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Entrevistas
Entrevista José Arbex

Por Gláucia Marinho, Katarine Flor, Raquel Junia e  Sheila Jacob

O jornalista José Arbex escreve para a revista Caros Amigos e o jornal Brasil de Fato, é professor da PUC e autor dos livros Showrnarlismo e O Jornalismo Canalha. No 14º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, falou sobre Como a direita, através da mídia, cria seus intelectuais orgânicos. Em entrevista, Arbex falou sobre a necessidade de organização dos trabalhadores, a relação entre mídia e sociedade, a crise do neoliberalismo e a democratização do Estado brasileiro como condição essencial para uma efetiva democratização da mídia.

 

 

 

O senhor está na luta pela democratização da comunicação, correto?

Estou e não estou.


Por quê?

Acho que “a luta pela democratização da comunicação” por um lado é uma formulação boa, porque aponta para o problema de que a comunicação não é democrática. Nesse sentido eu estou sim na luta, porque acho que a denúncia tem que ser feita. Essa luta tem que ser travada em todos os níveis: no Congresso, nas ruas, onde quer que seja. Por outro lado, acho que isso não é possível, enquanto o Brasil tiver a estrutura econômica e a política que tem. Eu acho que a comunicação real do Brasil exige, antes de mais nada, a democratização do próprio Estado brasileiro. E isso não é um jogo de palavras.

 

Se você embarca na ilusão de que é possível democratizar a comunicação mantendo a atual estrutura do Estado brasileiro, você pode acreditar que, aprovando determinadas leis, você vai conseguir democratizar a comunicação. E não vai. A prova disso é que a lei brasileira, por exemplo, já estabelece que a cada 15 anos as concessões dadas às emissoras têm que passar pela aprovação do Congresso Nacional. Alguém já viu isso ser seriamente discutido? Então não adianta aprovar lei. Por isso, ao mesmo tempo em que sou a favor da luta pela democratização, eu fico com o pé atrás. Eu critico muito certos componentes dessa luta que agem como se fosse possível resolver essa questão no marco das instituições. E não é.


 

Você poderia definir quais são estes setores?

Basicamente os setores que acham que por meio de acordos com o Ministério da Comunicação vão poder reformar certas leis. Grupos que acham que, se pressionar o Governo Federal, ele vai ampliar a linha de concessões das rádios comunitárias. Enfim, aqueles que acreditam que por meios jurídicos ganharemos essa luta. Eu sou a favor de sair construindo rádios comunitárias, ao mesmo tempo em que se luta pela regulamentação democrática das rádios comunitárias. Vamos fazer uma guerrilha cultural, para espalhar rádios comunitárias no Brasil inteiro, à revelia da lei.


 

Como você acha que é esse processo de luta fora das instituições? Está fortalecido?

Não, por uma fraqueza da esquerda. Eu vou dar um exemplo: uma vez eu estive em um encontro de rádios comunitárias, que chegou a uma conclusão muito importante: que a programação das rádios comunitárias simplesmente estava copiando a programação das rádios comerciais. Por que isso? Porque a pessoa que vai fazer rádio comunitária tem como único padrão na cabeça o da rádio comercial. É aí que eu acho que a esquerda falha.

 

A esquerda deveria analisar essa programação e ter propostas alternativas, com uma linguagem e uma estrutura diferentes, uma outra forma de a rádio se relacionar com a comunidade, e de abordar as questões relacionadas aos trabalhadores, às mulheres... Acho que a esquerda falha muito por depositar tanta força na disputa institucional, e por outro lado discute muito pouco a questão ideológica mesmo. Acho que falta o amadurecimento de uma visão alternativa de mundo. Nós queremos outro mundo? Queremos. Está bom. Mas que outro mundo é esse?

 

 

Como seria esta programação alternativa?

Eu não tenho a menor idéia, porque isso é resultado de uma discussão coletiva. Acho que se deve jogar na comunidade o problema: como deve ser uma emissora de rádio para garantir que a comunidade seja coesa, forte? Aí a dona de casa tem que dar a opinião dela, o eletricista que mora no bairro tem que dar a opinião dele, todo mundo que quiser participar da discussão... Então a comunidade inteira participa e elabora uma programação. Aí começa a diferença, porque não é mais o dono da rádio que define. Tem que acabar com a história de que a rádio emite, e o povo é receptor. Acho que esse modelo se mantém por comodidade e por preguiça das pessoas também. É muito mais fácil colocar uma música no ar do que ir atrás dos moradores, promover assembléias, discussões.


 

Você vê alguma diferença entre os meios de comunicação... Algum é mais eficaz do que o outro? Por exemplo: a rádio mais do que o impresso, o impresso mais do que a internet?

Depende. Eficazes em que ponto de vista?


 

Da transformação social.

Não! Nenhum deles trabalha pela transformação social. Eles são da burguesia.


 

E os meios comunitários que nós temos hoje?

Eles também enfrentam esse problema. Eu só vejo um jeito de trabalhar pela transformação social: organizar as pessoas para a luta. Então eu só acho que você vai buscar a mudança se a tua rádio comunitária, se a tua rede de internet, se o teu jornal, qualquer coisa que você fizer, servir para organizar as pessoas para lutarem para a transformação. Então é justamente o que nós estamos discutindo aqui. Como é que você vai adotar uma linguagem, que ao invés de manter o cara na casa dele ouvindo rádio, vai tirar e estimular a ida dele para a rua? Esse é o problema. É esse o desafio que nós enfrentamos na esquerda. Porque a rádio comercial mantém o cara dentro de casa. O que a nossa imprensa teria que fazer é o contrário: colocar o cara em contato com a comunidade, e transformá-lo em organizador.

 

Agora o que é mais eficaz? Qualquer coisa, qualquer meio. Porque o problema não é o meio. O problema é o que você faz com esse meio, e como ele fica a serviço dos trabalhadores. Você tanto pode usar a internet como um meio de organizar determinada comunidade, como pode usar para transmitir fotos pornográficas.


 

Você é a favor da obrigatoriedade do diploma?

Sim e não. Sim no sentido de que hoje, no Brasil, defender o diploma significa defender um piso salarial para uma categoria que se chama jornalística. Então é uma conquista de trabalhadores. Nesse sentido eu sou a favor do diploma. Se acabar o diploma, acaba a categoria, e os patrões vão pagar o que quiserem.

 

Em outro sentido eu sou contra. Porque eu acho que qualquer um que tenha uma idéia clara na cabeça e que consiga escrever tem o direito de publicar essa idéia. O que se trata é saber se os jornalistas vão ter força para defender uma conquista trabalhista. E, além disso, eles vão ter força para lutar pela democracia, que é um direito de todo mundo poder escrever, ou não? É essa a verdadeira discussão. Na verdade a polêmica não é ter ou não o diploma. É preservar ou não a conquista de trabalhadores.

 

Então se a gente tivesse um outro modelo de sociedade o diploma não seria necessário?

Acho que não ia fazer o menor sentido o diploma de jornalista em uma outra sociedade, mas também não ia ter patrão mandando em jornal. Então ia ser outra coisa, uma outra história. Difícil imaginar. Eu acho que toda comunidade teria seus jornalistas, assim como tem os seus poetas, seus cantores, seus artistas...


 

Acha que essa proposta de TV pública pode trazer mudança, uma mobilização maior da população?

Sim e não. Eu acho que pode, já que abre espaço para isso. Agora, ela não garante o avanço, nem o espaço. Quem vai garantir é a sociedade organizada, se conseguir se organizar para impor suas reivindicações e a sua atuação dentro de um novo espaço, que é aberto. Pode ver que todo o tempo eu estou voltando para o mesmo problema, que é a organização dos trabalhadores. Se não partir daí você pode aprovar a lei mais bonita do mundo e não vai acontecer nada.

 

Se os meios de comunicação alternativos conseguirem uma estruturação melhor podem alcançar essa população e ter uma resposta da sociedade?

