Confira a
entrevista com Hamilton Octavio de Souza, professor da PUC-SP e jornalista do Brasil de Fato e da revista Caros Amigos. Ele falou sobre a
necessidade de formação crítica do profissional, e criticou a reprodução do
modelo neoliberal nas atuais universidades brasileiras, voltadas para o mercado
de trabalho.
Está em pauta a discussão sobre a exigência ou
não do diploma de jornalista. Como você vê essa questão da formação do
profissional?
De uma
forma geral, a formação de nível superior no Brasil está fora da realidade da
sociedade. Isso não acontece apenas no jornalismo, em outras áreas ocorre o
mesmo. A formação não está sintonizada com as demandas. Aqui no Brasil, por
exemplo, um médico precisa entender de doenças tropicais: dengue, febre
amarela, entre outras, para que ele consiga tratar isso aqui. Ou seja, a formação das áreas sociais depende
da demanda da sociedade.
O
jornalismo também tem a ver com a demanda da sociedade. Vivemos em uma
sociedade com um nível de desigualdade muito forte, com grande concentração de
renda, uns com muito outros com nada. Sem contar a grande parcela da população,
que é de baixa escolaridade. O que existe é a necessidade de conhecimento, de nível
de consciência da própria realidade para poder atuar como cidadão autônomo da
sua própria decisão. E a formação de um jornalista tem que ser crítica,
de um jornalista comprometido com a transformação da sociedade.
A
universidade brasileira, de uma maneira geral, está fazendo a reprodução do
pensamento dominante. Ela reproduz um modelo econômico que gera desigualdade e
exclusão. Nós temos uma contradição muito clara e muito forte no processo de
ensino, que é inadequado à realidade brasileira. E no caso do jornalismo isso é
fatal, ou seja, nós deveríamos estar formando profissionais comprometidos com
uma comunicação que contribuísse para uma compreensão da realidade do povo
brasileiro. E para isso começar a existir é preciso fazer a crítica do modelo e
do sistema de desigualdade em que vivemos.
As
universidades têm que trabalhar no sentido de elevar o nível de consciência das
pessoas, para que elas possam assumir o processo de transformação da sociedade.
O jornalismo, obrigatoriamente, para atender o povo brasileiro teria que ter
essa formação. Mas as escolas, na
verdade, oferecem uma formação voltada para o mercado, que é a da imprensa burguesa,
a da imprensa comercial. Daí você se forma, e vai trabalhar em um veículo em que
você apenas reproduz o pensamento neoliberal, que é o dominante e serve aos
interesses do setor econômico.
Basta folhear os jornais “O Globo” e o “Estado
de São Paulo” que você vai verificar quem eles defendem prioritariamente: a
elite dominante. Nós formamos jornalistas para serem mão de obra no mercado
comercial, e não para uma sociedade em um processo de transformação. E isso
acontece em todas as faculdades, sejam públicas ou privadas, excetuando alguns
professores que têm um compromisso com esse processo de transformação.
Na medida em
que você encara o jornalismo como um trabalho normal, em que se vende a mão-de-obra
para o empregador, você acaba aceitando o jogo. E aceitar o jogo significa abrir
mão daquilo que seria o ideal ou a utopia do jornalismo: um jornalismo
comprometido com a maioria da sociedade.
Quem empregaria este jornalista mais
consciente? Qual seria a saída?
Eu sou crítico
desse sistema de comunicação do país, que não atende a maioria e não está
preocupado em melhorar as condições de vida do povo. Esse sistema de
comunicação tem que ser mudado. A preocupação da universidade é o de oferecer
ao aluno a possibilidade de ele ter uma formação crítica, poder defender o
mundo em que vive, poder analisar e compreender o que está em jogo, ter
condições de perceber quais são as forças que atuam, e também fazer a opção do
que é melhor para ele.
O que
acontece é que no padrão que existe hoje, pelo currículo, pela grade das
disciplinas, pelos programas dos professores, pela ausência de compromisso, as
universidades estão reproduzindo o pensamento dominante, sem oferecer para o
aluno a opção de ter a alternativa de um jornalismo mais crítico e
transformador.
Existe o
campo de resistência, o chamado jornalismo contra-hegemônico, que é o jornalismo
alternativo, de oposição, como os jornais sindicais, os jornais de bairro, de
comunidades. Existe uma imprensa de resistência. Ela pode não oferecer o
salário que você teria numa empresa comercial, mas oferece uma possibilidade de
profissão muito mais satisfatória, com menos contradição. O que é melhor do que
você prestar serviço para uma grande empresa comercial, e se submeter a um
processo de autocensura e de violação da própria identidade.
Deveria
ser obrigação das universidades formar profissionais devidamente qualificados,
capacitados para atuar no campo de jornalismo que ele deseja atuar. Mas, acima
disso, o profissional tem que estar preparado para saber qual é o seu papel na
sociedade em que vivemos, saber como ela funciona, qual é o papel do governo,
do Estado, das empresas, do poder econômico, dos trabalhadores...
A partir
daí ele pode escolher, ter opções, tomar decisões a partir da sua visão de
mundo. Sem esse preparo nas universidades, o profissional se torna uma presa
fácil desse sistema. Em São
Paulo, por exemplo, são pouquíssimos os cursos que dão
esse preparo.
Há duas
semanas eu participei de um debate da semana de jornalismo, justamente para
falar sobre o currículo. Mostrei a grade curricular da Pontifícia Universidade de
São Paulo (PUC-SP). Lá nós mostramos o
perfil do egresso que nós imaginamos formar na Puc, totalmente critico e
comprometido com a superação desse modelo que existe aí. Essa é a proposta do
curso. Outra coisa é o professor. Se a linha pedagógica é a visão critica, tem
que haver professores que ajudem, que reproduzam essa visão crítica. Se em
quatro anos o professor abrir espaço nas salas de aula para discutir, para
refletir, o jornalista sairá com uma outra visão de mundo.
É possível fazer uma publicidade crítica?
É possível
fazer algo melhor sempre, se você pensar a publicidade como algo de tornar
público, com o compromisso de não enganar, falar a verdade sobre os produtos. A
publicidade que temos hoje é a que vive dentro do consumo. Muitas vezes a
propaganda é motivada por questões emocionais, psicológicas. Todas essas
técnicas de comunicação são para isso, para não tratar como cidadãos, e sim
como consumidores.
Em todas
as faculdades que eu conheço, os cursos de publicidade e de jornalismo não se
bicam. Do jeito que a publicidade está concebida no sistema capitalista em que
a gente vive, que é para vender informação, ela se contrapõe com a visão que a
gente tem do jornalismo, que é o de buscar o máximo de verdade. A publicidade é
unilateral.
O
jornalismo, na sua natureza, é uma ciência social aplicada. Tem uma atuação
política porque nós interferimos na sociedade, ao contrário da publicidade, que
não quer mudar nada, ela quer vender alguma coisa.
Como se relaciona a publicidade com a mídia
alternativa?
Quando
você passa a estudar a comunicação, você tem acesso a muitas coisas que a
população não domina. Você pode estudar essas técnicas com compromisso, elevar
o nível de consciência, melhorar a compreensão do mundo em que vivemos, buscar
atuar para melhorias, entre outras coisas. Mas você pode usar essas mesmas
técnicas para fazer o contrário, no sentido de tirar delas aquilo que interessa,
sem nenhuma preocupação com a transformação. Você pode ter cursos alienadores
ou então “conscientizadores”.
A publicidade geralmente usa as técnicas como um
elemento que eu considero algo covarde, porque são usadas ferramentas que a
população não percebe. Um exemplo disso são as disputas de audiência entre os
programas de domingo. Faustão e Gugu, por exemplo, que para ganhar audiência
usam as pessoas. Mostram sempre alguém chorando, contando sua história, reencontrando
a família... Isso é injusto, mas a maior parte das pessoas não percebem que
isso não é uma prestação de serviços, e sim uma forma de conseguirem audiência e
patrocinadores. Você usa uma técnica de
comunicação que poderia ser usada para ajudar as pessoas, e ela passa a ser
utilizada para dominar cada uma delas. O problema é que tanto a publicidade
quanto o jornalismo têm usado estas técnicas para manipular.
Para os profissionais mais críticos da área de
comunicação, onde trabalhar?
Cada um
deve decidir o que fazer, mas você pode determinar limites para você mesmo,
Você pode
trabalhar na grande mídia, onde você sempre terá que resistir, brigar e etc.
Ou você
pode partir para outro campo, que é buscar uma forma de atuação nos movimentos
sociais, na imprensa alternativa, sindicatos, criar veículos... O Brasil tem
milhares de pequenos veículos alternativos, jornais, internet, rádio.
E quanto à linguagem dos movimentos sociais? As escolas
estão formando pouca gente para a imprensa sindical. É preciso estudar,
analisar, discutir a linguagem a diagramação.