
havia um ator negro brasileiro que pegou a mão do apresentador e perguntou: “Se
ponho a mão na sua, que cor é a sombra? Escura”. É isso o que penso. Se colocarmos
as mãos juntas em igualdade de condições, a sombra será da mesma cor.
Tem esperança em Barack Obama? A
situação de Cuba mudará?
Não.
Falta poder a ele. Os presidentes dos Estados Unidos são marionetes do Senado e
das grandes multinacionais. Não creio que Obama possa enfrentar a todos, mesmo
que queira. Cuba é um caso muito especial e mais difícil. Representa o que os
Estados Unidos tentaram negar: a existência sem ser cópia de outro modelo
político. O bloqueio não vai mudar. É uma lei do Senado, e ele não pode
mudá-la. Obama disse que vai fechar a prisão de Guantánamo. Perfeito! Estamos
de acordo que feche de imediato, mas estaríamos de acordo também que nos
devolvessem a base naval a Cuba. (O local é controlado pelos Estados Unidos
onde a prisão está instalada.)
Como estão as mudanças
políticas em curso em Cuba?
Não
falamos em mudanças, mas sim em continuidade. Em Cuba,
o socialismo não foi imposto, foi criado como um modo de melhorar. Isso não se
perde. Meu pai, o Che, sempre dizia: “é preferível ser seguido do que empurrar
as pessoas”. Se forçadas, um dia as pessoas se perguntam “por quê?”. Se são
convencidas do que se pode fazer e como fazer, é diferente.
Mas há eleição para chefe
de Estado e democracia em Cuba?
O
problema é como vocês veem a democracia. A burguesia diz que só há democracia
onde há mais de cinco partidos. A palavra democracia significa “poder do povo”
e em meu país há poder do povo, só que há um só partido. Nós somos socialistas,
é diferente, mas nós temos eleições populares de verdade. As pessoas no bairro
pedem que seja um representante por acreditar em você, no que está sendo dito,
não por propaganda. Falar em ditadura é falta de conhecimento.