Nesta edição, apresentamos uma entrevista feita com Gabriel Mendes, doutorando em Ciência Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). O Instituto existe desde 1969, e é um centro de pesquisa e pós-graduação em ciências sociais da Universidade Candido Mendes (Ucam).
Por Sheila Jacob
Gabriel é pesquisador do Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública (Doxa), grupo que é coordenado por Marcus Figueiredo, doutor em Ciência Política. O Doxa foi criado em 1996 para investigar processos eleitorais e de formação da opinião política. O Laboratório dispõe ainda de um acervo com programas eleitorais desde 1988, disponibilizados para pesquisadores que tenham interesse e entrem em contato com o grupo.
Neste ano, a equipe acompanhou a cobertura das eleições para as Prefeituras do Rio de Janeiro e São Paulo feita pela (grande) mídia impressa. Confira a entrevista.
BoletimNPC - Como funciona o trabalho do Iuperj de acompanhamento das eleições?
Gabriel Mendes - O Iuperj é um instituto de pós-graduação em ciência política e sociologia. com trabalho de produção de conhecimento através da aplicação de uma metodologia desenvolvida pelo próprio laboratório. O instituto tem um corpo docente de cerca de 15 professores. O professor Marcus Figueiredo trabalha com comunicação política, propaganda eleitoral, mídia e eleições.
Desde 2002 a gente vem acompanhando as eleições: as presidenciais, de 2002 e 2006; e as municipais, de 2004; e agora a de 2008. Acompanhamos, na verdade, não as eleições, mas sim a cobertura feita pelos jornais. No Rio, analisamos O Globo, Jornal do Brasil, O Dia e Extra. De São Paulo, o Valor, a Folha de São Paulo e o Estadão.
BoletimNPC - Quando vocês começam a acompanhar?
Gabriel Mendes - A pesquisa começa em 1º de março e vai até o último dia do segundo turno. Dividimos em três etapas: pré-campanha (que vai de março até a oficialização das candidaturas, em junho); campanha (que vai desde junho até o começo do horário eleitoral, em agosto); e a última etapa, que chamamos de horário eleitoral, porque a mobilização para as eleições está muito ligada à TV.
Nesse período, tudo que se refira ao nome próprio do candidato nos interessa. Quando aparece o nome, colocamos as informações em uma planilha para armazenar os dados de acordo com a metodologia que o Doxa desenvolveu. A partir daí são geradas as tabelas, que disponibilizamos quinzenalmente no site (http://doxa.iuperj.br/eleicoes2008.html)
BoletimNPC - E como é essa metodologia?
Gabriel Mendes - Vamos preenchendo as categorias em uma tabela. O primeiro critério para selecionarmos a notícia do jornal é aparecer o nome próprio do candidato. Primeiramente, temos as questões quantitativas básicas: quantas vezes o nome apareceu; o formato: se é coluna ou chamada de primeira página. Só não trabalhamos com cartas de leitores; posição da matéria na página do jornal. Os temas relacionados são separados em específico e mais aberto. Com isso podemos ver qual foi a agenda da eleição.
Depois, dividimos de acordo com o enquadramento, se a matéria é personalista, temática, episódica, ou então corrida de cavalo, ou seja, se trata a eleição como se fosse um jogo, comparando o desempenho.Fazemos ainda um resumo da matéria. Tem também a valência (valor), que é o dado mais subjetivo da pesquisa: classifica as matérias em positiva, negativa, neutra ou equilibrada.
A partir dos dados que coletamos, as pessoas ligadas ao laboratório podem utilizá-los para fazer seu trabalho de avaliação. Por exemplo, cada um dos cinco estagiários da equipe vai fazer um pequeno artigo sobre jornal com que trabalhou. Nós, pesquisadores do Doxa, também produzimos artigos. Por exemplo: eu, Alessandra e Marcus fizemos o artigo Imprensa e Eleições presidenciais: natureza e conseqüências da cobertura, publicado no livro Mídia nas eleições 2006, organizado por Venício Lima.
BoletimNPC - Algumas conclusões a partir dessa coleta de dados?
Gabriel Mendes - Podemos dizer que os jornais são conservadores porque dão mais espaço para quem já está na frente. Quem está atrás não recebe tanto espaço na mídia. Em casos excepcionais há uma visibilidade que não condiz com as pesquisas de voto. Por exemplo: Heloisa Helena em 2006. Ela tinha espaço considerável no jornal, mesmo estando distante na disputa. Mas se olharmos os temas, a maioria era de ataque. Ou seja: os jornais ouviam a Heloisa Helena não porque resolveram dar espaço a uma candidatura de extrema esquerda, mas porque ela servia de porta-voz de críticas ao candidato Lula.
BoletimNPC - Em relação às eleições municipais de 2008?
Gabriel Mendes - Vamos pegar O Globo, por exemplo. Nesse jornal, o Eduardo Paes não foi atacado. É engraçado O Globo ter falado que ele já começou descumprindo promessa, porque esse não foi o tom predominante durante a campanha. Já com relação ao Gabeira, o número de notícias positivas foi maior, mas também não foi explícito. O auge das notícias positivas (com relação ao Gabeira) foi na primeira quinzena de maio, durante o primeiro turno, quando ele chegou ao segundo lugar. A linha positiva pode ser tanto o direcionamento da matéria, focando, por exemplo, aspectos positivos do candidato, como também está relacionada ao resultado de pesquisas de intenção de voto.
Agora, uma das grandes características do Globo nessa eleição foi a cobertura negativa do candidato Marcelo Crivella, que teve um pico negativo em junho, quando foi o escândalo do projeto Cimento Social. O que houve de positivo foi quando ele estava na liderança, e não uma mudança de posicionamento do jornal. A outra constatação foi o negativo acentuado da candidata Solange Amaral, porque o tom foi de críticas contra o César Maia de uns tempos para cá.
BoletimNPC - E isso se refletiu nos resultados...
Gabriel Mendes - É mais complexo do que isso. Em política são vários motivos que atuam e, certamente, a mídia tem grande importância. Em alguns momentos ela dá o pontapé fundamental, como no debate de 1989 do Lula X Collor, quando houve clara manipulação da Globo. Na Venezuela também, quando houve aquele golpe contra o presidente Hugo Chávez, em 2002, a mídia foi fundamental. A TV é um importante ator.
BoletimNPC - Voltando ao Rio, e em relação ao Molon e ao Chico Alencar?
Gabriel Mendes - O Molon e o Alencar não ameaçavam... A tendência em termos gerais é facilitar a vida da direita. O que é curioso: no Extra e no Dia, o Crivella não foi tão criticado, porque o jornal sabe para quem ele está falando. Ou seja: essa tendência negativa não se repetiu nos jornais populares.
Podemos pegar os jornais, compará-los, e vemos que cada um escolhe o que é mais importante. Mas você pergunta “O jornal não está interessado no bem público?”. O jornal escolhe algumas coisas e deixa de lado outras.
BoletimNPC - E São Paulo?
Gabriel Mendes - Na Folha de São Paulo (veja as tabelas), também a tendência foi dar maior visibilidade a quem já estava na frente: Kassab, Alckmin e Marta. Os três primeiros colocados são sempre os com mais visibilidade. A campanha da Marta durante o primeiro turno não teve cobertura negativa. Os noticiários focaram as propostas e os projetos, não teve uma campanha ostensiva contra ou a favor de ninguém, porque a Folha não se posiciona grosseiramente. A Marta teve predominância positiva, porque foi líder de pesquisa.
Já o Alckmin teve uma oscilação maior. Primeiro, o noticiário foi negativo porque ele queria ser candidato enquanto o partido queria apoiar o Kassab. Ele então consegue a oficialização da candidatura e vai tendo um noticiário positivo, porque se manteve em segundo lugar nas pesquisas. A linha negativa dele começa a subir quando o Kassab começa a subir, e então o Alckmin cai para 3º lugar.
No segundo turno, os jornais que sempre foram contra a Marta Suplicy se posicionaram. Eles focaram aquelas perguntas da Marta sobre o Kassab, se ele tinha esposa, filhos... Ora, essa é uma peça de campanha como várias outras. Os outros candidatos tiveram estratégias semelhantes. A pergunta é: por que o jornal focou nisso? Aí o que acontece: a Folha foca nisso, o Globo acompanha a pauta dos jornais de São Paulo, os jornalistas de portais da Internet vão sugar essas matérias, e aí predomina. Por isso no 2º turno ela teve uma subida das notícias negativas.
Já o Estadão teve a mesma estratégia no 2º turno. No primeiro, o noticiário foi positivo para o Kassab, acima dos outros. O Estadão é notoriamente mais partidário e conservador. No 2º turno, a Folha e o Estadão tiveram a mesma postura.
BoletimNPC - Interessante porque existe o mito da imparcialidade e neutralidade da mídia, que muitos questionam. Vocês, do Instituto, coletam os dados...
Gabriel Mendes - Primeiro que a imprensa no Brasil é oligopolizada. São poucas as famílias que controlam tudo. Segundo: não há uma cultura de competição entre as empresas de mídia. Uma não fala das crises da outra. E a mídia, no Brasil, finge que está acima de tudo. Não aceita sua participação na história, não se assume como um ator político.
Agora, por exemplo, Washington Post, New York Times, The Economist assumiram que estão com Obama. O último posicionamento que eu me lembro no Brasil foi o do Estadão, quando assumiu que estava com o Serra em 2002. Não existe imparcialidade. O jornal tem um espaço físico limitado, e algumas pessoas escolhem a fatia da realidade que estará ali para o leitor ler. Só aí você já deixou de falar um milhão de coisas... E também as coisas que você resolve falar sempre têm um foco, nunca é neutro... Então o jornal sabe o que está fazendo.
Agora, o grande argumento de quem questiona os críticos da comunicação é que estão todos submetidos à teoria da conspiração, que acham que a mídia manipula todo mundo. Realmente ela não manipula totalmente, mas isso não quer dizer que ela não interfira. O que o Doxa faz é, através de uma abordagem científica, fazer uma crítica de mídia. O que é curioso é que os jornais chamam autoridades de economia para falar de economia; especialistas de política para falar sobre política; de literatura etc. O único tema sobre o qual não se pode falar é deles próprios. Por exemplo: quando os dados mostram um noticiário equilibrado, eles divulgam a pesquisa. Em 2006 isso aconteceu. Agora que vimos que o Crivella foi criticado o tempo inteiro, eles nem divulgam.
BoletimNPC - A partir disso que você falou... Como existe o oligopólio, a concentração nas mãos de poucos, acabam sendo os mesmos interesses.
Gabriel Mendes - Existe um bloqueio de informação. Deveríamos ter acesso a pelo menos outras vozes. Os dados mostram que esses jornais grandes estão todos alinhados num determinado lado ideológico.
BoletimNPC - E o Brasil de Fato, Caros Amigos, Carta Capital...
Gabriel Mendes - A Carta Capital é uma das iniciativas de se tentar furar esse bloqueio. Quem discorda desse perfil ideológico ao qual todas as empresas grandes de mídia se filiam lê a Carta Capital. Falta uma Televisão assim, para atingir milhões de pessoas.
BoletimNPC - Tem o problema das concessões, que normalmente são renovadas automaticamente...
Gabriel Mendes - É. E muitas estão nas mãos ou ligadas a políticos. A internet está começando a trazer coisas novas, a discutir algo, apesar de ainda pouca gente no Brasil ter acesso à internet. Hoje existem muitas críticas de mídia em sites... Alguns jornalistas abandonam as empresas e vão para a Internet fazer crítica de mídia. Esse é um exemplo de como é cada vez mais importante mostrar a atuação da mídia. Liberdade de imprensa para quem? Só se for para eles. Na verdade, todos podem sim falar o que quiserem, mas são só eles que falam.
BoletimNPC - Qual seria a alternativa?
Gabriel Mendes - A questão de quem provê informação é central. A gente já viu que só deixar na mão do mercado, empresas privadas, não dá certo. É o que acontece agora: mídia concentrada, oligopolizada, os mesmos grupos possuem TVs, rádios... Uma das coisas importantes a serem feitas nesse momento é a crítica de mídia. Nós, por exemplo, somos de uma Academia e observamos os atores políticos que têm influência na sociedade. No nosso caso específico, a mídia. Por isso observamos e apresentamos um relatório para mostrar o que eles estão fazendo.
BoletimNPC - Você conhece o trabalho do NPC?
Gabriel Mendes - É, o Núcleo tem um pouco disso. De se tentar estabelecer uma estrutura de comunicação alternativa. Tentativa de se dar voz para aqueles que sempre aparecem ou sendo criminalizados, ou então que nem aparecem.