Sim e não. Porque o que é estruturar melhor? Eu vou te contar um exemplo. Nós criamos o jornal Brasil de Fato, feito por pessoas muito bem intencionadas. Eu escrevo nesse jornal, o Hamilton (de Souza, também palestrante do Curso do NPC) escreve nesse jornal, o João Pedro Stedile (do MST). São pessoas muito bem intencionadas. A dificuldade é que o plano original do Brasil de Fato não era esse. Era criar comitês, pelo menos nas grandes cidades do Brasil, de jovens trabalhadores. Os comitês discutiriam as pautas e fariam as reportagens para o jornal. Por que até agora não deu certo? A primeira razão é política. Não conseguimos criar grupos nas cidades como a gente queria, manter os interessados envolvidos na produção de notícias, porque falta esclarecimento, falta consciência política, falta noção de como é importante para criar uma comunicação de fato alternativa. Assim como falta dinheiro. Ou seja: temos um bom jornal, mas não temos a estrutura ideal, que envolvesse centenas ou milhares de militantes.


 

Você consegue contar com o apoio de outras mídias alternativas locais?

Conseguimos sim montar uma certa rede, mas ainda está muito distante do nosso objetivo inicial. Não adianta ter só pessoas bem intencionadas. O problema é transformar isso em consciência política. As pessoas não percebem a urgência que nós temos de ter uma fonte realmente alternativa, que organize os trabalhadores. Essa consciência política é muito difícil.


 

Como é que a gente tenta garantir essa consciência?

É no “pau”, e não por decreto. O problema é que vivemos no Brasil nas duas últimas décadas aquilo que os teóricos chamam de descenso no movimento de massa. Período de derrotas. Nós começamos a ser ideologicamente derrotados com a queda do muro de Berlim. Foi uma derrota muito grande, porque naquela época parecia que o socialismo tinha chegado ao fim. Todo mundo ficou se perguntando, e agora? Só que agora o que está acabando é o neoliberalismo, e a crise vai começar a mostrar sua verdadeira face. Eu acho que vai se abrir um novo período.

 

Por exemplo, na época em que o PT foi criado, em 1979, a ditadura brasileira estava acabando e o movimento dos trabalhadores estava indo para o pau. Eu fui para o interior de Minas Gerais para criar o PT lá, ia para o centro das cidades e começava a berrar. Aí começava a juntar gente, era muito fácil, porque estava todo mundo querendo discutir. Era o período de ascensão dos movimentos de massa, dos trabalhadores. Eu acho que vai ser cada vez mais fácil mostrar para as pessoas que elas precisam disso aqui [o jornal]. Há três anos, falávamos que o neoliberalismo estava em crise, e as pessoas nos olhavam como se nós fossemos loucos. Hoje até o Bush está estatizando...


 

A gente tende achar que apenas a falta de condições materiais das pessoas, a pobreza e a falta de acesso ao ensino fazem com que as pessoas se revoltem. Mas não é o que a gente vê. Como você acha que a crise afetaria as pessoas para que elas se mobilizassem?

Eu acho que os seres humanos só se revoltam quando eles vêem futuro. Por exemplo, vamos supor que eu estou numa sala fechada, sem porta nenhuma. Colocam um leão lá dentro para me atacar, e eu vou ter que enfrentar o animal. Imagina a mesma situação, mas eu estou vendo que no alto daquele teto tem uma janelinha. Aonde você acha que eu vou lutar mais? Em qual das duas salas?


 

A da janelinha...

Porque eu sei que, se eu conseguir enganar o leão ao menos um pouquinho, eu pulo pela janelinha e escapo. Isso é futuro. As pessoas só lutam onde tem futuro. Enquanto parecia que o neoliberalismo estava todo poderoso, o Bush mandava e desmandava. A economia parecia que estava indo bem. A classe média comprava um carro para pagar em 100 meses. Aí a capacidade de luta ficava muito limitada, por que a pergunta era lutar pra quê? O Bush, os Estados Unidos são superpotências e ninguém desafia.

 

Agora começa a crise, e você vê que o Bush não está com essa bola toda. Os Estados Unidos estão perdendo a guerra no Iraque. As famílias de classe média endividadas estão começando a ficar desesperadas, porque não estão conseguindo pagar as prestações do automóvel. A crise começa a mostrar que não dá pra ser do jeito que está agora. Então precisa mudar, e as pessoas começam a se animar. Não acho que a consciência vem da noite pro dia. Acho que é um processo de luta que favorece o questionamento.


