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Entrevistas
A Internet e a Comunicação Alternativa

O 10º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, realizado de 1º a 5 de dezembro, no Sindipetro do Rio de Janeiro, dedicou uma mesa de debate para a ferramenta internet na perspectiva da comunicação alternativa. Um dos debatedores, Gustavo Gindre, membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil, falou para o Boletim NPC. Rosângela Gil, da Equipe NPC em Santos (SP).
 
Boletim NPC - Internet e comunicação alternativa, tudo a ver?

Gustavo Gindre - A internet é uma baita ferramenta de comunicação alternativa. Porque ela diminui os custos de distribuição. Quando você distribui algum veículo de comunicação você tem um suporte para essa distribuição. O jornal precisa ter o papel. O vídeo precisa ter a fita de vídeo. A internet dispensa isso. Isso barateia bastante. Isso permite o sujeito criar o seu site e distribuir para o mundo. A internet é um enorme instrumento, mas ela não é igual à comunicação alternativa. Ela favorece em alguns momentos a comunicação alternativa. Mas ela não é igual. Tem um monte de coisa na rede que não é comunicação alternativa. Você tem comércio. Você tem um monte de coisa. E você tem um controle da infra-estrutura que está nas mãos de poucas pessoas. A infra-estrutura física por onde as informações da internet circulam não tem nada de descentralizado. Então é bem oposição à comunicação alternativa.
 
Boletim NPC - Como você definiria então a comunicação alternativa a partir da internet?

Gustavo Gindre - Pois é, para mim comunicação alternativa é sempre uma alternativa a algo. Uma alternativa aos grandes meios, ao monopólio. Enfim, ter um projeto diferente de sociedade que é, portanto, um projeto diferente de comunicação. Em relação a internet, ela (a comunicação alternativa) tem um caminho enorme. Ela se utiliza da internet e tem uma via enorme para divulgar as suas informações, na medida em que eu não fico mais restrito, por exemplo, aos canais de informação tradicionais. Porque hoje você pega, por exemplo, a televisão aberta, você vai ter sete canais. Sete canais que são distribuídos pelo poder Executivo que dá os canais aos seus apadrinhados. Em geral é isso que acontece. Na internet não tem essa idéia da licença. Qualquer um pode ter o seu site. Então, nesse sentido, aí sim tem tudo a ver (internet e comunicação alternativa).
 
Boletim NPC - Ainda é uma minoria que tem acesso a internet, então como ver esse instrumento como realmente uma alternativa de comunicação na ótica apontada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação, que é a da disputa da hegemonia?

Gustavo Gindre - Primeiro tem uma coisa aí que diz respeito a todas as lutas na sociedade, melhorar o padrão de vida do brasileiro. Porque a gente fica falando de todas essas coisas, mas o sujeito não tem dinheiro para comer, então não adianta. Precisa mudar a política econômica. Segundo é pensar em formas de acesso de projetos de inclusão digital. Aí eu acho que abre todo um caminho para incluir as pessoas nisso. Agora inclusão digital, ao contrário do que muita gente tem feito, não é ensinar o sujeito a mexer num Word, num Excell, porque aí no máximo o que você está formando é mão-de-obra especializada para arrumar um emprego de digitador, de alguma coisa. O que você está propondo é mais. É fazer com que as pessoas tenham uma relação de autonomia com aquele programa, com aquele computador, e que elas passem a criar conteúdo. Ou melhor, que elas passem a transmitir, porque no fundo isso é uma coisa das rádios comunitárias e da própria internet, as pessoas já têm conteúdo, já produzem conteúdo. O cotidiano das pessoas já é o conteúdo. As pessoas mesmos não sabem que o cotidiano delas é tão rico, porque elas estão acostumadas a ligar os meios de comunicação e receber essa comunicação que vem de outros. Então a inclusão digital passa por dizer o seguinte: a tua comunidade já tem conhecimento para produzir, vamos organizar esse conhecimento e colocar na rede, transmitir. Então é ser mais do que um consumidor da internet, é ser um construtor da internet. Os projetos de inclusão digital são um caminho importante para a gente começar a disputar a hegemonia na internet também.
 
Boletim NPC - Como vem a responsabilidade na questão da internet?

