G�nero
Ditadura da beleza é uma forma de violência contra a mulher
[Por Helenice Viana - Sind. dos Empregados no Comércio e Serviços de Ipatinga] Todos os dias, milhares de mulheres são violentadas. Elas não denunciam. Mas não é por medo. É porque nem se dão conta que são vítimas de uma violência. Os golpes são sutis. O espancamento, silencioso. O vilão é oculto, se esconde dentro delas. Já se passaram quase quarenta anos do dia em que as feministas estadunidenses queimaram sutiãs em praça pública em protesto pela liberação da mulher. Aos poucos, a ditadura do machismo, tão combatida por essas mulheres, deu lugar a outros tipos de tirania. Esses novos tiranos não violentam explicitamente. Apenas vendem uma idéia, uma imagem, um valor. O valor do “belo”. O psicólogo e filósofo, Newton Rodrigues Garcia, explica porque a ditadura da beleza pode ser encarada como uma forma de violência contra a mulher. Mulheres sofrem na busca da beleza inalcançável De acordo com o psicólogo ter um “corpo perfeito” virou sinônimo de felicidade. Só é feliz quem se coloca dentro daquele padrão. Daí vem a frustração. Porque por mais que a mulher tente, ela não consegue chegar ao corpo ideal. Isso fere a sua auto-estima, causa depressão, sem falar nas mutilações e riscos à saúde. Newton explica que, na maior parte das vezes, a violência gerada pela ditadura do belo é psicológica. Porém, ele destaca aquelas que interferem na saúde física, como cirurgias e transtornos alimentares. O Brasil ocupa o 2º lugar em cirurgias plásticas do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Isso sem falar no aumento das cirurgias para redução de estômago. De 15, realizadas em 1993, subiu para 3 mil, em 2001. Isso revela a ansiedade com que as pessoas têm vivido quando o assunto é o corpo. Outra conseqüência são transtornos como anorexia e bulimia. Newton explica que, enquanto na anorexia a pessoa não se alimenta direito por medo de engordar, na bulimia a mulher ingere muitos alimentos e, depois, chega a provocar vômitos para não absorver as calorias desses alimentos. Nos dois casos as mulheres sempre se vêem mais gordas do que de fato são. “É contraditório. Ao mesmo tempo em que ela precisa comer, o inconsciente dela fala pra ela não comer, porque comer engorda e engordar é ficar feio. Aí o próprio psiquismo da pessoa começa a reagir ao desejo de comer”. Novos valores: o belo é dissociado do bom Apesar do belo sempre ter sido cultuado, ele nunca teve esse lugar central como tem hoje. Isso é o que o psicólogo atesta. “Na idade antiga o belo era valorizado, mas era acompanhado do bom. Hoje nós dissociamos o belo do bom”. A historiadora Joan Jacob Brumberg enfatiza essa mudança com dois trechos retirados de diários de adolescentes. Em 1892, uma menina prometia obrigar-se a “não falar sobre mim ou meus sentimentos, pensar antes de falar, trabalhar seriamente, ser contida em conversas e ações, não deixar maus pensamentos vagarem e me interessar mais pelos outros”. Já em 1982, as promessas de outra adolescente foram bem diferentes. “Perderei peso, comprarei novas lentes, terei um novo corte de cabelo e roupas novas”. Para Newton, o pior efeito dessa mudança de valores é que o corpo perfeito tem uma data de validade muito curta. Os valores da antiguidade na maioria das vezes extrapolavam o estético. Por isso, acompanhavam a pessoa até depois de sua morte. Já agora, os valores são mais transitórios, pois estão ligados àquilo que conseguimos ver. “Por mais que se tente, é óbvio que eles não sobrevivem por muito tempo. Porque valores como belo e estético não conseguem ir contra o tempo”. Cultura do belo inverte pirâmide das necessidades humanas O psicólogo estadunidense Abraham Maslow tem uma teoria que dá uma idéia da inversão de valores imposta pela ditadura da beleza. Maslow divide as necessidades humanas em seis categorias. A primeira delas é a fisiológica (comer, dormir, etc.). Na seqüência vem a segurança, a filiação, o amor, a estima e auto-realização. A estética vem em último lugar. Segundo Newton a sociedade inverteu a ordem das necessidades. A busca do belo e do estético que estavam no topo da pirâmide, passaram para a base. “Hoje se faz de tudo em nome do estético. O fisiológico virou um detalhe, já que as mulheres negam a necessidade básica do seu corpo em prol da necessidade estética”, revela. Essa inversão interessa principalmente aos laboratórios de remédios, indústrias de cosméticos, agências de beleza e à mídia. “A mídia e o marketing sabem que o belo é uma boa mercadoria”. Um dos efeitos negativos da inversão dessa pirâmide é a separação entre o belo e o bom. Para o filósofo, essa segregação gera uma violência que pode ser pior que a explícita. “Porque a mulher está sendo violentada e não consegue gritar. O ser que a violenta não é palpável. A mídia o colocou dentro dela”. Para capitalismo, mulher deve ser alienada “Por favor, me aceitem, estou aqui. Pago com a minha vida, mas me vejam!”. Essa é a mensagem que, segundo Newton, as mulheres submetidas a essa ditadura querem passar. É exatamente isso que “o vilão invisível” quer. “Transformar o indivíduo num ser totalmente desprovido de espiritualidade, de afetividade e principalmente de emoção. Constituir 100% o estético. Uma alienada, ali-é-nada. Uma pessoa que está alheia a tudo”. Mas o que fazer para derrubar essa ditadura? Para o psicólogo, à medida que a supervalorização do belo virar um problema de saúde pública, isso vai onerar o Estado. Com isso, a própria sociedade buscará formas para derrubar essa estrutura. Enquanto isso não acontece, Newton diz que o melhor a fazer é não se deixar influenciar por esse ideal inacessível de beleza. Nesse sentido, a principal arma que as mulheres têm mais uma vez contra a violência é o conhecimento. É só por meio dele que elas poderão vencer a alienação e denunciar que para ser feliz não é preciso ter um “corpo perfeito”. 25/11 – Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher
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