 

Como alcançar as pessoas?

A crise por si só está alcançando.


 

E o papel da grande mídia nessa crise?

A grande mídia tenta mostrar que está tudo normal. Mas as pessoas na rua não são idiotas, e aí existe algo que a Rosa Luxemburgo já dizia. Ela falava: existem dois capitães de navio. Os dois estão em dois barcos diferentes, mas no mesmo mar. Um vê que na superfície do mar está tudo tranqüilo, bebe e vai dormir. O outro vê que tudo está tranqüilo, mas a quinhentos metros o verde mudou de cor, está mais escuro. As andorinhas estão voando pra lá, o que é sinal de chuva. O vento começou a mudar de direção, o que quer dizer que pode vir uma tempestade. Esse capitão não vai dormir. Ele vai ficar bem acordado, porque sabe que, apesar do mar tranqüilo, a tormenta está chegando.

 

Eu acho que nós estamos num momento assim agora. Você olha para a superfície das coisas e parece que está tudo igual há meio ano atrás. Mas se olhar bem de perto você vai ver que não só o Brasil, mas o mundo está em crise, principalmente nos estados Unidos. A GM, General Motors, maior fábrica do mundo ameaçada de fechamento. Eu acho que a crise está chegando com uma força muito maior do que qualquer um imagina. Aí você vai ver pessoas que nunca se importaram com política indo para o “pau”. E eu estou falando isso não é porque eu quero que seja assim não. É porque eu vi isso acontecer em 78, 79.


 

Então a revolução social não vem sozinha?

Não. O que vem sozinha é a bagunça. Por exemplo, no ano 2001 na Argentina. Ia parecer loucura se você fosse em novembro de 2001 para a Argentina e falasse: daqui a um mês vai ter dona de casa de classe média que usa terninho saqueando supermercado, e vocês vão derrubar três presidentes da república, um atrás do outro. Um mês depois foi exatamente isso que aconteceu em Buenos Aires. É a história dos dois capitães. Parecia tranqüilo, mas a revolta estava sendo alimentada. O que pode é acontecer isso: um monte de donas de casa saqueando supermercado, derrubando presidente. Se não tiver organização, isso se perde. Não somos nós – os organizados, que somos marxistas – que vamos transformar. Quem vai mudar o mundo é o povão.


 

A esquerda vive uma crise. Uma fragmentação onde o nosso companheiro, na verdade, acaba sendo nosso inimigo. Como ser propositivo no momento do levante, se não há uma unidade?

O levante muda tudo. É o seguinte: você está discutindo as tendências da esquerda aqui dentro dessa sala. Lá fora tem 30 mil pessoas querendo saber qual é a proposta. Eu vi cenas em 79, que eu achei que nunca ia ver na minha vida. Em 80 o Segundo Exército proibiu a manifestação de São Bernardo! E o Lula estava preso. Naquele dia acabou o estoque de armas brancas em São Bernardo do Campo. Ninguém falou, mas a “piãozada” foi lá e comprou tudo que viram de faca, punhal. Acabou o estoque de fogos de artifício, rojão. Porque souberam que o exército ia atacar. Foi todo mundo armado para a manifestação.

 

Se o exército tivesse disparado um tiro, ia ter acontecido um banho de sangue em São Bernardo do Campo que ia entrar para a história do mundo. Porque eram 120 mil pessoas na assembléia. Quando o Segundo Exército chegou e apontou os fuzis para a massa, as mulheres dos trabalhadores iam espontaneamente falar com os soldados. “Vocês vão atirar em nós? Eu podia ser a tua irmã. Eu podia ser a tua mãe”. Os soldados começavam a chorar. Isso aí aconteceu assim. Aí é outra história: a de quem quer ir mesmo pra luta e quem não quer. Eu prefiro deixar essa esquerda discutindo, e ir junto com o pessoal na rua.


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 NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação * Arte: Cris Fernandes * Automação: Micro P@ge