Entrevistas
Entrevista Ignácio Ramonet
Durante o 14º Curso Anual do NPC foi gravado o programa Brasil Nação, da TV Educativa do Paraná. O convidado especial foi o jornalista francês Ignácio Ramonet. O programa é apresentado pelo jornalista Beto Almeida e teve a participação dos jornalistas convidados Maria Inês Nassif (Valor Econômico) e Marcelo Salles (Fazendo Media/ Caros Amigos). Também participaram da gravação comunicadores de mídias alternativas e sindicais. Confira a transcrição do programa.
Beto Almeida - Ramonet, você hoje nos ofereceu uma série de análises sobre esse conturbado processo mundial onde há uma concentração muito grande da tecnologia da informação em poucas mãos. Ao mesmo tempo há um processo contraditório de movimentos sociais e lutas que avançam, inclusive, com governos latino-americanos que estão fazendo o caminho inverso, expandindo a comunicação pública, como uma alternativa à concentração midiática dos conglomerados privados imperialistas. E nós estamos exatamente numa TV pública estatal do Paraná, paga pelos contribuintes do Paraná para fazer o debate sem nenhuma mediação da lógica comercial. O que você me diria sobre essa reflexão.
Ignácio Ramonet – Citei hoje de manhã que os meios públicos de informação e de comunicação são uma das vias de resistência. Às vezes se pensa que a única resistência à informação dominante é a contra-informação dos meios alternativos, das mídias dos movimentos sociais, dos sindicatos, ou da sociedade civil. Mas uma resistência a dominação dos meios privados consiste também no setor público sólido, importante, seja televisão, rádio, em particular. Dizemos esta manhã que é indispensável para contrabalancear os setores privados e os meios que defendem os interesses privados, porque a função dos meios de comunicação é tratar de controlar a sociedade, esse é o projeto, mas não se consegue sempre. Eu acredito que uma maneira de contrariar isso está nos meios públicos, que não quer dizer governamentais, mas quer dizer que pertencem ao conjunto da sociedade, com sua complexidade. Não está submetido a imperativos comerciais, de publicidade, não está submetido a ditadura das grandes empresas.
Um meio público bem feito é um meio livre, que pode, em função da qualidade dos profissionais que fazem essa informação, defender uma posição que é mais respeitosa aos interesses dos cidadãos. Por isso para mim é uma satisfação hoje estar nesse programa de uma televisão pública do estado do Paraná.
Maria Inês Nassif – O senhor estava falando hoje de manhã sobre um tema que é muito caro, a crise que vivemos hoje na imprensa. A pasteurização da informação pelos grandes meios é ideológica também? Ignácio Ramonet – Sim, os grandes meios dominantes, por definição, fazem da informação uma arma ideológica.
Maria Inês Nassif – A taylorização também. Ignácio Ramonet – A tailorização do trabalho dos jornalistas é uma conseqüência da exploração dos trabalhadores da imprensa, a fragmentação do trabalho. Hoje em dia há uma proletarização massiva da profissão jornalística, que é a conseqüência da transformação das empresas de imprensa, que querem reduzir o número de trabalhadores, e querem reduzir também a qualidade da informação.
Hoje se pede ao jornalista que faça muitas tarefas. Por exemplo, não é estranho encontrar em um meio de comunicação, pedidos ao jornalista ou a jornalista, já que é uma profissão que se feminilizou muito, que faça uma notícia para o jornal escrito, para a rádio do mesmo grupo, para internet do mesmo grupo, umas fotografias para ilustrar no jornal escrito, na internet, ou imagens para a televisão. Existem grupos que tem jornal escrito, rádio, televisão, internet, e o mesmo jornalista tem que fazer o que antes era uma pequena equipe que fazia. Existe mais do que uma taylorização, existe uma superexploração do jornalista.
Além disso, muitos jornalistas trabalham de forma precária, não tem um contrato permanente, tem contratos temporários. O jornalista se sente inseguro. A insegurança do jornalista é semelhante a insegurança do cidadão, o cidadão quando recebe uma informação não está seguro de que seja certa, há uma insegurança geral da informação.
Marcelo Salles – A gente sabe que o sistema capitalista é marcado pela exploração violenta do trabalhador, como foi abordado por Marx. E o modelo econômico que a gente vive hoje está cada vez mais aprofundando essa exploração. Eu quero que você me dê a sua opinião sobre o seguinte: em que medida os meios de comunicação de massa são importantes para manter esse modelo econômico e impedir que novos modelos sejam experimentados? Ignácio Ramonet – Na minha opinião os meios de comunicação são hoje em dia o instrumento ideológico da globalização. Esse período, que quiçá termine agora com a grande crise econômica e financeira, marca o final da etapa neoliberal, que começa em 1980 mais ou menos em uma escala planetária, com a eleição de Margaret Tacher, e Ronald Reagan. Esse período foi marcado por uma estrutura de poder bem particular. O primeiro poder era o poder financeiro e econômico, o poder político era apenas o terceiro poder, e o segundo poder era o poder midiático porque é o poder ideológico e é o que permite o controle da sociedade.
Vou dar um exemplo. Imaginemos a conquista militar da América. Em 1492 chegam os conquistadores, destroem as sociedades, as culturas, as línguas, as religiões. Mas essa destruição não tem sentido se não há ao lado do conquistador um discurso ideológico para que eu explique as vitimas da conquista que essa destruição é muito positiva, que é, na realidade, a sorte dessas vítimas. Quem tem esse discurso? A igreja. A igreja é esse instrumento ideológico da conquista, porque a igreja vai dizer aos indígenas latino-americanos que foram vítimas do genocídio: “alegrem-se porque encontraram o verdadeiro Deus”.
Os meios nesses 30 anos têm dito às pessoas que são vítimas da dominação financeira, que perderam seu trabalho porque privatizaram as riquezas do país: “é uma sorte, uma coisa magnífica que tiveram essa possibilidade de ter o neoliberalismo”. Então os meios são hoje o instrumento ideológico da conquista neoliberal em escala planetária. E basta ver a resistência dos meios contra todo o processo anti-neoliberal. No Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Venezuela, Bolivia, Equador. Em todas as partes há uma resistência midiática muito forte, porque eles são, digamos, a igreja, os portadores dos valores do neoliberalismo. Por isso nesse momento concreto existe essa espécie de dúvida geral, de terror geral, de que se está destruindo as colunas do templo que eles edificaram durante 30 anos.
Ney Sá, Sindicato dos Bancários da Bahia – Nós sabemos hoje que toda a crise traz consigo uma oportunidade. Eu queria saber como é que os movimentos sociais e nós que trabalhamos como jornalistas podemos fazer dessa crise uma oportunidade e que os movimentos sindicais ganhem voz perante a comunidade internacional. Não se pode desperdiçar essa crise, é uma oportunidade, esta crise é uma grande tragédia. Uma parte nossa diz: “que se termine o neoliberalismo!” Mas muitos trabalhadores, em particular, vão sofrer e muita gente, nos países do sul, vão sofrer. Porque vai haver uma recessão internacional, vai haver menos exportações, um grande sofrimento, então, digamos, não podemos nos alegrar com o que está ocorrendo. Mas não podemos deixar passar essa ocasião porque não ocorre mais que uma vez por século. O capitalismo tem crises cíclicas, regularmente, a cada dez anos mais ou menos ocorre uma crise. Desde 1750, há uma crise a cada 10 anos, até o ponto de o próprio capitalismo desenvolver um discurso para naturalizar a crise, que passa a não ser grave porque é como um acontecimento metereológico. O capitalismo nos diz: “há crises, mas são naturais”. Mas as crises não são naturais, são o fruto da especulação.
Mas essa não é uma crise de cada dez anos, é uma crise do século, crises como essa só ocorrem uma por século. A de 1929, 1882, 1761 são crises que são revoluções, da importância colossal que têm. A crise de 29 só termina nos anos 50 quando o mundo volta a encontrar o mesmo nível que tinha antes de 29, ou seja, há 30 ou 20 anos pelo menos de sofrimento. A crise de 29 provoca muitas conseqüências, a Guerra Civil Espanhola, a chegada de Hitler ao poder, a 2ª Guerra Mundial, crises como esta são muito graves, mas nós devemos dizer, repito, essa crise é uma oportunidade, não se pode desperdiçá-la. Porque sobre a base dessa crise é necessário construir uma outra economia, mais justa, mais solidária, sem paraísos fiscais, por exemplo.
Nós reclamamos há muito tempo a supressão dos paraísos fiscais, é necessário suprimir a especulação, regular o mercado financeiro, dar os meios para que as preocupações ecológicas, culturais se desenvolvam. Os países do sul tem que participar na negociação sobre a edificação do novo sistema econômico, não como Breton-Woods onde só havia uns quantos países do norte.
Agora houve o G-20, mas o G- 20 também não é legítimo. É uma satisfação saber que no grupo estão o México, a Argentina, o Brasil, mas não é legítimo. O que é legítimo é a ONU, com 192 países, com dois terços de países do sul. É necessário discutir um novo FMI. Nós, hoje, podemos nomear um catálogo de condições necessárias para elaborar uma economia que favoreça o desenvolvimento e que não explore os países do sul, que favoreça a expansão das classes pobres e que foram vítimas do sistema atual.
As primeiras medidas que estão tomando nessa crise consistem essencialmente em ajudar os bancos, mas quem ajuda a família? Há poucos dias muitos países reuniram milhares de milhões, mas para acabar com a fome no mundo só falta 30 mil milhões de dólares, e ninguém no mundo conseguiu reunir esse dinheiro, quando todos os dias morrem 30 mil crianças por má alimentação. Há uma enorme injustiça até nos planos para resgatar o sistema bancário. Além disso, de onde vai sair todo esse dinheiro? Dos cidadãos. Os cidadãos americanos, europeus, são os que vão pagar com suas economias, impostos, salvar os bancos, mas ao mesmo tempo as fábricas vão fechar e eles serão vítimas de demissões. Ou seja, uma injustiça dentro da injustiça. Em conseqüência pode haver uma grande cólera, uma grande fúria, uma grande violência social causada por essa crise e essa pode ser uma energia para encontrar uma solução para a construção de um sistema econômico mais justo.
Beto Almeida – Já que tocamos nesse tema da crise, acho importante saber sua opinião sobre o jornalismo econômico. Durante muito tempo, a linha editorial dos grandes meios de comunicação foi praticamente no sentido de incentivar as medidas neoliberais, a desregulamentação, a economia fictícia, como se ela fosse o caminho lógico. E agora nós notamos uma desconcertação total, porque nem sequer fazem a auto-crítica, muitos deles acabam querendo fazer com que o caminho continue sendo este. E, no entanto, você não consegue, porque são exatamente as empresas, muitas delas em crise nos Estados Unidos, que controlam os anúncios desses meios, então, existe essa ligação umbilical. O que é que podemos esperar do jornalismo econômico?
É interessante porque os grandes jornais e as grandes agências de informação econômica nos últimos anos foram adquiridos por grandes grupos econômicos. Nessa manhã falávamos de Rupert Murdoch, ele comprou o Wall Street Journal, o principal jornal econômico. Em muitos países, as grandes empresas compraram os principais meios de informação econômica, para desenvolver o discurso de que o neoliberalismo é o melhor sistema. Agora esse sistema está se rompendo e efetivamente nos encontramos numa posição na qual os jornalistas não sabem bem o que dizer.
Por exemplo, na teoria, os neoliberais são contra as nacionalizações, o mais oposto ao neoliberal é a nacionalização, é o que diz a tese neoliberal de Hayeck e de Friedman, os dois teóricos do neoliberalismo. A tese é o contrário, o estado não deve ter nenhum patrimônio econômico, zero. Reagan dizia: “o estado não é a solução, o estado é o problema, é necessário reduzir o estado”. O estado mínimo, disse Hayeck, é o estado perfeito, que é o estado mínimo? O estado que não possui nada, não possui petróleo, nem estradas de ferro, nem companhias aéreas, nada, nem a eletricidade, nem as escolas, tudo se privatiza.
A palavra neoliberal por excelência é a privatização. O que é a privatização? É a transferência do patrimônio do Estado, ou seja, o patrimônio coletivo, nosso, ao privado. Não se esqueçam de que o que chamamos públicos, os serviços públicos é o patrimônio dos que não têm nada. Quando alguém não tem nada, é pobre, totalmente pobre, têm a escola pública, têm os serviços públicos, correio público, hospital público, os transportes públicos. Mas se você privatiza tudo isso, rouba dos mais pobres o único que têm. Isso fizeram os neoliberais em todos os países. Na América Latina, na África, na Europa, em todos os países.
Por isso Beto fala de desconcerto, qual é o país que mais nacionalizou ultimamente? Nacionalizou mais praticamente do que nenhum país socialista? Os Estados Unidos e o governo do presidente Bush. Então, estamos numa espécie de contradição profunda, porque nacionalizaram bancos, nacionalizaram a maior companhia de seguros do mundo, AIG. Na Inglaterra, país do neoliberalismo, governado pelos trabalhistas, nacionalizaram todo o sistema bancário. Estamos agora em um momento no qual os neoliberais estão nacionalizando massivamente. A que se opunham os neoliberais? O FMI se opunha a intervenção do estado na economia, não só pelas nacionalizações, mas o estado não deveria lançar planos de desenvolvimento como a união Soviética, por exemplo, tinha um plano qüinqüenal. Isso estava proibido, o FMI proibiu os planos de inversão do estado, o que está recomendando nesse momento o FMI? Planos de inversão do estado em todos os países, e reclama mais intervenção do estado para salvar as empresas.
O que diziam os jornais há dois anos, há dez anos e o que dizem agora? Por que criticaram Chávez? Porque nacionalizou essa ou aquela empresa. Morales? Porque queria nacionalizar o petróleo e o gás e em todo o mundo o criticou, e hoje em dia? O próprio Bush está nacionalizando mais do que ninguém. Os próprios republicanos estão em estado de insurreição contra o próprio presidente, não todos, mas uma parte deles. Aí está o desconcerto, nos demos conta de que estamos vivendo num momento muito particular.
Maria Inês Nassif – Esse discurso é de uma nacionalização agora para uma privatização posterior... Com certeza, sim, se o neoliberalismo se salva. Minha tese é de que não se pode salvar. Se pode salvar o capitalismo, mas o neoliberalismo não se pode salvar. [Paul] Krugman recebeu o prêmio Nobel da economia, ele é keynesiano, é evidente que vamos entrar numa fase keynesiana. O que vai fazer Obama? Vai fazer um plano de inversão do estado, vai lançar um New Deal, podemos chamar de qualquer nome, mas será um New Deal, vai fazer com que o estado aporte milhares de milhões para reconstruir as infra-estruturas dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos necessitam de um Plano Marshal, não há estradas, as pontes estão caindo, não há estradas de ferro, os bairros pobres estão caindo aos pedaços. Então, é preciso reconstruir a América, não só as indústrias, mas toda a América. Vamos ter uma política keynesiana, o neokeynesianismo vai ser a doutrina oficial quando Obama a aplicar. Mas seguramente, em um segundo tempo, é possível que o estado se retire dos bancos, é possível, mas não estaremos já num fanatismo neoliberal que conhecemos durante os anos 80 e 90.
David Barros, Sindicato dos Bancários do Maranhão – O governo Fernando Henrique foi muito subserviente ao governo americano e o gesto que mais exemplifica isso foi um ministro de estado nosso chegar aos Estados Unidos e ter que tirar os sapatos, ser revistado como qualquer pessoa. Outro gesto que expressa isso foi a assinatura do tratado de não proliferação de armas nucleares e eu pergunto ao senhor se não seria importante agora, com a presença da 4ª frota na área do pré-sal, romper com esse tratado.
Eu pessoalmente penso que os tratados de não proliferação são positivos. Globalmente, penso que não deveriam existir armas nucleares. Mas os tratados de não proliferação que foram concebidos até agora, são tratados que permitem a uns quantos países ter o monopólio do uso da arma nuclear. Assim, de fato, no mundo, só têm o direito de possuir armas nucleares, os cinco países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, Estados Unidos, China, Rússia, Inglaterra e França. É um direito que eles se auto outorgaram, ninguém decidiu democraticamente e isso cria uma injustiça em escala internacional. Porque, além disso, sabemos que existem outros países que possuem armas nucleares, Índia, Paquistão, Israel e não estão dentro dos cinco membros do Conselho de Segurança da ONU. Então, é uma conseqüência da injustiça de estruturação da ONU. A ONU tem que ser reformada, é uma organização que é necessário apoiá-la, é o único parlamento mundial, mas está organizado segundo o resultado da Segunda Guerra Mundial. Já se passaram 60 anos, era para reformá-lo em 2005, mas se falhou nessa ocasião.
Outros países deveriam ser membros permanentes do conselho de segurança, Brasil ou a União Sul-africana, a Índia ou México, outros países poderiam estar, como Nigéria ou Egito, países representativos do mundo plural em que vivemos, do mundo multicultural, para construir um mundo precisamente que não seja unipolar, mas multipolar.
A questão da proliferação é uma conseqüência dessa injustiça. Mas eu creio que como cidadãos devemos trabalhar para que não haja uso de arma nuclear. É uma aberração. Estados Unidos e Rússia possuem armas suficientes para destruir fisicamente o planeta. Isso evidentemente não é interessante para ninguém. Vito Giannotti, Núcleo Piratininga de Comunicação – Você fala dessa crise social como conseqüência natural da crise econômica, dessa crise que acontece em cada século, você vê uma explosão das pessoas que caíram numa miséria absoluta total. Eu gostaria que você desse sua opinião sobre a esquerda a nível mundial, a esquerda européia ou a esquerda na América Latina, o que pode acontecer? Sobretudo a esquerda européia, nesse momento de enorme crise mundial, há também uma crise política da esquerda, na Espanha, na França, quem é que vai poder influenciar essa crise no sentido de puxar para que as massas andem um pouco mais a esquerda? Não sendo vítimas de perspectivas como foi o nazismo na Alemanha, o Fascimo de Franco, pós 1929. Cadê a esquerda? O que nós podemos fazer? E qual o papel da América Latina, desses governos que Tarik Ali chama de governos social-democrata latino-americanos? O problema que tem a esquerda frente a essa crise é que a crise ocorre depois da caída da União Soviética e depois da conversão ao neoliberalismo da China Comunista. Vale dizer que a esquerda se encontra desmantelada teoricamente, se encontra sem Plano B, não há um plano B, porque o Plano B já se autodestruiu, é a União Soviética e o socialismo de tipo autoritário. Quando em 1989 com a caída do Muro de Berlim, se disse: “é o fim da história, porque até o final dos tempos haverá economia de mercado e democracia parlamentaria”. Mas agora esse tipo de economia de mercado está em crise, então, não existe nem a opção socialista, nem a opção neoliberal, então, o que sobra é muito restrito. E os recursos teóricos são muito pobres, porque a esquerda produziu muito pouca teoria nos últimos trinta anos. Se você vê os livros, aqui mesmo há uma livraria abaixo, os livros são dos mesmos, o mais moderno é Che Guevara. Temos Trotski, Rosa Luxemburgo, são referências muito importantes, mas não temos um teórico dos últimos 15 anos porque a esquerda deixou de pensar durante muito tempo.
Esse desmantelamento intelectual agora se paga porque a própria esquerda não acreditou que o neoliberalismo se derrubaria. Ao contrário, ela, falo da social-democracia européia, se alistou no neoliberalismo, aplicou o neoliberalismo, lembra quem é o primeiro que aplica o neoliberalismo na Europa? O primeiro socialista é Felipe Gonçales, 1982, dois anos depois de Reagan. E o segundo socialista que aplica o neoliberalismo é Miterrand, 1983. E veja, em 1989 é Carlos Andrez Perez, socialista que o aplica em Venezuela, provoca o Caracazo, a insurreição do povo da Venezuela contra o neoliberalismo. Ou seja, há muitos socialistas, social-democratas que aderiram a solução neoliberal, acreditaram na solução neoliberal, uma solução obviamente de divisão da sociedade, de injustiça de criação de mais pobreza, mas aderiram a essas soluções.
Hoje em dia essa social-democracia se encontra praticamente sem recursos, não acredita na revolução, não acredita que as classes pobres podem ter suficiente perspectivas para transformar a sociedade. Então, quando falamos do que está ocorrendo na América Latina, também nos damos conta que aqui o movimento social tem sido muito importante. O caso do Brasil é um pouco aparte, mas até aqui, o PT e a CUT, além de partidos políticos, são grandes movimentos sociais e o próprio presidente Lula teve o apoio de todo o movimento social na primeira eleição. O movimento dos Sem Terra, o movimento social mais importante do mundo, apoiou o presidente Lula. Os movimentos sociais apoiaram Chávez, apoiaram a Corrêa, apoiaram a Morales, apoiaram a Lugo, falo de governantes que chegaram ao poder apoiados por movimentos sociais. Por que? Porque o movimento social em sua diversidade é mais criativo, mais imaginativo, têm mais soluções concretas aos problemas concretos das pessoas que os partidos políticos, que têm envelhecido muito nesses últimos anos. E aí que hoje em dia na Europa há uma esquerda que está à esquerda da esquerda, está olhando o que acontece na América Latina para inspirar-se desses movimentos tão ricos do Brasil, da Argentina. Para encontrar uma maneira de canalizar essa energia de protesto que se vai desenvolver em muitos países do mundo.
Beto Almeida – Uma das questões que você trata nesse livro, Biografia a duas vozes, é um capítulo muito interessante sobre o nacionalismo militar progressista na América Latina. Porque já que estamos na América Latina, o nacionalismo aqui é uma questão incontornável. É preciso entendê-la, entender o peronismo, entender o varguismo, que dá a base histórica para movimentos como hoje é o de Chávez, que é um nacionalismo que ultrapassa os limites antiiemperialistas e já postula propostas socialistas, mas não deixou de ser nacionalista também. E aqui Fidel explica a importância de movimentos que tiveram bases militares, Velasco Alvarado, Torres na Bolivia, mas nem sempre foi uma questão tranqüila, tratada com muita dificuldade, mesmo no seio da esquerda. A direita, claro, populistas ou fascistas, isso é a direita, mas a esquerda muitas vezes não fez a sua avaliação própria e por vezes aceita a interpretação que vem da direita de que seriam populistas ou fascistas, como que se pode refletir sobre isso?
A construção do nacionalismo na América latina é muito diferente da construção do nacionalismo na Europa, muitos países da Europa tiveram uma história imperial, todos os países da fachada atlântica, Holanda, Bélgica, Inglaterra, França, Espanha, Portugal, todos expansionistas e imperialistas. Então, o nacionalismo tem um sentido muito diferente que pode chegar ao fascismo. Na América Latina é diferente porque aqui, Fidel explica no livro, a independência é uma história ou uma gesta frustrada. A conquista da soberania dos povos da América Latina se frustra porque imediatamente depois de conquistar, digamos, a independência legal se passa a uma dependência econômica do imperialismo britânico ou americano. E no caso de Cuba, além disso, se mantêm o coronelismo espanhol.
Então, a verdadeira libertação passa por essa libertação da dependência econômica. Por isso na América Latina há muitos líderes nacionalistas, a maioria militares, mas que tiveram um sentido da história e da soberania de seus países. Podemos citar Perón, Velasco Alvarado, Torrico, Vargas, evidentemente são líderes que podem estar questionados por uma esquerda tradicional, que tem um esquema muito europeu de como deve ser feita a revolução. Mas aqui há uma tradição. Chávez é um pouco também a continuidade dessa reivindicação com um sentimento muito particular do que é precisamente a soberania nacional. Fidel Castro cita Prestes também, militar, de esquerda, nacionalista, mas um nacionalista popular, efetivamente se trata de que o patrimônio da nação sirva a emancipação dos cidadãos, daí a idéia de nacionalizar as riquezas do país, porque o que é nacionalizar as riquezas? È colocar as riquezas, o petróleo, o subsolo, a produção a serviço da nação. Evidentemente é uma maneira de coletivizar uma riqueza que em geral pertencia a potência dominante ou a oligarquia.
Maria Inês Nassif– Eu gostaria que o senhor voltasse um pouco para a gente entender o que precisamos da imprensa principalmente nesse momento de crise do neoliberalismo. Nós aqui no Brasil estamos vivendo muito essa época da informação espetáculo. Existe uma certa proteção das empresas nacionais, pela legislação também, mas o modelo midiático é sempre um modelo imperialista. Todas as crises políticas que nós tivemos foi em função dessa informação midiática, que não informa, mas provoca grandes crises, o excesso de informação é uma coisa que confunde a opinião pública. Eu queria que o senhor esclarecesse para a gente esse período no qual vivemos de tantas turbulências por conta da má informação. A quem serve a má informação?
A má informação se transforma em uma espécie de desinformação. É uma informação que se dá no lugar de outra informação. E dessa maneira, se cria uma confusão, o objetivo é criar essa confusão, a desinformação. A partir dessa confusão, os que se beneficiam são os que dominam o sistema midiático e esta má informação vem do transformar a informação em uma distração. O acreditar que a informação deve funcionar definitivamente com os critérios da cultura de massa, ou seja, deve ter protagonistas, os protagonistas devem viver dramas, deve haver os bons e os maus, como uma verdadeira telenovela, em alguns dias se fala dessa pessoa, desse líder e desse assunto e assim se cria uma espécie de narrativa informacional que faz com que nos interessemos por coisas que não são centrais.
Por exemplo, estávamos falando da informação econômica, na informação dominante, a informação econômica é muito grosseira, não há uma informação econômica sofisticada e fina. A informação econômica de qualidade só se dá em jornais muito particulares para as elites, quando o público na realidade é o primeiro que tem interesse em conhecer como funciona a economia porque é vítima da economia, lembram do que dizia Lênin: a economia é política concentrada. Se nos interessamos pela política, é necessário nos interessarmos pela economia, porque a economia é uma concentração de política.
Ao contrário disso, a informação dominante, a informação que se dá às massas tem muito pouco economia, ou então, coisas muito superficiais da economia. Essa má informação mantém a alienação da cidadania, que faz com que você não possa entender. Se você não entende exatamente em que contexto exatamente está, você nem sequer pode protestar, porque protesta mal, ou protesta ao lado, não protesta exatamente contra aquilo que interessa. Raquel Junia, Fazendo Media – Você falava hoje de manhã sobre a informação como uma atividade, que devemos buscar, e a necessidade da mídia alternativa cumprir esse papel de forma mais qualificada. Nesse sentido, você deixou uma reflexão para a gente sobre o financiamento da mídia alternativa, se ela deve ou não se manter com muita publicidade. Eu gostaria que você desenvolvesse essa reflexão a partir de como você acredita que nós da mídia alternativa podemos garantir a nossa existência.
Um meio em geral que recursos tem? Se é um jornal de imprensa escrita geralmente tem três recursos. Primeiro recurso é a venda do jornal, segundo recurso é a assinatura e o terceiro é a publicidade. Mas para a imprensa alternativa se pode imaginar outros recursos, se pode imaginar, por exemplo, a doação voluntária, se pode pedir às pessoas: “nos ajudem!” Na internet se faz isso. Por exemplo, eu estive em Coréia do Sul, com um jornal que foi criado agora por jovens jornalistas, sobretudo mulheres, dois terços de mulheres, com menos de 30 anos, saídas da imprensa dominante e que criaram um jornal unicamente na internet. É um jornal muito bem feito, um caso para ser estudado, se chama Ohmynews. É um caso internacional de um jornal alternativo que se tornou um jornal de referência. Atualmente, a Coréia do sul é um país muito desenvolvido, com alto nível cultural, alto nível educacional, e Ohmynews exerce atualmente a posição de 3º periódico de referência mais importante.
Todo mundo sabe que todo dia pela manhã a primeiro coisa que faz o presidente é ler Ohmynews. E é um periódico gratuito, mas funciona com publicidade que eles selecionam, de maneira muito restrita, tem que ser empresas ecologicamente corretas, socialmente corretas, mais empresas públicas que privadas ou instituições públicas em geral, como sindicatos. Quando você lê uma notícia em Ohmynews, no início da notícia colocam a frase: “você está lendo uma informação que lhes oferecemos gratuitamente, mas que custou para nós produzi-la, por favor, faça uma doação”. E ao final do texto também.
Eu estive com eles em um seminário, fizeram uma entrevista comigo e publicaram, eles me explicaram que dessa maneira eles obtinham dois terços dos seus ingressos, com a doação que faziam seus leitores, em um país evidentemente com um nível econômico mais elevado, um pouco mais elevado que o Brasil. Então, há possibilidades de ter outros recursos, mas, claro, fazem uma informação muito séria, muito bem trabalhada, muito profissional e uma informação que, além disso, tem vários meios. Por exemplo, fizeram a entrevista comigo em um parque público, essa entrevista eles estavam transmitindo ao vivo e escrevendo o que eu dizia, era mais lento porque havia a tradução, mas estavam escrevendo. Ou seja, se você vai à internet poderia seguir através da tela a minha intervenção oral e ler o texto, muito rapidamente. Quero dizer que eles estão jogando com uma modernidade e obtendo meios e são completamente independentes do poder político, do poder econômico. Não digo que é a única solução, mas vale a pena estudar o caso de Ohmynews, que não são militantes de esquerda, mas são independentes, que é o que nos interessa.
André Lobão, Criar Brasil – Com relação a globalização, há aspectos positivos como a internet. Mas eu tenho uma preocupação que é a questão desse fluxo de informação, há grandes corporações surgindo no mundo todo. O que o senhor pensa disso, sobre esse fluxo de informação passando por uma grande corporação como o Google, já que 90% desse fluxo de informação na internet passa pelo Google?
Evidentemente é uma preocupação porque quando existe uma tal concentração inevitavelmente perguntamos se em algum momento pode haver um controle ou pode haver uma possibilidade de fechar simplesmente o funcionamento de uma informação. Sabemos que em Cuba foi feito um verdadeiro boicote de internet. Às vezes nós lemos informações que dizem que em Cuba não há suficiente internet, o governo não permite. Mas não se diz que na realidade o cabo que leva as comunicações a Cuba está limitado ao fluxo que tinha no ano de 1959, não aumentou, e conseqüentemente não tem possibilidade de desenvolver. Cria-se uma situação de dependência, mas internet é uma sociedade privada que depende do secretário de comércio dos Estados Unidos. Internet não é um ente público, é plural, é democrático, há um conselho internacional, mas em última instância, o funcionamento global da internet depende do secretário de comércio dos Estados Unidos, que pode teoricamente, não digo que seja prático porque não vemos como o ministro de estado dos Estados Unidos cortaria toda a internet, mas na teoria se pode. Porque internet não é algo abstrato, é algo muito concreto, é uma rede que depende do comitê central, ou de uma administração central que, repito, é democrática e é muito internacional, mas que tem base na Califórnia, o chefe institucional-administrativo é o secretário de comércio da administração Bush. Eu creio que essas são questões que merecem reflexão, tem toda razão, e as vezes não lhes dão atenção suficiente.
André Lobão – É pouco relevado?
Muito pouco relevado, muito pouco explicitado, muito pouco anunciado. Eu não sei se muita gente aqui nessa sala sabia que a internet depende do ministro americano, poucos sabiam, é uma realidade. As pessoas são pouco conscientes, usam a internet achando que estão usando algo que pertence a todo mundo, não.
Por outro lado, existe um sistema que se chama sistema Echelon, conhecem? Com um nome francês, mas criado pelo pentágono, com ajuda dos britânicos, que faz com que tudo que circula pela internet passe por cinco pontos que se encontram em Estados Unidos, Europa, Austrália e outros, e tudo que passa está submetido a controle. Se você manda um email, Echelon pode detectar se você utiliza tal palavra, ou se você se dirige a tal tipo de pessoa, Echelon tem milhões de ordenadores super potentes que estudam as milhares de milhões de comunicações que passam pela internet. Isso existe, é uma realidade que se criou no momento da Guerra Fria e que hoje seguimos utilizando.
E além disso, as novas leis, por exemplo, a lei patriota dos Estados Unidos reforçou esse controle, um controle que pode chegar a ser preocupante. Se hoje em dia você vai a Estados Unidos com seu computador, o funcionário da aduana tem o direito de abrir o seu computador, de pedir sua senha, entrar e verificar tudo. Falamos de uma coisa normal hoje em dia, se você tem textos que eles não gostam no computador, ele pode ser confiscado, ou você pode ser barrado porque a lei patriota autoriza. Ou seja, acredita-se que existe uma liberdade utilizando a internet, temos essa impressão, é uma impressão real, mas na prática é mais complicado. Isso não quer dizer que todos os funcionários americanos vão fiscalizar, mas se pode fazer, estão autorizados a fazer. E muita gente tem testemunhado isso.
O sistema Echelon permitiu localizar pessoas, em matéria de terrorismo, em particular. Todos estamos contra o terrorismo, obviamente, mas nos damos conta de que nossas liberdades estão restritas, e que a internet, que é um grande espaço de liberdade, é hoje em dia, domínio, mediante o qual nos estão vigiando. O sistema pode nos vigiar, é uma grande liberdade, mas na realidade, uma grande dependência.
Marcelo Salles – Aqui no Rio de Janeiro, Ignácio, não sei se você sabe, mas a polícia do estado assassinou 1.300 pessoas, em 2007. Esse é um dado oficial, dado da Secretaria de Segurança, do governo do Estado. Fora do número oficial, suspeita-se de que existam outros casos. Esses números que a polícia do Rio vem registrando são números de guerra, e sucessivamente, esse número aumenta. Há países que, durante guerras, não registraram números tão altos. A Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais, fez um estudo chamado a Operação Rio: O Mito das Classes Perigosas, no qual ela mostra a construção ideológica de um inimigo que estaria nas favelas, e que, portanto, deveria ser exterminado. Essa política de extermínio contra uma determinada classe social ficou bastante marcada com um símbolo, a Chacina do Alemão, em junho de 2007, na qual oficialmente foram mortas 19 pessoas em um só dia pela polícia e durante toda a ocupação, que foi de 2 de maio a 27 de junho, foram 42 pessoas assassinadas. Depois foi contratada uma perícia independente pelo governo federal que constatou que houve execuções extra-judiciais. Tiros na nuca, tiros de cima para baixo, pessoas com as mãos amarradas. Eu estive lá no Morro do Alemão, eu dormi lá, e eu observava que a cobertura das corporações de mídia era no sentido de legitimar aquelas mortes. Então eu te pergunto se você observa em outras partes do mundo também setores da mídia que procuram legitimar o extermínio oficial ou se isso é uma particularidade do Brasil?
Eu penso que desgraçadamente é uma característica muito geral, não com as dimensões que você está citando, com essas cifras que eu não conhecia, são cifras impressionantes. Mas globalmente os meios têm uma atitude de aceitar os excessos das forças. Vou dar um exemplo que vocês conhecem muito bem, esse cidadão brasileiro assassinado no metrô de Londres pela polícia em nome da luta anti-terrorista, Jean Charles. Nos dias que seguiram esse assassinato toda a imprensa dizia que a polícia havia tido um comportamento heróico, que havia conseguido acabar com um terrorista. Nem sequer mencionavam que era brasileiro, ou que sua família estava protestando. Teve que passar muito tempo, vocês sabem, para que houvesse um julgamento e uma condenação do oficial que comandava a brigada que assassinou a esse jovem brasileiro que não tinha nenhum tipo de responsabilidade com essa situação.
Esse exemplo indica bem qual é a atitude global da imprensa. Não quero dizer que toda a imprensa, que todos os meios na Europa tenham essa atitude, mas quando se fala de terrorismo, os meios são mais compreensivos com as forças de repressão. Se não é ligado ao terrorismo, não existe tanta compreensão. Hoje, em países como França, Inglaterra, Espanha, Itália, há uma vigilância sobre os abusos da polícia.
Durante muito tempo, na França se dizia: classe trabalhadora é igual a classe perigosa. Mas se você vai ver a imprensa francesa do início do século XX, ela é furiosamente, histericamente favorável a destruição dos pobres, dos marginados, dos anarquistas, porque havia uma grande atividade anarquista e havia uma fúria burguesa contra eles. E sabemos que havia muitos casos de comportamento excessivo das policias contra trabalhadores, contra as greves. Na França, onde havia uma grande agitação social, a polícia disparava contra os grevistas até 1948. Durante o século XIX, XX se utilizou esses métodos contra os trabalhadores e evidentemente contra as classes pobres. Desgraçadamente isso denuncia a imprensa e os meios dominantes como meios de uma classe só. È uma classe social que tem definitivamente medo das outras classes sociais, em especial a classe proletária Olímpia Lima, Sindicato dos Contabilistas do Rio de Janeiro – Nós sabemos que no último século foi galopante a transformação social, econômica e tecnológica, afetando a comunicação. Como você descreveria o papel de países como a China nessa transformação?
A China está jogando um papel cada vez mais importante no contexto geopolítico, por seu peso demográfico – 1350 milhões de habitantes – por seu produto interno bruto, que a cada dia é mais importante. Hoje, a economia da China é a quarta do mundo, depois de Estados Unidos, Japão, Alemanha e é igual a do Reino unido. A Crise atual global confere a China o papel de motor da economia, existe hoje em dia uma grande atenção pela situação chinesa. Mas a importância da China está limitada por alguns elementos.
Primeiro, a China está construindo uma sociedade muito desigual. É um país que tem uma estrutura de controle social de partido único, o partido comunista, ainda que não seja exatamente o único, existem três ou quatro partidos, globalmente é o partido comunista que controla. E, além disso, é um país de economia ultraliberal.
Essa associação é muito complexa, porque o ultraliberalismo acentua as diferenças. Na China não existe um sistema de segurança social, não existe um sistema de aposentadoria, a educação é paga, não é gratuita. Então, se está criando duas chinas, uma china de 300, 350 milhões de habitantes, com um nível de vida médio correto e uma China de mil milhões de habitantes muito pobres, pobres como os africanos.
Aliás, a economia chinesa depende em grande parte do sistema econômico internacional, se não há importação dos Estados Unidos, a China sofre. Nesse momento há milhões e milhões de pessoas paradas. Então, a China não está protegida contra um desequilíbrio externo. Lá ode ocorrer o mesmo que na União Soviética, se pode romper, porque o sistema chinês é muito rígido, e tudo que é rígido rompe. Se ao mesmo tempo o comparamos com a índia, Índia não se pode romper porque conhece toda classe de problemas há mais de 60 anos. É um sistema que resiste a qualquer tipo de surpresa.
A China é um elemento de contra-peso aos Estados Unidos e hoje em dia um ator importante com o jogo de alianças aos países do sul, importante para o Brasil, para a Venezuela. Muito importante porque não estão influenciados pelos Estados Unidos e a China está completamente articulada a Estados Unidos, não é totalmente independente, então, a situação da China é um elemento de estabilização do mundo e um elemento que pode também trazer uma surpresa. A questão da democracia chinesa está colocada porque você não pode construir uma sociedade na qual um consumidor tem todo o tipo de possibilidade de escolha, mas na sua escolha política não tem nenhuma escolha. Não há exemplo na história onde o nível de vida aumentou e a sofisticação política se desenvolveu... Isso não existe, chega um momento que se o nível de vida se eleva, o nível de sofisticação da sociedade e de exigência de pluralidade política da sociedade se colocam, e então se produzem as revoluções. Vamos ver o que ocorre na China.
Caio Teixeira, jornalista Santa Catarina – Eu concordo com a afirmação de que os grupos de mídia são grandes aparelhos ideológicos da classe dominante. No Brasil, o Supremo Tribunal federal está discutindo um pedido de suspensão dos efeitos da Lei de Imprensa, uma lei que foi criada pela ditadura militar e ainda está em vigência. Na sua opinião é possível existir uma lei para a proteger a sociedade dos ataques e da manipulação de informação feita pela grande mídia?
Eu acredito que sim. O arsenal legislativo em geral é suficientemente rico para que um coletivo ou um indivíduo coloque em causa se houve difamação, ataques indevidos. Mas em alguns países onde o abuso e a dominação midiáticas foram tão intensos, no caso de muitos países da América Latina, não só no Brasil, eu acredito que é saudável que exista uma lei votada democraticamente que possa dar argumentos a sociedade contra as manipulações e os abusos midiáticas. Não com a intenção de silenciar os meios, mas com a intenção de disciplinar, fazer com que os meios tenham maior responsabilidade.
Porque em muitos países da América Latina, os meios têm uma arrogância extraordinária, consideram que nenhum poder tem o direito de limitar seu poder. Na sociedade democrática, todos os poderes têm contra-poder, o presidente tem o congresso, o patrão de uma empresa tem os sindicatos, sempre há um contra-poder e a democracia é um sistema no qual o contra poder é respeitado, a minoria é respeitada. E o funcionamento da democracia consiste no contra-poder, que tenha a possibilidade de existir e de expressar-se.
O poder midiático não aceita nenhum contra-poder, é o único poder sem contra-poder na nossa democracia, é normal isso? Eu digo que não é normal. Porque o poder midiático está abusando desse monopólio frente a sociedade, e é normal que a sociedade tenha instrumentos de defesa. Como vocês sabem eu propôs no Fórum Social Mundial, aqui em porto Alegre, que se criem os observatórios de meios. No Brasil existe, para dar poder aos cidadãos, não de maneira autoritária, mas que os cidadãos possam dar sua opinião sobre os meios, criticar, criar contra-poder. Então, os meios têm uma enorme arrogância e enquanto se fala de criar uma lei, de obrigá-los a terem responsabilidade, eles imediatamente falam de atentado contra a liberdade de expressão, contra democracia. Vem a SIP [Sociedade Interamericana de Prensa] e diz que há uma agressão contra a liberdade de imprensa. A SIP deu golpes de estado, apoiou golpes de estado, é o sindicato dos proprietários, não sindicato dos jornalistas, então, a SIP não tem nenhuma legitimidade.
Eu acredito que em muitos casos, isso existe também na Europa, deve haver leis que limitem o superpoder dos meios. Não se trata de limitar a liberdade de expressão, se trata de limitar a irresponsabilidade de alguns meios. Eles consideram que não tem que render contas, mas isso não existe em nossa sociedade, todo mundo rende contas, o presidente rende contas, porque os meios não podem render contas a sociedade? Minha posição sobre essa situação é muito clara. Beto Almeida – vou chamar a atenção agora para um tema que envolve o jornalismo econômico, mas com uma outra característica que não foi ainda muito desenvolvida talvez, nem pela academia, que é a questão de um jornalismo de integração regional. Você sabe que essa televisão aqui, TV Paraná Educativa tem uma parceria com a Telesur. E a Telesur surge para fazer uma integração comunicativa, para respaldar um processo que já está se dando na área da economia, da cultura, científica e energética aqui na América do Sul, com a Petrosul, investimentos mútuos como a Petrocaribe, e essa integração é vista por setores da grande mídia, apenas como um processo econômico frustrante. Geralmente fazem uma linha editorial dizendo que o Mercosul é um fracasso econômico, que as relações do Brasil com a Bolivia são absolutamente paternalistas, que o Brasil é um sub-imperialismo. Tudo isso que intimidaria um processo de integração. Portanto, isso exige um jornalismo de integração, que é algo muito recente porque Telesur é uma coisa muito nova. Perón fez uma tentativa de uma agencia latinoamericana exatamente para confrontar esse jornalismo que tentava desacreditar qualquer tentativa, seja ideológica ou cultural, mas sobretudo econômica, para nos manter divididos. Então, esses desafios precisariam de algumas bases teóricas, respeitar a cultura ou como diz o presidente Chávez: “os povos devem enamorar-se uns dos outros”. Isso tem uma tradução ideológica-cultural no plano da estética, no plano do respeito a quem são nossos heróis, que não são Michey Mouse, nem Tio Patinhas, são Zumbi dos Palmares, Tupak Amaru, como personagens históricos. Eu gostaria que você refletisse sobre isso, porque implica discutir também algo que muitas vezes na própria esquerda não se entende. Porque, por exemplo, é importante o Brasil fazer um investimento na Bolivia para construir estradas, ou na Venezuela para a integração energética, com a refinaria da PDVSA com a Petrobras. Mas isso tem que ter no plano da notícia, da informação, uma outra explicação, não apenas de quanto vai render, quantas ações, mas um sentido histórico importante dessa integração.
Eu penso, Beto, que você conhece bem esse tema, melhor do que eu por sua própria experiência na Telesur . E está muito bem preparado para entender a importância desse tipo de jornalismo que você pratica e está teorizando. Esse tipo de informação é uma grande aspiração na América Latina, eu diria que o primeiro exemplo desse jornalismo de integração é a agencia Prensa Latina, que foi criada por um argentino, Jorge Masetti, muito ligado a Che Guevara. Prensa Latina foi um aprendizado para muitos jornalistas para se criar uma positivação da integração latino americana. Beto Almeida – E o Che dizia que se apoiava no exemplo de Perón... Sim, e é necessário entender que a balcanização da América Latina foi uma conseqüência da vontade de potências imperiais de controlar o continente. Por exemplo, toda a América Latina de língua espanhola estar unida, quando tem uma história, língua, culturas em comum, e evidentemente com o Brasil também, é uma integração natural. O trabalho de integração, que chamamos bolivarianismo, o sonho de Bolívar, a América Latina integrada, com todas as possibilidades que há no subcontinente, potencialidades humanas primeiro, e logo, potencialidades em termos de riquezas naturais, é necessário positivar efetivamente. A positivação passa pelo descobrimento de uns e outros.
Dizemos esta manhã que antes da criação da Telesur, praticamente o discurso latino-americano era em canais de informação norte-americanos, estrangeiros e os países latino americanos viveram fechados neles mesmos, tendo uma relação mais estreita com a metrópole, ou com Estados Unidos, do que com vinzinhos. Tudo isso é uma conseqüência da história, e esse jornalismo de integração para mim é uma matéria que deveriam ensinar nas escolas de jornalismo latino-americanas. Maria Inês Nassif – A gente vive um contrasenso, a imprensa mundialmente tem perdido credibilidade, mas ao mesmo tempo, ela continua tendo um enorme poder político, cada vez mais ampliado, como se explica isso? Não acredite que tenha tanto poder político. Eu digo freqüentemente que nós quando pensamos uma contra informação não devemos crer no axioma dominante, que é o seguinte: quem controla a informação, controla as mentes. Isso é o que acreditam os proprietários dos meios, mas na prática não funciona sempre. Temos muitos exemplos que demonstram que existem sistemas políticos que controlam toda a informação, toda a comunicação e não controlam as mentes.
Veja, o General Pinochet, ditador do Chile, ele controlava todos jornais, todas as rádios, as TV’s, a universidade, proibiu a matéria de sociologia, controlava a igreja, durante 16 anos. E ele pensou que se durante 16 anos controlou todos os meios, controlava as mentes dos chilenos e fez um plebiscito, em 1989. Nesse plebiscito, só ele fez campanha eleitoral, a oposição não poderia fazer campanha, e estava tão convencido do resultado que nem sequer manipulou o resultado. E qual foi o resultado? Perdeu o plebiscito e perdeu o poder. Então, aí temos uma prova de que o controle absoluto dos meios, não te dá o controle absoluto das mentes.
Temos muitas provas, Chávez tinha contra ele todos os meios quando fez o referendo, com campanhas absolutamente delirantes, violentas, inventando todo tipo de calunias e o plebiscito saiu a favor de Chávez. Poderia dar muitos outros casos. O franquismo na Espanha durou 40 anos, nas primeiras eleições livres, se apresentou um partido franquista, teve menos de 1% dos votos.
Não se pode acreditar que o controle dos meios significa o controle das mentes, o próprio Lula ganhou essa segunda eleição com os meios muito agressivos, mobilizados. Hoje em dia, as sociedades têm tal desconfiança nos meio que não é possível acreditar que o dizem os meios é o que pensa a sociedade. A sociedade não é um reflexo dos meios. Cristiano, Sergipe – Com a crise recente agora do imperialismo, grandes corporações estão quebrando. Nós temos grandes corporações também dos meios de comunicação, há possibilidade dessas grandes corporações sentirem os reflexos da crise e apresentarem problemas? E nesse sentido, já que os governos estão sendo chamados a socorrer as grandes corporações, há possibilidade com a crise e os seus reflexos, de ocorrerem processos de nacionalização dessas corporações de mídia, como está ocorrendo com bancos, por exemplo?
Eu não vejo essa possibilidade por esse momento. Porque essa crise que é tão complexa e grave não está tocando as grandes corporações midiáticas, porque elas não estão nos setores bancários. O que é certo é que as bolsas perderam em média 50%, algumas bolsas perderam mais, na Islândia, 94%. O que quer dizer uma bolsa perder 50%? Quer dizer que se essa empresa, que vale cem, vamos supor, tem suas ações na bolsa, essa empresa agora vale cinqüenta. Isso quer dizer que eu e ele, por exemplo, não poderíamos comprar essa empresa porque valia cem, mas agora vale cinquenta. Essa redução é um rebaixamento muito importante.
Por exemplo, o New York Times está na bolsa, há muitos meios que estão na bolsa, o New York Times agora vale 50%. Mas estamos em uma crise pulsante, econômica, industrial, isso significa que vai haver menos consumo e que as empresas vão despedir muita gente, o que vai acontecer? Vão reduzir o pressuposto para a publicidade, e os meios, já que vivem da publicidade, vão ter menos ingressos e vão sofrer, vão ter dificuldades. Já estão tendo, mas essas dificuldades vão ser agravadas. Eu penso que em 2009, vamos assistir a um fenômeno de concentração midiática. Muitos meios vão ter tantas dificuldades que vão ser comprados para os que vendem mais. Ou seja, o fenômeno que você disse ainda não está produzido, mas pode ocorrer. Marcelo Salles – Cuba representa desde a Revolução uma das maiores frustrações para o imperialismo e para a mídia que defende o imperialismo. Aproveitando que você fez uma entrevista de fôlego com Fidel, eu li esse livro e descobri informações que não conhecia, e o quanto essas informações são sonegadas aqui no Brasil e em grande parte do mundo, eu queria que você comentasse os principais aspectos do livro e o que o surpreendeu nesse trabalho.
Muito obrigado, Marcelo, porque essa é uma das motivações porque eu escrevi esse livro de conversas com Fidel Castro. Porque eu percebo sobre Fidel Castro e sobre Cuba uma extraordinária censura dos meios. Fidel é uma das pessoas das que mais se fala na imprensa, precisamente não há semana que não se cite Fidel Castro, mesmo agora que já não é mais presidente. Entretanto, vendo a imprensa particularmente na França, percebi que nunca lhe dão a palavra, nunca reproduzem uma declaração de Fidel Castro, apenas há comentários hostis que impedem que qualquer cidadão inteligente, moderado, tenha uma idéia do que está ocorrendo em Cuba e quem é Fidel Castro.
Um dos motivos pelo qual escrevi esse livro é romper o muro de censura que se edificou em torno de Fidel Castro e de Cuba. Eu digo na introdução do livro que se um leitor ou leitora lê esse livro, com imparcialidade, vai passar 20 horas com Fidel Castro. E eu penso que alguém que fala cinco minutos, dez minutos ou uma hora pode ser dissimulado pelo o que o outro disse, mas se você fala 20 horas com alguém, você tem uma idéia de quem é essa pessoa, não digo do que te diz, mas de que tipo é essa pessoa, que tipo de pessoa humana é, que tipo de sensibilidade, de motivação, de humanidade. Eu penso que alguém que lê esse livro, em condições, digamos normais, só pode concluir que o personagem inventado pelos meios não tem nada a ver com a realidade. O monstro inventado pelos meios hostis não tem nada a ver com a pessoa de Fidel.
Dessa maneira o livro é efetivamente uma demonstração da censura cotidiana que nós vivemos, e que fazem muitos amigos nossos de esquerda na Europa, quando se fala com eles de Hugo Chávez, eles dizem: que horror, populista, ditador... E são pessoas de boa qualidade, extraordinariamente positivas, de esquerda, militantes, mas como se informam? Pela imprensa dominante, que apresenta com muita inteligência um presidente Chávez totalmente repulsivo e evidentemente isso não corresponde a realidade.
Estou fazendo um livro igual a esse com Chávez nesse momento e passo muitas horas com ele, quem o conhece é quem vê a realidade do processo revolucionário na Venezuela. Se dá conta que não tem nada a ver com essa campanha tão tendenciosa, irracional, que lançaram contra um dirigente político que o único que faz é elevar o nível cultural, de saúde, de bem estar de sua sociedade. Mas isso não se perdoa, como não perdoaram a Fidel Castro por haver mantido a soberania de Cuba e um projeto de emancipação latino-americana não só para Cuba, mas para toda a América Latina. Durante muito tempo os meios tentaram asfixiar a Revolução. E a melhor maneira de demonstrar que não conseguiram é ver o que está acontecendo na América Latina hoje, sem o que houve em Cuba, sem a própria estratégia de Fidel Castro de resistência ao Bloqueio, tudo que está ocorrendo em Venezuela, Bolivia, Equador, Brasil, Argentina, não teria sido possível. Desde que Cuba passou a ser uma espécie de santuário, onde o próprio projeto de soberania latino-americano se manteve até agora.
Essa é um pouco da demonstração da censura que insistem em fazer os meios de comunicação e não nos damos conta porque a censura se voltou muito inteligente e não se vê. E nós quando não vemos a censura não nos defendemos contra ela. Eu me defendo de um poder autoritário que sei que vai me censurar, mas não me defendo contra um sistema midiático que se apresenta muito amistoso, muito agradável, que não é hostil, eu não me defendo e não estou alerta quando esse discurso chega até mim.
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