Gustavo Gindre - Pois é, esse debate está acontecendo agora no mundo inteiro. Se a infra-estrutura da internet, por um lado, é controlada, a parte física das redes; 
o conteúdo é relativamente descentralizado. O que é bom por um lado,  eu tenho acesso a uma série de informação na internet, que eu não tenho na grande mídia, mas por outro lado gera uma série de outros problemas. Por exemplo, qual informação é confiável. Ontem, eu recebi uma notícia que o ministro da Justiça (do governo Lula) tinha pedido demissão, e não pediu nada. Você tem os famosos spams, anúncio de tudo quanto é tipo, pornografia, pedofilia. Você tem uma série de problemas que precisa de alguma regulamentação. Hoje eu diria que ninguém tem resposta pronta para isso. A internet envolve um outro problema, ela não tem limites geográficos. Por exemplo, jogar dinheiro no Brasil é crime, mas o que que me impede de entrar na internet e jogar num cassino de Las Vegas? Na verdade eu estou na minha casa, mas estou jogando em Las Vegas. Então isso cria problemas que são problemas que fogem, inclusive, aos limites dos países, que inclusive ameaçam a soberania dos países. Hoje não tem nenhuma resposta pronta para isso (o da responsabilidade). O que eu acho importante é as pessoas começarem a discutir isso. Por que? Vamos imaginar no futuro daqui a 15, 20 anos, quando todo mundo tiver televisão digital em casa, e a televisão for interativa, nada vai te impedir de você na televisão da sua casa acessar um site de pornografia na Suécia, um cassino na Costa Rica, isso na sala da sua casa. Como é que você controla isso? Ou não controla? Ou vale-tudo? Então se a sociedade não atentar para isso, esse problema vai sair dessa população que usa computador, para se tornar um problema de toda a população que tem televisão em casa. 90% da população brasileira tem televisão em casa. Eu não sei a resposta, mas acho que tem de ter a preocupação.
 
Boletim NPC - Quem mais utiliza a internet no Brasil, e para quê?

Gustavo Gindre - Internet, no Brasil, é majoritariamente masculina, ainda que o acesso das mulheres esteja crescendo. É até uma coisa interessante de saber: será que o uso da internet pela mulher é diferente dos homens? Classes A e B. São em geral os mais jovens que utilizam a internet. Você tem hoje, segundo dados do IBGE de 2003, se eu não me engano cerca de 12% das residências têm computador e cerca de 9% têm computador e internet. Você não chega aí a cinco milhões de residências no Brasil que tenham acesso a internet. Você tem um grande contingente de pessoas que acessam no trabalho e aí as empresas começam a estipular formas de controle, então tem filtro ou o sujeito só pode acessar se for ferramenta de trabalho.
 
Boletim NPC - A internet é livre?

Gustavo Gindre - A infra-estrutura da internet não é livre. Os nomes e os números, porque todos os computadores da internet no mundo falam a mesma língua, o mesmo idioma, que permite os computadores se encontrarem, esse idioma se chama IP (Internet Protocol). Esse idioma confere a cada computador ligado a internet um número, que é o que permite um computador encontre o outro, mais ou menos como se fosse um CEP (Código de Endereçamento Postal). Esses números é que permitem as mensagens circularem na internet. Quem controla esses números, designa esses números e os nomes para cada país, é uma entidade com sede na Califórnia. Ela deve satisfação, estatutariamente, ao departamento de comércio norte-americano. Portanto, ela é uma entidade controlada, mesmo indiretamente, pelo governo norte-americano. Isso é muito perigoso. Fora isso, a internet  tem os roteadores-raiz. Eles entregam essas tabelas de números o tempo inteiro para os computadores todos para que um possa achar o outro. São eles que distribuem. É o distribuidor geral da internet, digamos. Existem 13 roteadores-raiz no mundo, dez estão com sede nos EUA. Então, do ponto de vista da infra-estrutura da internet, infelizmente a internet não é tão descentralizada quanto parece para o usuário final.
 
Boletim NPC - O que é o Comitê Gestor da Internet no Brasil?

Gustavo Gindre - Cada país tem um órgão que cuida da gestão da internet. Uma série de aspectos precisa ser cuidado, como segurança da rede, fazer com que o sistema seja confiável. Administrar o tráfego da internet, por dia são milhões de informações circulando. Você tem de criar regras para que esse tráfego seja administrado. Administra a questão do domínio. E agora começa a ter atribuições mais políticas, discutir justamente essa coisa de que todos os números e nomes estão na Califórnia, que coisa é essa de que todos os servidores-raiz estarem todos nos EUA. Cada país tem o seu órgão típico. A partir do governo Lula, todos que formam o Comitê  -- sociedade civil, empresários e universidades -- passaram a ser eleitos. Antes, todos eram indicados pelo governo. Agora o governo só indica os seus próprios representantes, que são dez. E os eleitos são 11, entre empresários (quatro), sociedade civil (quatro) e universidades (três). É uma experiência inédita no mundo.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge