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Entrevistas
Hamilton de Souza: O jornalismo deve estar comprometido com a transformação da sociedade

[Por Cynthia Raquel, Geam Queiroz, Gizele Martins, Jéssica Santos e Sheila Jacob]

Confira a entrevista com Hamilton Octavio de Souza, professor da PUC-SP e jornalista do Brasil de Fato e da revista Caros Amigos. Ele falou sobre a necessidade de formação crítica do profissional, e criticou a reprodução do modelo neoliberal nas atuais universidades brasileiras, voltadas para o mercado de trabalho.

 

 

Está em pauta a discussão sobre a exigência ou não do diploma de jornalista. Como você vê essa questão da formação do profissional?

De uma forma geral, a formação de nível superior no Brasil está fora da realidade da sociedade. Isso não acontece apenas no jornalismo, em outras áreas ocorre o mesmo. A formação não está sintonizada com as demandas. Aqui no Brasil, por exemplo, um médico precisa entender de doenças tropicais: dengue, febre amarela, entre outras, para que ele consiga tratar isso aqui. Ou seja, a formação das áreas sociais depende da demanda da sociedade.

 

O jornalismo também tem a ver com a demanda da sociedade. Vivemos em uma sociedade com um nível de desigualdade muito forte, com grande concentração de renda, uns com muito outros com nada. Sem contar a grande parcela da população, que é de baixa escolaridade. O que existe é a necessidade de conhecimento, de nível de consciência da própria realidade para poder atuar como cidadão autônomo da sua própria decisão. E a formação de um jornalista tem que ser crítica, de um jornalista comprometido com a transformação da sociedade.

 

A universidade brasileira, de uma maneira geral, está fazendo a reprodução do pensamento dominante. Ela reproduz um modelo econômico que gera desigualdade e exclusão. Nós temos uma contradição muito clara e muito forte no processo de ensino, que é inadequado à realidade brasileira. E no caso do jornalismo isso é fatal, ou seja, nós deveríamos estar formando profissionais comprometidos com uma comunicação que contribuísse para uma compreensão da realidade do povo brasileiro. E para isso começar a existir é preciso fazer a crítica do modelo e do sistema de desigualdade em que vivemos.

 

As universidades têm que trabalhar no sentido de elevar o nível de consciência das pessoas, para que elas possam assumir o processo de transformação da sociedade. O jornalismo, obrigatoriamente, para atender o povo brasileiro teria que ter essa formação. Mas  as escolas, na verdade, oferecem uma formação voltada para o mercado, que é a da imprensa burguesa, a da imprensa comercial. Daí você se forma, e vai trabalhar em um veículo em que você apenas reproduz o pensamento neoliberal, que é o dominante e serve aos interesses do setor econômico.

Basta folhear os jornais “O Globo” e o “Estado de São Paulo” que você vai verificar quem eles defendem prioritariamente: a elite dominante. Nós formamos jornalistas para serem mão de obra no mercado comercial, e não para uma sociedade em um processo de transformação. E isso acontece em todas as faculdades, sejam públicas ou privadas, excetuando alguns professores que têm um compromisso com esse processo de transformação.

 

Na medida em que você encara o jornalismo como um trabalho normal, em que se vende a mão-de-obra para o empregador, você acaba aceitando o jogo. E aceitar o jogo significa abrir mão daquilo que seria o ideal ou a utopia do jornalismo: um jornalismo comprometido com a maioria da sociedade.

 

 

Quem empregaria este jornalista mais consciente? Qual seria a saída?

Eu sou crítico desse sistema de comunicação do país, que não atende a maioria e não está preocupado em melhorar as condições de vida do povo. Esse sistema de comunicação tem que ser mudado. A preocupação da universidade é o de oferecer ao aluno a possibilidade de ele ter uma formação crítica, poder defender o mundo em que vive, poder analisar e compreender o que está em jogo, ter condições de perceber quais são as forças que atuam, e também fazer a opção do que é melhor para ele.

 

O que acontece é que no padrão que existe hoje, pelo currículo, pela grade das disciplinas, pelos programas dos professores, pela ausência de compromisso, as universidades estão reproduzindo o pensamento dominante, sem oferecer para o aluno a opção de ter a alternativa de um jornalismo mais crítico e transformador.

 

Existe o campo de resistência, o chamado jornalismo contra-hegemônico, que é o jornalismo alternativo, de oposição, como os jornais sindicais, os jornais de bairro, de comunidades. Existe uma imprensa de resistência. Ela pode não oferecer o salário que você teria numa empresa comercial, mas oferece uma possibilidade de profissão muito mais satisfatória, com menos contradição. O que é melhor do que você prestar serviço para uma grande empresa comercial, e se submeter a um processo de autocensura e de violação da própria identidade.

 

Deveria ser obrigação das universidades formar profissionais devidamente qualificados, capacitados para atuar no campo de jornalismo que ele deseja atuar. Mas, acima disso, o profissional tem que estar preparado para saber qual é o seu papel na sociedade em que vivemos, saber como ela funciona, qual é o papel do governo, do Estado, das empresas, do poder econômico, dos trabalhadores...

 

A partir daí ele pode escolher, ter opções, tomar decisões a partir da sua visão de mundo. Sem esse preparo nas universidades, o profissional se torna uma presa fácil desse sistema. Em São Paulo, por exemplo, são pouquíssimos os cursos que dão esse preparo.

 

Há duas semanas eu participei de um debate da semana de jornalismo, justamente para falar sobre o currículo. Mostrei a grade curricular da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP).  Lá nós mostramos o perfil do egresso que nós imaginamos formar na Puc, totalmente critico e comprometido com a superação desse modelo que existe aí. Essa é a proposta do curso. Outra coisa é o professor. Se a linha pedagógica é a visão critica, tem que haver professores que ajudem, que reproduzam essa visão crítica. Se em quatro anos o professor abrir espaço nas salas de aula para discutir, para refletir, o jornalista sairá com uma outra visão de mundo.

 

É possível fazer uma publicidade crítica?

É possível fazer algo melhor sempre, se você pensar a publicidade como algo de tornar público, com o compromisso de não enganar, falar a verdade sobre os produtos. A publicidade que temos hoje é a que vive dentro do consumo. Muitas vezes a propaganda é motivada por questões emocionais, psicológicas. Todas essas técnicas de comunicação são para isso, para não tratar como cidadãos, e sim como consumidores.

 

Em todas as faculdades que eu conheço, os cursos de publicidade e de jornalismo não se bicam. Do jeito que a publicidade está concebida no sistema capitalista em que a gente vive, que é para vender informação, ela se contrapõe com a visão que a gente tem do jornalismo, que é o de buscar o máximo de verdade. A publicidade é unilateral.

 

O jornalismo, na sua natureza, é uma ciência social aplicada. Tem uma atuação política porque nós interferimos na sociedade, ao contrário da publicidade, que não quer mudar nada, ela quer vender alguma coisa.

 

Como se relaciona a publicidade com a mídia alternativa?

Quando você passa a estudar a comunicação, você tem acesso a muitas coisas que a população não domina. Você pode estudar essas técnicas com compromisso, elevar o nível de consciência, melhorar a compreensão do mundo em que vivemos, buscar atuar para melhorias, entre outras coisas. Mas você pode usar essas mesmas técnicas para fazer o contrário, no sentido de tirar delas aquilo que interessa, sem nenhuma preocupação com a transformação. Você pode ter cursos alienadores ou então “conscientizadores”.

A publicidade geralmente usa as técnicas como um elemento que eu considero algo covarde, porque são usadas ferramentas que a população não percebe. Um exemplo disso são as disputas de audiência entre os programas de domingo. Faustão e Gugu, por exemplo, que para ganhar audiência usam as pessoas. Mostram sempre alguém chorando, contando sua história, reencontrando a família... Isso é injusto, mas a maior parte das pessoas não percebem que isso não é uma prestação de serviços, e sim uma forma de conseguirem audiência e  patrocinadores. Você usa uma técnica de comunicação que poderia ser usada para ajudar as pessoas, e ela passa a ser utilizada para dominar cada uma delas. O problema é que tanto a publicidade quanto o jornalismo têm usado estas técnicas para manipular.

 

Para os profissionais mais críticos da área de comunicação, onde trabalhar?

Cada um deve decidir o que fazer, mas você pode determinar limites para você mesmo,

Você pode trabalhar na grande mídia, onde você sempre terá que resistir, brigar e etc.

Ou você pode partir para outro campo, que é buscar uma forma de atuação nos movimentos sociais, na imprensa alternativa, sindicatos, criar veículos... O Brasil tem milhares de pequenos veículos alternativos, jornais, internet, rádio.


E quanto à linguagem dos movimentos sociais?
As escolas estão formando pouca gente para a imprensa sindical. É preciso estudar, analisar, discutir a linguagem a diagramação.



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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge